domingo, 14 de julho de 2024

Conto Fantástico

 

JORGE  GOLIAS


Dois doentes estavam internados num hospital em camas ao lado uma da outra, num 8º andar. O doente da cama junto à parede estava muito preocupado com o da cama ao lado da sua porque este estava muito diminuído, mal via, pouco falava, apenas ouvia e sorria.

Assim, o doente da cama junto à parede todos os dias se levantava e contava para o outro o que dizia ver através da janela, que dava para um jardim.

Bonito era ouvir este relato num dia de festa em que no jardim lá em baixo se juntava muita gente com ar festivo, junto de barraquinhas onde se vendia um pouco de tudo, sobretudo farturas, bolas de algodão, gelados e bebidas frescas, que o calor já apertava naquele dia de Verão.

O relato era minucioso e bom de ouvir e de sentir os sons da festa da cidade naquele jardim de grandes e frondosas árvores, com canteiros floridos e sombras generosas que as pessoas fruíam nos bancos de madeira às ripas.

A área mais frequentada era a que estava perto do coreto onde uma banda de música tocava trechos de músicas populares ao som das quais alguns pares de adultos e de crianças dançavam alegremente.

O doente da cama ao lado, ouvia com muita atenção toda esta apresentação feita por alguém com muito amor pelo próximo, deixando algumas vezes verter uma lágrima de emoção porque em breves momentos sentia o pulsar da vida saudável que ele em dias melhores pôde fruir.

Passado o Verão e chegado o princípio do tempo frio, o doente da cama do lado da parede, ainda assim se levantava e explicava ao amigo (porque, entretanto, assim se fizeram) que também no Outono e no Inverno havia encantos, contando com sentimento o cair das folhas, desnudando as árvores e pintando o chão de uma palete de cores que dava ao ambiente um toque romântico e convidativo ao namoro. Então lá apareciam alguns casais de namorados de mãos dadas, dando beijos furtivos, passeando, e jurando amores eternos, inspirados. Mas o namoro não tem idade e também vinham os casais de velhinhos fruindo a generosidade da natureza num fim de tarde outonal.

Num dia de maior inspiração o doente contador cantou um pouco das canções que a instalação sonora do jardim ia passando e o doente ouvidor sorria e olhava agradecido o amigo tenor desta triste e leda e circunstância.

Um dia, o doente da cama junto à parede teve uma grave recaída, deixou de se levantar e contar, acabando por morrer!

Acabaram os dias felizes de dois homens que se estimavam e que se habituaram um ao outro como se de um casal de tratasse. E tratava. Um casal especial.

Entretanto, o doente da cama ao lado ia melhorando, também por ajuda da terapia diária do amigo contador, até que um dia se levantou.

Então pediu à enfermeira que o levasse até à janela porque queria muito ver o jardim. A enfermeira, que já se tinha apercebido desta história de amor ao próximo, disse-lhe que não havia ali nenhuma janela! O doente ficou perplexo e perguntou: - então e o jardim? A enfermeira respondeu que também não havia nenhum jardim. E fez mais uma pergunta: - então e o meu amigo contador? E a enfermeira respondeu: - Um bom coração e um bom contador. Era cego!

 

Nota – Este conto é a maneira como recordo um conto que li algures, faz muito tempo. Decidi então tentar reproduzi-lo chamando-o de Conto Fantástico, porque assim se deixaram as letras alinhar quando o titulava.

 

Carnaxide, Julho de 2024                                                                          JG83

 

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