segunda-feira, 17 de junho de 2024

As Filas de Espera

 

JORGE GOLIAS


Há dias que reservo para as burocracias. Que odeio. As burocracias, não os dias. Àquelas junto outros compromissos, exames clínicos, consultas, etc. Nesses dias não faço mais nada que importe registar. São dias perdidos nos balcões de atendimento e nas filas de espera. As senhas de vez, ou como é que se diz isto, obedecem a uma escala de prioridades. Quando julgo que já estou perto surge uma (ou mais) mulher jovem que acaba de chegar e é logo atendida. Estranhei isto em voz mais alta e a pessoa do lado, uma mulher, esclarece-me: é grávida. Com silhueta esbelta admiti que pode ter ficado neste estado na noite anterior. Noutros casos, surgem (curioso que são sempre mulheres) outras ultrapassagens que, adivinho, se trata de idosos (palavra que abomino). E agora penso eu que idade terão a mais do que eu, se me julgo o mais velho daquela fila de espera! A letra mais vulgar, dos que não têm privilégios é a letra A, as outras são a B e a C.

Na fila da caixa dos supermercados a história repete-se, mas com variantes. As grávidas passam à frente usando este direito adquirido e nem o bom dia dão. É veni, vidi, vici: veio, viu e venceu! E quando trazem os carrinhos de bebé entram por ali como se fosse numa via verde gratuita. Depois há aqueles que só trazem um item e aí sou eu que dou a vez. Só que quando faço isso aparecem sempre mais alguns candidatos e ali estou a ver passar os navios. Então, respiro fundo, acalmo e medito: tenho todo o tempo do mundo, já não corro para nada, então porque me molesto com estes contratempos sem importância? Não sei, não tenho uma resposta pronta, terei de pensar melhor. Poderá ser dos hábitos da vida activa em que se corria sempre de um lado para o outro.

No barbeiro já não espero. Marco a hora e, mais minuto menos minuto, o tempo cumpre-se. O brasileiro é impecável, muito profissional, apara-me os pêlos do nariz e das orelhas, que fogem à norma. Mas pergunta primeiro, porque diz que há homens que gostam daquele capim! Já montou loja própria, trouxe a família, alugou casa e assentou praça aqui. Bem fez ele e bem agradecemos a quem se fixa junto de nós, que fazem o que os nossos rejeitam e ainda sustentam as nossas reformas.

Creio que a pior fila de espera é a do dentista, não pelo tempo, ou não só pelo tempo de espera, mas principalmente pelo tempo usado na antecipação dorida do ruído da broca. Enquanto se espera, sente-se o ruído da broca na boca do outro, trrrrriimmzzz, trrrriiimmzzz, e isso também dói.

No carro, numa fila qualquer, já aprendi que a minha fila é a que anda mais devagar e, quando resolvo mudar, passa a ser a que era a minha a que anda mais depressa. Não falha. Mas se me fico e nada faço, sinto-me um medricas que não arrisca e assim não petisca. E isso não faz o meu género. Sempre gostei do risco…

E para não correr o risco de escolher a fila errada, porque já tenho essa experiência, para a qual não tenho explicação. Saio de fininho, fingindo naturalidade, entro da fila certa, chamo-me nomes e respiro fundo para acalmar, e ponho o contador a zeros.

Quem espera, desespera!

Espero que não desesperem com esta inesperada crónica.

Carnaxide em 16 de Junho, de 2024, o dia do Bloomsday (vão à net, que James Joyce merece)

JG83

 

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Para os komentadeiros que andavam para aí a palrar, a resposta foi esta.