segunda-feira, 7 de outubro de 2024

TÉDIO


JORGE  GOLIAS



Frequento quase diariamente a Biblioteca de Carnaxide. Sempre vou lendo mais algum jornal ou revista, como o JLetras e a LER. E de vez em quando trago algum(s) livro(s) que a Biblioteca põe na prateleira de ofertas, por excesso de existências que se têm verificado desde a pandemia, quando as famílias das vítimas se iam desfazendo da livralhada. Muitas vezes os livros que ninguém quer são os que eu trago, ou porque não os tenho, ou por serem de outra edição que me atraiu, ou por terem uma dedicatória do autor, etc. Sou um bibliófilo e sempre vou encontrando raridades como uma capa interessante que me chamou a atenção ou uma tradução recomendada, ou por razões que não vêm nos compêndios. Presumo que é uma pancada que me ficou de quando era filatelista.

Em qualquer lugar onde me encontre estou sempre atento à fauna que o frequenta. Esta Biblioteca, e em outras algo de semelhante se passará, tem gente muito velha, quase tanto ou mais do que eu, que disputa diariamente os jornais da bola e o CM. O Público é sempre abafado por um sujeito de fato e gravata, tudo muito coçado, quase sempre os mesmos, assim me parece, que deve estar na hora da chegada dos jornais. Depois, este que parece que dorme vestido, isola-se e fica horas a ler. Eu tenho assinatura electrónica deste jornal. O JN está quase sempre disponível, talvez por ser um jornal do Norte. Eu compro-o quando tomo o p. almoço na Cafetaria. Os desportivos são trocados entre os habitués que montam ali um circuito fechado, onde só entra quem gosta da bola. Bom, eu também gosto, mas sobrevivo sem ela. Não me interessam estes jornais e isso eles perceberam logo, olhando-me de lado, e não me deixando entrar na roda da malta. Se me fizessem um teste elementar, o de dizer os nomes de 3 jogadores da 1ª divisão, creio que não saberia dizer. Mas esse defeito não é só de agora


A maior parte desta gente já se conhece e vai trocando algumas palavras, em tom baixo, porque as regras assim o estabelecem. E eles cumprem, salvo se toca o telemóvel. Um Tm é sempre atendido aos gritos, como se a comunicação fosse à voz, de monte a monte. Por vezes o atendedor levanta-se depressa, com a dificuldade das artroses, e sai porta fora largando o jornal e o lugar. Há cadeiras e sofás, alguns destes com apoios de braços que, nestas idades se agradecem.

O que pensarão estes convivas quando me veem pegar no JL? Uns pensarão: coitado, não há mais nenhum! Outros pensarão: coitado, o que verá ele naquele jornal? Exagero? Talvez! Estou numa de presunção intelectual? Talvez! Acredito que mais gente lê este jornal e outros fora da bola, mas nunca assisti a essa bizarria.

Não estou mais de meia hora neste local, por onde passo no trajecto das minhas caminhadas. Aproveito, entro e leio algo, dou uma mirada à fauna, e sempre sinto o grande aborrecimento desta gente, sendo que alguns nem vão ali para ler, pois ocupam um sofá e ficam em recolhimento durante um tempo, fruindo o silêncio, sentindo o conforto da companhia de uma dezena de circunstantes, que enganam o tédio com as longas leituras das notícias futebolísticas.

Hoje houve tolerância de ruído, dada pelos 4 a 0 de Benfica ao Atlético de Madrid. Não vi o jogo porque não tenho sport tv, mas assisti, espantado, ao relato dos últimos minutos. Imagino a alegria do meu irmão e isso também me dá alegria.

Alegria que havia aqui a rodos. Creio que me olharam inquisidores de saber se eu sabia dos 4-0. Armei um sorriso esclarecedor.

Vestem as roupas do século passado, com aquelas calças onde cabem dois, as camisas de colarinhos altos onde se enterram até ao pescoço, e sapatos de mau andar. Nem será por falta de poder de compra, mas mais por ausência de vontade de parecer melhor, ou puro desleixo. Os mais modernistas andam de calções, muitas vezes umas calças velhas cortadas pela coxa, ou aqueles calções cheios de bolsos comprados no chinês, com as tíbias alvas à mostra, metidas numas peúgas pretas, dentro de uns sapatos de defunto.

Uns cumprimentam quando entram, outros respeitam a regra do silêncio. Confesso que fico algo embaraçado, pois prefiro o silêncio, mas também sinto que alguns esperam o cumprimento, talvez para se sentirem vivos. Por isso, às vezes, dou os bons dias.

Boas tardes!

JG83

 

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