terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Supermercandando num domingo de chuva

 

JORGE GOLIAS


E lá vou eu num dia a ameaçar chuva, fazer mais umas compras. Compras que nunca acabam, pois evito acumulações, mas sempre faltam algumas coisas e se lá vou trago mais algumas inutilidades ou guloseimas. Ora são chocolates em promoção sugeridos pela caixa, ora são novidades que normalmente descoroçoam. Levei um guarda-chuva no fundo do trólei para o que der e vier, e pronto. 

Carrinho de compras grande porque já não havia dos pequenos e fui assim percorrendo corredores e prateleiras, metendo os artigos no carro. Puxei da carteira onde tinha o post it com a lista de compras, mas, como habitualmente ficou em cima da secretária. Puxo pela memória, mas já teve melhores dias. Carro a mais e compras a menos escolho a fila com menos gente, apenas um sujeito alto a pagar e um outro só com um saco de papel. Como o meu carro tinha poucos artigos rapidamente se colou a mim uma fila mais longa, sorridente porque ali as coisas iam correr bem. A certa altura o sujeito alto puxou de um papel onde estava inscrita a verba de 5 euros. A menina entupiu, pediu à colega da caixa da frente, que chamou o encarregado, encarregado que se encarregou de decifrar aquele enigma, pelos visto de dificuldade superior. A fila começou a murmurar, eu também e já consultava o Tm até que o encarregado colocou o sujeito alto em fila de espera e lá avançou o sujeito do saco de papel. Que continha pão e que ele estava a pagar com moedas, a maior parte das quais pretas! A menina, porque era mesmo muito jovem, alguma recém-licenciada que estava ali à espera de um dia melhor, lá contou com toda a calma, porque era precisa, todas as moedinhas do senhor que as deve ter juntado para comprar meia dúzia de carcaças.

Nesta altura comecei a sentir uma certa vontade de ir a uma sanita ali perto. Aprendi a respirar fundo para controlar este e outros apetites de ocasião. E lá fui adiando a coisa, tentando enganar-me a mim mesmo que aquilo era passageiro e não ia haver problema, como nunca houve. Mas o diabo está sempre à espera destas ocasiões para pregar uma partidinha e lá me veio à lembrança da vez em que me dirigia para o CCB e me veio esta vontade igual ou semelhante e estive ali à beira de fazer sujeira quando, por milagre descobri a sinaléctica que conduzia a um wc e me safei de uma vergonha do caraças. Chegado a este ponto da lembrança, estava já a pagar quando a menina me pergunta se queria um chocolate em promoção, disse que sim se isso não atrasasse mais a fila, que me fitava com severidade, mas que ao ouvir esta minha preocupação me sorriu com bonomia e deve ter sido esse sorriso que me aliviou naquele momento de aperto rectal.

Passado o momento de estar encerrado numa fila, logo passou a vontade de que falei há pouco. É por isso que eu digo que é o diabo que prega estas partidas, o magano!

Lá paguei e andei a caminho do trólei onde descarreguei a tralha do dia, saí pela porta certa, porque há dias em que me dá para sair pela porta da entrada, estando ela aberta e eu ali tão perto! As compras são o meu calcanhar de aquiles nesta nova missão de cuidadoria. Eu sei que se podem encomendar, mas isso nunca me pareceu boa ideia, porque me sujeito às piores batatas e pior ainda aos piores tomates, salvo seja, e às laranjas picadas e males maiores e depois chega o moço delas a casa e não está lá ninguém para lhe abrir a porta.

Saio então para a rua e sinto de pronto a chuva na cara, logo ali a cerca de 1 km de casa. Abro a pála do trólei e busco o guarda-chuva e logo percebo que está no fundo daquilo tudo. Desisti e avanço feito toureiro para aquele km de chuva miúda que só molha tolos, mas que sendo tolo velho fica ainda mais molhado. Andiamo Jorge, que se faz tarde. Sobe que sobe, sobe a calçada, custa muito, não custa nada, anima-te que tudo tem um fim, puxa a carga e sorri, se te miram com pena. Cheguei a casa e lembrei-me da minha mãe que em circunstâncias semelhantes me dizia: entra depressa que pareces um pito[1], vai, muda-te antes que apanhes uma constipação. Foi o que fiz, mãe, mudei-me e salvei-me dessa maldade.

Agora vou arrumar a tralha e começar a preparar o almoço. Eis senão quando toca a campainha. Espreito e vejo um sujeito com colete de emergência e com algo na mão. Boa tarde, sou empregado da Câmara e venho trazer-lhe este material para fazer a triagem dos desperdícios alimentares para recuperação: caixa com sacos verdes onde se metem os restos de comida e outras coisas afins para compostagem e que se depositam no lixo geral que depois na CMO fazem a triagem. Muito bem, boa iniciativa, mas isto está tão regulado que qualquer dia aproveitam tudo, até o que não digo agora. Com este final a somar ao que ficou lá atrás, a crónica de hoje saiu algo malcheirosa!

Moral da história: um velho hoje tem de saber e suportar um pouco de tudo: informática, robótica, piadas dos que não gostam de velhos, piropos dos que gostam, maldades e bondades da IA. E andar à chuva, em modo singing in the rain!

 

CNX26JAN25JG83



[1] Já viram uma galinha molhada da chuva?

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