O jornal Vilarealense, de 1 de julho de 1920,
escrevia na primeira pagina: «Mirandela uma cidade em crescimento onde as
responsabilidades são agora maiores, já se disponibilizou para participar no
congresso, com as figuras nacionais de maior relevo, ligadas às problemáticas
da regionalização e autonomização. O I primeiro Congresso Transmontano foi a iniciativa
de que há conhecimento, de maior impacto pró Trás-os Montes». E na página
4, em subtítulo, dizia-se: «progridem os trabalhos para o nosso futuro
congresso regional. Já se programaram importantes donativos e se fizeram
reuniões em Chaves, Mirandela, Régua e Vila Real. A comissão Executiva em
Lisboa está elaborando o programa geral e continua a sua missão de angariar
fundos». Na mesma página informava que a Câmara de Mesão Frio já se tinha
comprometido com a verba de 500 escudos e a de Chaves com 300. As comissões do
Porto e Braga comprometeram-se a contribuir com verbas mais elevadas. Além da
verba de mil escudos do bancário Cândido Sotto Mayor. Quanto a sessões a
realizar seriam no Porto, em Braga, e também em Chaves, Mirandela, Régua e Vila
Real.
Foi por esta altura que, já regressado da vida militar
e radicado em Guimarães, li este entusiasmante desafio a quem se propunha
defender e impulsionar os Transmontanos. Passei a ler e a ouvir que, perdidas
as províncias ultramarinas, Bragança passava a ser a mais distante do Terreiro
do Paço.
Da História de Portugal assumi que Portugal brotara da
Batalha de S. Mamede, em 24 de Junho de 1128. E que, antes de configurado o
retângulo Português, desde a fronteira norte, até ao Algarve, o Condado
Portucalense se limitava ao espaço entre os Rios: Minho e Douro. Só em 1096, o
pai de D. Teresa, pelo dote de casamento com o Conde D. Henriques, doara o
espaço geográfico, que fora retomado em 1071 e reintegrado no reino da Galiza,
após a batalha de Pedroso.
Apesar da injustiça que o imperador exerceu, ao dar à
filha Urraca praticamente todo o império ibérico, em relação à irmã D. Teresa,
a quem apenas legou o renascido Condado, essa doação gerou uma geringonça que
levou o Conde D. Henriques a fazer tudo o que pôde para se libertar da herança
e poder político da cunhada.
Ora, nessa época, Portugal ainda se limitava a ser o Portus+cale
de que proveio o país que somos. Daí que Trás-os-Montes e Alto Douro desse o
nome à Província mais martirizada desde a formação da Portugalidade.
Em 1920, os Transmontanos, quer residentes, quer
ausentes, entenderam conjugar esforços para reagirem às contrariedades naturais
e políticas. Existindo em Lisboa uma Associação comunitária de cidadãos
oriundos da esquecida região nortenha, entendeu essa coletividade reunir,
localmente, os mais capazes para exigirem, do poder político nacional,
compensações para que nessa Província, dali em diante, garantissem mais justiça
social.
Nesse ano aconteceu o primeiro Congresso Transmontano
de cujo acontecimento resultou um volume histórico, onde ficou a recomendação
para que, de 20 em 20 anos, se repetissem idênticos congressos temáticos. Vinte
e um anos depois decorreu aquele que mais saudades deixou, sobretudo pelos
chavões elogiosos de Miguel Torga, como por exemplo: Trás-os-Montes e Alto
Douro como reino maravilhoso.
Em 1960 deveria ter-se realizado o terceiro congresso.
Mas o país atravessava uma crise, nunca imaginada, com a guerra da Índia e do
Ultramar Português, situações que se agravaram com a emigração massiva e a
descolonização.
O terceiro Congresso chegou a ter uma data prevista
para Maio de 1986. Em 7/5/85 decorrera um encontro em Mirandela, com quinze
personalidades representativas de Câmaras e Instituições regionais que, por
eleição de braço no ar, designaram o signatário como secretário geral desse III
Congresso. Presidira a essa reunião o saudoso Bispo de Bragança. O Secretariado
foi ali anunciado para a Rua de Costa Cabral, 1037, no Porto. Uma semana depois
dessa reunião, a imprensa de Vila Real, em vez de noticiar o que se passara em
Mirandela, limitava-se a anunciar que dois representantes que haviam estado
presentes e votado a favor, se preparavam para serem eles a promover o
Congresso. De imediato, aquele que fora eleito, denunciou a sua escusa na
imprensa regional.
António Jorge Nunes e as Casas regionais Transmontanas
dispersas pelo país, que entretanto haviam fundado a Federação das mesmas,
retomaram, 61 anos depois, o projeto de realizar, em 2002, o III congresso, em
Bragança. Valeu a pena esperar porque no mês de Setembro desse ano, os três
dias de trabalho permitiram a maior reunião de que há memória, em prol da
região mais antiga de Portugal.
Jorge Nunes tem sido um político sabedor e um perito
experimentado. Em 2022 publicou um volume de 450 página sobre os quatro
Congressos já realizados. É um trabalho sério, autêntico e oportuno.
Nas páginas 376/377 menciona o nome do ex-Governador Civil de Vila Real, Nuno Simões: «minhoto de nascimento mas transmontano de coração. Tenho à minha frente um documento interessante. Trata-se de uma circular, datada de 10/02/1916, que deu um pontapé de saída para o I primeiro Congresso Transmontano que apenas se realizou entre 7 e 16 de Setembro de 1920». Foi nesta fonte e neste contexto que o mesmo ex-presidente da Câmara de Bragança previa, em 2022, o V Congresso que está a decorrer em Mirandela, Régua e Lamego, graças à Casa-Mãe de Lisboa e, sobretudo, ao seu atual Presidente, Hirondino Isaías, para cumprir os 20 anos recomendados em 1920, que este ano se completam.
Revejo-me no exemplo deste dirigente da Casa de Lisboa
que pegou no polémico representante, na qualidade de presidente da Federação
das Casas Transmontanas. Em Bragança exigiu «abrir e fechar» o III Congresso em
2002. Acerca desta personagem pretendo relatar, noutro espaço e tempo, o único
ponto escuso dessa multidão nos três dias de glória Brigantina. A essa mesma
personalidade se deve a «morte da Federação das casas regionais Transmontanas».
Não pretendo polemizar durante estes três dias do V congresso, nas três
cidades; Mirandela, Régua e Lamego. Pretendo exaltar a frontalidade, a
persistência e a carolice da direção da Casa Regional de Trás-os -Montes e Alto
Douro de Lisboa por ter estado atenta e enérgica nos dois abalos que poderiam
ter sido fatais, onde outro(s) falharam.
Volto à página 377 do livro dos Congressos da autoria
do engº Jorge Nunes, por me parecer a chave d'ouro do V Congresso: «É certo
que ninguém caminha às arrecuas. Não é possível compreender o presente nem tão-pouco
levantar o futuro, sem compreendermos até às últimas consequências o passado.
Porque, é bom que se saiba de uma vez por todas e que o saibam também os
encarniçados regeneradores do passado, nenhuma viagem começa, agora nem logo:
todas as viagens começaram antes».
Bravo!
Barroso da Fonte
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