JORGE GOLIAS
No meu tempo de criança,
quando comecei a ir ao barbeiro sozinho, respondia à pergunta de como é que
queria o corte assim: -meia cabeleira! E, pronto, era fórmula mágica para sair
dali sem parecer um recruta ou um recluso. O Barbeiro era do Benfica pela
simples razão de que todos os clientes eram do Benfica. Creio que adeptos de
outros clubes, muito poucos, iam a barbeiros da sua cor, ou sem cor, como eu, pois
era quase impossível aguentar meia hora de conversa sem falar da bola. E a
alternativa à bola era a má-língua, onde se dizia mal de tudo e de todos. Ah,
do Regime também se falava (mal) se o ambiente estava despoluído.
No barbeiro sabia-se então
da vida dos concidadãos, das traições conjugais, dos namoros escondidos, dos
negócios de vento em popa ou a caminho da falência, do restaurante que servia o
melhor rancho, da tasca que tinha o melhor vinho.
Ou seja, a barbearia era
todo o conjunto de jornais e de redes sociais da época, com a vantagem de ser à
borla, e com a desvantagem de não ser sujeita a fact-checking. O corrector
sugeriu-me trocar o calão à borla por de graça. Lá está aqui como na IA não
entra o humor, nem as subtilezas da linguagem, o que nos deixa descansados. Os
únicos jornais que havia no antigo barbeiro eram os desportivos, sobretudo a
Bola. Hoje, poderá haver algum Correio da Manhã, mas todo o mundo puxa logo do
Tm como um cowboy da pistola. Não há, portanto, Público, nem JN ou DN, nem um
Expresso atrasado, porque não é preciso.
No Verão corto sempre um
pouco mais o cabelo, para andar mais fresco e para aguentar melhor o vento. O
uso do cabelo curto começou na AM e continuou-se pela vida militar, excepção ao
período do 25 de Abril (PREC) em que andávamos com fartas cabeleiras.
A ida ao barbeiro no tempo
antigo não necessitava de marcação, o tempo de espera era curto e havia sempre
uma cadeira para esperar sentado. Depois, aqueles minutos de conversa valiam
sempre os magros escudos do preço a pagar. Nunca fiz barba e cabelo e mais
tarde também a lavagem.
Mas, ainda mais lá para trás,
um barbeiro tinha funções de saúde pública. Era ali que se arrancavam os dentes
e se faziam pequenos curativos. Por isso esta velha profissão vinha nas
estatísticas das profissões inventariadas pelos historiadores.
A moda que hoje alguns
praticam de rapar o cabelo da base até ao cocuruto já existiu no mundo antigo
por outras razões. Na maior parte do território, as aldeias, não havia
barbeiros e o corte era feito por um jeitoso no meio da rua com o paciente
sentado num mocho. Era-lhe colocada uma malga na cabeça e com uma navalha de
barba cortava-se tudo até à borda da malga. O sujeito assim tratado surgia algo
parecido a um índio americano.
Esta crónica tem o objectivo
de suscitar as memórias e a criatividade dos leitores para responderem com o
que lhes vier à memória e da sua lembrança. Vamos lá.
No Brasil dos séculos XVI e XVII os barbeiros-cirurgiões, eram portugueses e espanhóis, cristãos-novos e meio-cristãos-novos que praticavam pequenas cirurgias, além de sangrar, sarjar, lancetar, aplicar bichas e ventosas e arrancar dentes, além de cortar o cabelo e a barba (do Google). Bom, por cá também era mais ou menos assim.
ResponderEliminar...e, muitas vezes até, era aí que era decido em quem as pessoas deviam votar, politicamente. E era muito mais popular e convincente do que a propaganda e debates de televisão...- ó se era!
ResponderEliminarAgora os barbeiros são sintéticos, assim como as casas de cinema , só com senhas e sem lugares especiais, e como o arroz de pato, em caixinhas, dos supermercados, pronto a comer, e vamos ficando sem encantos nenhuns - charme perdido.