Florentino Cardoso
Considerando que o feriado nacional adotado para celebrar o Dia de
Portugal (10 de junho) não tem qualquer correlação histórica com a fundação de
Portugal e que antes do século XX não há notícia de alguma vez ter existido uma
grande comemoração nacional a propósito da passagem de qualquer dos vários
centenários de Portugal, é legítimo perguntar se os portugueses consideram a
data de nascimento de Portugal como um elemento identitário merecedor de
averiguação e reconhecimento.
Mesmo que se responda afirmativamente a esta pergunta, a verdade é que
não é fácil encontrar resposta para a
questão de saber se Portugal nasceu num dia certo e determinado, ou se o seu
nascimento se desenvolveu num prolongado período de tempo balizado por duas
datas, 24 de junho de 1128 (Batalha de S. Mamede) e 23 de maio de 1179 (Bula
Manifestis Probatum).
Ora, para os vimaranenses esta dicotomia não é indiferente, pois se
prevalecer a premissa de que a criação de Portugal foi processada através de
uma série de atos balizados no tempo, Guimarães perde legitimidade para
ostentar a inscrição "Aqui nasceu Portugal", porque ela
pressupõe o nascimento de Portugal num dia certo e determinado, mais exatamente
no dia 24 de junho de 1128.
Com efeito, nesta frase inscrita na Torre da Alfândega em que Portugal figura como sujeito, o verbo nascer precisa de ser acompanhado de mais complementos para adquirir um significado histórico completo. Apesar de ser intransitivo, não basta que o verbo nascer esteja precedido do advérbio "Aqui" para referir a terra de Guimarães como lugar de nascimento. Torna-se imperioso que as circunstâncias de tempo (24 de junho de 1128) e modo (batalha de S. Mamede) também se afirmem e se inscrevam, pelo menos, na mente dos portugueses. Ou seja, é necessário sustentar que a batalha de S. Mamede se revestiu de caráter constitutivo para a génese do reino de Portugal. De outro modo, a frase lapidar que tanto orgulha os vimaranenses não passa de uma metáfora!
Como se sabe, ao longo dos séculos os historiadores têm apontado várias
datas para o nascimento de Portugal como estado soberano:
·
O dia 25 de julho de 1139 (Batalha de
Ourique);
·
O dia 05 de outubro de 1143 (Tratado de
Zamora);
·
O dia 23 de maio de 1179 (Bula Manifestis
Probatum);
·
O dia 24 de junho de 1128 (Batalha de S.
Mamede).
Se considerarmos que, por definição, a independência de Portugal foi
adquirida no momento em que a Terra Portucalense se desmembrou do reino de
Leão, o elemento decisivo para deslindar esta polémica consistirá em determinar
qual destes factos políticos teve esse efeito e se esse efeito foi constitutivo
ou meramente declarativo em relação à aquisição da independência.
No Congresso Histórico realizado em Guimarães para comemorar o 850ª
aniversário da batalha de S. Mamede, o ilustre jurista e historiador FRANZ-PAUL
DE ALMEIDA LANGHANS apresentou uma dissertação com o título "NA ORIGEM
E ESPECIFICIDADE INSTITUCIONAL DA SOBERANIA PORTUGUESA NO CONSPECTO HISPÂNICO
DA RECONQUISTA", em que apontou a doação da Terra Portucalense feita
por Afonso VI (1047-1109) a sua filha e genro, D. Teresa e D. Henrique, como um
facto patrimonial jurídico e político, finalizando, entre outras, com as
seguintes conclusões:
"1ª - A
génese da soberania portuguesa desenvolveu-se a partir da especificidade institucional
de um património político que nasceu de uma concessão hereditária de direito e
não de mera tenência amovível;
2º - A
especificidade desse património, no conspecto dos Estados Hispânicos da
Reconquista, garantiu e consolidou a independência do Reino;
3ª -
Especificidade fortemente caracterizada pelo enérgico e latente desejo de
autonomia dos povos e senhorios da frente atlântica ocidental da Hispânia que
uma estrutura jurídico-política veio institucionalizar antes mesmo da
independência, de jure, ser alcançada".
Estas palavras são indutoras de que o direito à soberania (propriedade e
governo) de Portugal se enquadrou na concessão hereditária da Terra
Portucalense feita por Afonso VI a D. Teresa e ao Conde D. Henrique em 1096.
Assim, pode surgir aqui uma pista que permita alcançar uma explicação
jurídica alternativa para a fundação do reino de Portugal e que,
designadamente, consinta atribuir efeito constitutivo ao "conflito
sucessório" ocorrido entre D. Afonso Henriques e D. Teresa no Campo de S.
Mamede, no dia em que o nosso primeiro rei adjudicou por força das armas a
propriedade e o governo da Terra Portucalense (24 de junho de 1128).
O município de Guimarães criou uma Comissão Científica constituida por
mais de uma dezena de historiadores medievais, nacionais e espanhóis, que
certamente não irão deixar por mãos alheias o tratamento deste nebuloso aspeto
da história da fundação de Portugal.
Florentino Cardoso
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