JORGE GOLIAS
Em qualquer lugar onde me
encontre estou sempre atento à fauna que o frequenta. Esta Biblioteca, e em
outras algo de semelhante se passará, tem gente muito velha, quase tanto ou
mais do que eu, que disputa diariamente os jornais da bola e o CM. O Público
é sempre abafado por um sujeito de fato e gravata, tudo muito coçado, quase sempre
os mesmos, assim me parece, que deve estar na hora da chegada dos jornais.
Depois, este que parece que dorme vestido, isola-se e fica horas a ler. Eu
tenho assinatura electrónica deste jornal. O JN está quase sempre disponível,
talvez por ser um jornal do Norte. Eu compro-o quando tomo o p. almoço na
Cafetaria. Os desportivos são trocados entre os habitués que montam ali um
circuito fechado, onde só entra quem gosta da bola. Bom, eu também gosto, mas
sobrevivo sem ela. Não me interessam estes jornais e isso eles perceberam logo,
olhando-me de lado, e não me deixando entrar na roda da malta. Se me fizessem
um teste elementar, o de dizer os nomes de 3 jogadores da 1ª divisão, creio que
não saberia dizer. Mas esse defeito não é só de agora
A maior parte desta gente já
se conhece e vai trocando algumas palavras, em tom baixo, porque as regras assim
o estabelecem. E eles cumprem, salvo se toca o telemóvel. Um Tm é sempre
atendido aos gritos, como se a comunicação fosse à voz, de monte a monte. Por
vezes o atendedor levanta-se depressa, com a dificuldade das artroses, e sai
porta fora largando o jornal e o lugar. Há cadeiras e sofás, alguns destes com
apoios de braços que, nestas idades se agradecem.
O que pensarão estes
convivas quando me veem pegar no JL? Uns pensarão: coitado, não há mais nenhum!
Outros pensarão: coitado, o que verá ele naquele jornal? Exagero? Talvez! Estou
numa de presunção intelectual? Talvez! Acredito que mais gente lê este jornal e
outros fora da bola, mas nunca assisti a essa bizarria.
Não estou mais de meia hora
neste local, por onde passo no trajecto das minhas caminhadas. Aproveito, entro
e leio algo, dou uma mirada à fauna, e sempre sinto o grande aborrecimento
desta gente, sendo que alguns nem vão ali para ler, pois ocupam um sofá e ficam
em recolhimento durante um tempo, fruindo o silêncio, sentindo o conforto da
companhia de uma dezena de circunstantes, que enganam o tédio com as longas leituras
das notícias futebolísticas.
Hoje houve tolerância de
ruído, dada pelos 4 a 0 de Benfica ao Atlético de Madrid. Não vi o jogo porque
não tenho sport tv, mas assisti, espantado, ao relato dos últimos minutos.
Imagino a alegria do meu irmão e isso também me dá alegria.
Alegria que havia aqui a
rodos. Creio que me olharam inquisidores de saber se eu sabia dos 4-0. Armei um
sorriso esclarecedor.
Vestem as roupas do século
passado, com aquelas calças onde cabem dois, as camisas de colarinhos altos
onde se enterram até ao pescoço, e sapatos de mau andar. Nem será por falta de
poder de compra, mas mais por ausência de vontade de parecer melhor, ou puro
desleixo. Os mais modernistas andam de calções, muitas vezes umas calças velhas
cortadas pela coxa, ou aqueles calções cheios de bolsos comprados no chinês, com
as tíbias alvas à mostra, metidas numas peúgas pretas, dentro de uns sapatos de
defunto.
Uns cumprimentam quando entram,
outros respeitam a regra do silêncio. Confesso que fico algo embaraçado, pois
prefiro o silêncio, mas também sinto que alguns esperam o cumprimento, talvez
para se sentirem vivos. Por isso, às vezes, dou os bons dias.
Boas tardes!
JG83
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