segunda-feira, 23 de setembro de 2024

A última estação do Império e o eco de Maria da Graça



Por BARROSO  da  FONTE

Oito dias antes de completar 81 anos, faleceu António Carneiro Chaves. Nasceu em Negrões, Montalegre, mas, desde que regressou de Angola, como militar, radicou-se em Lisboa, onde se licenciou em economia. Trabalhou como delegado de propaganda médica, enquanto estudou e fez uma pós-graduação em Bruxelas, como bolseiro, tendo sido, nesse lapso de tempo, correspondente da RTP e da Fundação Gulbenkian. Ao longo dos anos colaborou, em matérias da área da sua formação académica, em jornais e revistas, com artigos de caráter científico. Enquanto cidadão probo e tendência telúrica, nunca desprezou as origens. Dessas tendências resultaram, a sua ligação social e regional ao transmontanismo. Este dom que, felizmente, resulta - quase sempre - numa paixão umbilical e, na vida prática, gera amiguismos que ultrapassam ódios, dificuldades e barreiras ideológicas. Na minha vida que, já considero longa, deparei-me, com gente destes três estados de alma: ódios, dificuldades e divergências ideológicas.

0 António Chaves e eu fomos um destes exemplos, desde a entrada, na tropa, em Mafra, em 23 de janeiro de 1964, até ao dia da sua morte, em 12 de setembro de 2024. Sessenta anos certos.

Em junho de 2011 publicou o seu primeiro e principal livro a que chamou A «Ultima Estação do Império». A Ancora publicou esse volume de 366 páginas, numa tiragem de 2OOO exemplares. Ele próprio assinou o prefácio. Nele explica o motivo dessa obra, aflorando as razões da guerra, em que ambos mergulhámos, como oficiais milicianos e de apoio aos oficiais do quadro que, por serem poucos e temerem que aqueles lhes fizessem sombra, nas promoções e nas competências, promoveram o golpe militar, que ocorreu dia 25 de Abril de 1974.

Maria da Graça Matos, uma transmontana de «barba rija», ao longo do meio século de revolução, sempre travou acesos debates, entre os seus «patrícios» e os «espúrios», do processo militar. Na homenagem que lhes quis prestar, transcreveu, à data da sua morte.


Nesse prefácio, no blog tempo caminhado, António Chaves termina-o com estas duas linhas: «Como principal inspirador e colaborador ativo na sua redação, considero o João Barroso da Fonte, como autêntico e dedicado co-autor deste livro».

Em Abril de 2014, António Chaves, com o apoio do diretor da ÂNCORA, Baptista Lopes, que tinha editado a «Ultima Estação do Império, convenceu-o a mudar o título para «Em armas pelo sonho do Império - Angola: o Mito do império Português desfeito por um ex-combatente». Pensaria ele e os seus conselheiros que as contestações daqueles que protagonizaram os treze anos de guerra foram o super-sumo da história de Portugal. Essa postura injusta, extemporânea e barbara, pela inevitabilidade das consequências lusófonas, teria que acontecer, sem sangue, com humanismo, com equidade e com justiça.

 A. Chaves foi um ideólogo de causas nobres e universais. Não era daqueles que deitam a toalha ao chão, ao primeiro obstáculo. Nos seis meses de preparação, como cadetes, em Mafra, convivemos, em teoria, o drama da nossa região. Nessa altura o concelho de Montalegre tinha cerca de 30 mil habitantes. Hoje tem cerca de dez mil. As barragens da Venda Nova, Paradela e, sobretudo, de Pisões, arrastaram para essas obras, cerca de três mil trabalhadores, em sistema ambulante. Os melhores terrenos foram submersos. Muitos naturais emigraram. As indemnizações, quase sempre forçadas, iludiram os proprietários. As famílias numerosas desapareceram. E, poucos, souberam poupar, dos que resistiram. O futurível economista e Presidente da Academia de Letras de Trás-os-Montes, teve a sorte de estudar nos liceus de Chaves, Braga e Porto. Manuel da Inácia, soube acautelar-se, com os terrenos sobrantes da Barragem de Pisões. Nessa altura, era um dos lavradores remediados da freguesia que sonhava o melhor para o filho. Nada com os seminários ou colégios de tendência religiosa. Esse complexo bebeu-o, na convivência e nos livros de Bento da Cruz que citou Manuel da Inácia, como pai modelo. Este cidadão de Negrões teve o cuidado de mandar o filho para Gralhós, a uns dez kms, de Negrões

Deixou-se influenciar por Bento da Cruz, (1925-2015) que em outubro de 1940 entrou na Escola Claustral de Singeverga, dirigida por monges beneditinos,disposto a seguir a vida religiosa. Aí concluiu, com distinção, o antigo curso dos Seminários. Em 1945 entrou no noviciado. E em 1946 abandonou Singeverga». Esta referência lesse na Wikipédia que diz mais: «a minha saída do seminário pode ter afetado alguns condiscípulos que me tomaram como referência. A maior pena que me ficou desse tempo foi não ter vivido essa experiência de vida na aldeia entre os 15 e os 21 anos. Senti toda a vida a falta desse percurso de juventude»

Daí o filho entrar no liceu, mais preparado do que os seminaristas que, como o signatário, fez a quarta classe, com uma professora regente. Mas não nos seminários, onde só entravam os pobres. Esse complexo acompanhou-nos 60 anos. Quase todos os dias mantínhamos essa argumentação nos diálogos, uma vez por outra, mais exaltada. Quando a exaltação subia de tom, vinha o calmante das discussões: um abraço. O aproveitamento do prefácio do António Chaves, estampado no blog Tempo Caminhado, pela defensora de todos os pensantes, Maria da Graça, inspirou-me esta singela homenagem.

Durante os último 60 anos e desde que nos conhecemos, quase nos tratávamos como irmãos-gémeos. Eternizou este sentimento na dedicatória que manuscreveu no exemplar do livro «Em armas pelo sonho do império». Aí exarou: este livro pertence-nos por igual; nasceu de um destino comum e do teu incentivo para que fosse escrito. Aguardava eu, na altura, um bom motivo para escrever algo de maior folgo e tudo bateu certo.

Haverá, ainda outras oportunidades para outros empreendimentos partilhados, mas tal como se diz no domínio dos afetos, não há amor como o primeiro.

Um grande abraço do irmão- gémeo,

António Chaves, Mira Sintra, 27 de Fevereiro de 1015.

Barroso da Fonte

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