sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Os Meninos de suas Mães

 

JORGE  LAGE




Os Meninos de suas Mães – Meu Deus! Foi há uns 65 anos que após terminar a 4.ª classe e por vontade do meu Pai, fui estudar para o então Colégio Marista dos Pousos/Leiria. Recebemos dos Irmãos Maristas uma longa lista de roupa e fui com a Mãe à Bila (Mirandela) comprar no sóto do Augusto Pires (rua Alexandre Herculano) um ror de roupa: camisas, camisolas, meias, camisolas interiores, ceroulas, cuecas, duas boinas pretas e fazenda para dois fatos. 

Para os dias festivos era azul «merino». Também: sapatilhas, botas e sapatos e uma mala castanha de cartão. Miúda bardoada! Disse a minha Mãe ao fazer contas ao que iam gastar. Dois fatos? Vejam lá!... Em casa éramos 8 pessoas e não havia fato para ninguém. Fatos eram para ricos e prosmeiros! O meu Pai foi dizendo que o Colégio Marista era de gente importante e de respeito e que tínhamos de andar apresentados. Os fatos foram feitos pelo Carolino Alfaiate (Fena de apelido), embora da minha aldeia, vivia em Carvalhais. Lá tive que ir uma ou duas vezes às provas e no final lá traz a obra, com uma felicidade no rosto, bem superior a Versaces ou Armanis. Perto do final do ano (1960), com a roupa numerado com o 78, peça a peça, e a mala feita, lá vou com o meu Pai no combóio do Tua, em terceira classe (não havia mais barato) em belos e confortáveis bancos de pau. Depois da ida à Senhora dos Remédios, a Lamego, era a segunda vez que andava de combóio. A Mãe ficou banhada em lágrimas. A mala de cartão avermelhado e o cabaz de verga com uma merenda abonada para dois dias. Impressionou-me ver o combóio fugir nos carris e a paisagem a fugir para tás. Recordo-me já noite, enquanto fazíamos horas para o combóio nocturno partir de São Bento, o meu Pai afoutou-se para irmos de eléctrico a Matosinhos, ver as obras da Ponte da Arrábida. Que obra arrojada, Edgar Cardoso! Que arco da ponte!... Na viagem nocturna no eléctrico, pelo Porto desconhecido, achei que o meu Pai era destemido. Já a noute ia alta e lá partimos para Leiria e mudámos na Pampilhosa para a linha do Oeste e num domingo de manhã estávamos em Leiria Gare. Fomos de camioneta até à cidade e a pé para o Colégio, porque era bem mais perto que o lameiro de Vale das Mós, a Ribeira, o Garrancho ou a Rodeira do Carrasco. Quando a meio da tarde o meu Pai parte de regresso senti-me num mar de saudades à deriva e de lágrimas pela minha Mãe. Depois, foi lutar pela sobrevivência e fazer amigos. Os «meninos de suas mães» que no passado dia 14 de Setembro nos reunimos, em Chaves, no Hotel Forte de São Francisco. Na capela do hotel, o Padre Valdemar Carreira, ex-marista, rezou Missa, pelos Irmãos e ex-alunos falecidos. Foi dos dias mais felizes da minha vida, com a alma humedecida de felicidade. Alguns não nos víamos há décadas. Um matar saudades, enquanto o tempo esticava. A organização esteve impecável e os serviços à altura do melhor. Apesar dos cerca de oitenta presentes, foi pena que alguns de Chaves e das redondezas não tenham dito presente, entre eles alguns «distraídos» de Mirandela. Para o próximo ano será em Leiria e terá de ser num local calmo e sossegado para os filmes da vida rodarem. 

 

Notas da minha Agenda - 12

Sem comentários:

Enviar um comentário

A Terra Desolada

  «Abril é o mais cruel dos meses», um verso bem conhecido de A Terra Desolada (noutras traduções Terra Devastada ). T.S. Eliot, um dos maio...