Sebastião Bugalho - Diário de Noticias
01 Janeiro 2023
Ocaso da indemnização de meio milhão de euros a uma
administradora da TAP, depois presidente de uma empresa pública, a seguir
secretária de Estado do Tesouro, tudo no mesmo ano, tudo com o mesmo governo,
não termina com a demissão de Pedro Nuno Santos. O primeiro-ministro pode
desvalorizar o que quiser, o Presidente da República pode elogiar quem entender
e o ministro das Finanças pode tomar "não sabia" como justificação
suficiente, mas nada disso explica realmente o que se passou.
É hoje claro que o Ministério das Infraestruturas, seja pelo conhecimento do seu secretário de Estado, seja pela resposta de "fonte oficial" que deu à notícia da "indemnização milionária" (Expresso, 26/5/22), sabia dos 500 mil euros recebidos por Alexandra Reis ao sair da TAP e que, apesar disso, a nomeou presidente de uma empresa pública da mesma tutela - a NAV - e a viu ainda tomar posse como colega de governo cinco meses mais tarde. Isto ter parecido normal a quem quer que seja é uma prova clara de falta de discernimento. E a demissão do ministro Pedro Nuno Santos e do seu secretário de Estado devem-se a isso.
A questão é que estes senhores não estavam sozinhos no
governo de Portugal, nem na tutela da TAP, nem na tutela da NAV. O Ministério
das Finanças - primeiro com João Leão, agora com Fernando Medina - tem a
responsabilidade financeira de todas as empresas públicas, incluindo as
visadas. Foi o Ministério das Finanças a escolher o diretor financeiro da TAP,
que tem assento no conselho de administração que decidiu indemnizar Alexandra
Reis. E foi o Ministério das Finanças que assinou, lado a lado com Pedro Nuno
Santos, o despacho de nomeação de Alexandra Reis para presidente da NAV.
A verdade é esta: tanto Medina como Pedro Nuno
nomearam alguém para uma empresa pública quando esse alguém acabara de ser
premiado por sair de uma empresa pública. A nomeação para a NAV é de 30 de
junho; a indemnização "milionária" foi noticiada a 26 de maio.
Estranhamente, só um deles se demitiu.
O problema é que, por mais versões da história que
tente contar, o ministro das Finanças não tem forma de escapar às suas
responsabilidades. Se não sabia, devia saber. Se não procurou saber, foi
negligente. Se "não saber" algo ilibasse qualquer político das suas
responsabilidades, tudo seria permitido, sem consequências. Em democracia, não
é assim.
O facto é este: Fernando Medina convidou para
secretária de Estado do Tesouro alguém que, segundo o Estatuto do Gestor
Público, deve dinheiro ao Tesouro. A sua assunção de que Alexandra Reis não tem
condições para ser secretária de Estado é também a sua conclusão de que nunca
deveria ter sido convidada. E quem a convidou foi Medina.
Entre as ameaças a jornalistas e a
desresponsabilização das suas funções, o ministro não consegue responder a
nenhuma pergunta sem levantar mais questões, não consegue esclarecer nada sem
causar mais dúvidas. Quando olhamos para a realidade, a verdade e a mentira não
podem ter o mesmo valor. Aquilo de que temos a certeza ser verdade não pode ser
tratado com o mesmo peso daquilo que não sabemos não ser mentira. Fernando
Medina diz que "não sabe". Qualquer observador objetivo dirá que não
sabe se ele "não sabe". Ouvindo-o, é quase impossível acreditar.
Medina desculpa-se com não fazer parte do governo
aquando da indemnização, mas não só tinha a responsabilidade de filtrar as
nomeações para a NAV e para o Tesouro como o seu atual secretário de Estado das
Finanças tinha responsabilidades diretas na TAP durante o executivo anterior,
quando se pagou a indemnização. Por mais que o tentem negar, João Nuno Mendes
liderou o grupo de trabalho do governo de apoio à TAP (Negócios, 13/5/2020),
coordenou as negociações do governo com a Comissão Europeia para a TAP
(10/6/2022) e representou o Estado nas negociações com a TAP (Eco, 12/6/2020),
sendo hoje secretário de Estado de Fernando Medina. Se lhe disse, Medina sabia.
Se não lhe disse, não pode permanecer nas Finanças.
Ora, tem um ministro condições para continuar quando
diz desconhecer uma indemnização recebida pela sua secretária de Estado e
ocorrida com o seu outro secretário de Estado?
Não tem.
Medina fica, o governo morre. Medina sai, o governo
cai.
Ambas mostram que isto acabou.
Colunista
FONTE: https://www.dn.pt/opiniao/verdade-ou-medina--15579272.html
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