segunda-feira, 2 de setembro de 2024

ESTA VOZ É QUASE VENTO - S E N H O R

 



Por Maria da Graça

 

 

S E N H O R  

 

Senhor,

perdoa os meus pecados,

lava,

com a água dos teus rios sagrados,

a mácula do meu corpo quebrado,

agora que ninguém nos ouve,

agora que a erva secou nos prados.

 

traz-me

as varas que medem o sol e a minha idade,

 

diz-me

que ainda escrevo por devoção e bondade,

que nos pátios da noite há uma candeia que

desde cedo

assinala o rumo dos navegantes de outras

eras,

de outra saudade,

 

diz-me que hoje

ainda me espera um milagre,

 

uma luz imensa do outro lado do mar,

uma estranha divindade que segue os meus

passos,

que me conduz aos templos onde o incenso

arde,

 

procura-me

 com grinaldas de sangue quando os sinos

tocam em Santa Maria e São Gonçalo,

anunciando a hora da oração,

da última ceia,

sem os discípulos a meu lado,

sem os filhos que esperam o pão,

as laranjas,

o brilho das facas que atravessam a dor dos

animais sacrificados,

 

perdoa-me, Senhor,

este ofício da palavra que apenas revela a

iminência dos túmulos.

 

JOSÉ AGOSTINHO BAPTISTA - IN ESTA VOZ É QUASE VENTO


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