segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

Manuela Morais e a sua mecenática Editora

 

Por  BARROSO   da  FONTE


No concelho de Murça, Vila Real, não nasceu apenas Frei Diogo de Murça, que se doutorou em Teologia em 1533, reergueu a Universidade de Coimbra em 1543, viveu os últimos anos à frente do Mosteiro de Refojos e faleceu em Cabeceiras de Basto em 1561; nem foi só berço do herói Milhões, na Batalha de la Lys, na 1ª Grande Guerra. Foi também berço do casal Fernão de Magalhães Gonçalves (1943-1988) e de sua mulher Manuela Morais.

Em 21 de outubro de 2013, o fundador e diretor deste blogue, publicou uma nota biográfica sobre a Tartaruga Editora, inserindo, nessa fértil notícia literária, uma referência breve acerca da editora, a qual passou a ser uma espécie de lead da benemérita produtora de livros, dos seus autores e da benemérita forma de difundir a literatura.

Nessa curiosa nota informativa, Armando Palavras, também ele um produtor e promotor de cultura viva, já nessa recuada edição de 21 de Outubro de 2013, adicionou uma relação de 96 livros, de outros tantos autores, na sua maior parte Transmontanos, todos eles editados com a chancela da Tartaruga. No tal lead que encima a nota introdutora, o leitor que pretenda editar prosa ou poesia de boa cepa poderá tomar nota onde encontra a explicação:

«A Tartaruga é um projeto cultural e humanista, divulga e enobrece a língua e a cultura portuguesas. Para Platão, a inspiração poética está ligada ao entusiasmo e à posse do sentido do divino. Para Aristóteles, a poesia, qualquer que seja o seu objeto, heróica ou satírica e a sua forma, dramática, lírica ou épica pertence às artes de imitação. Enraizada na natureza, a poesia é o lugar de uma verdade mais filosófica e universal do que a simples exactidão histórica. Porque a história da nossa literatura o impõe e o seu objectivo final é levar aos leitores o registo escrito do pensamento e criatividade que brotam de fontes inesgotáveis aqui estamos, cada vez mais, mostrando a nossa língua no seu melhor e demonstrando que é uma língua viva comunicante, bela e com uma identidade inquestionável. A essência da escrita é deliciar os leitores e os autores depois da execução lírica, captando cada instante com emoções e atraídos pela maravilhosa interpretação de palavras e imagens representadas e delineadas em cada página do livro».

O mistério desta benemérita fundação

Miguel Torga com
Fernão de Magalhães Gonçalves
Presumo que nem todos os autores que já editaram obras, com a chancela da Tartaruga, conhecem a tragédia natural que viria a dar-se numa das ruas de Seul (Coreia do Sul), em 8 de Junho de 1988, onde Fernão de Magalhães Gonçalves era Leitor de Português na Universidade dessa cidade. O casal dirigia-se a caminho das aulas. O docente caiu fulminado. A morte repentina permite imaginar o drama. Com 45 anos de idade, Fernão de Magalhães Gonçalves, que tinha sido oficial miliciano em Angola e obtivera, no regresso, a licenciatura na Faculdade de Letras do Porto, entendeu escolher Granada para lecionar a Língua. A seguir optou pela mesma causa na Coreia do Sul. Nessa altura já tinha publicado 16 livros. A Esposa, que igualmente se licenciou na mesma área e com propensão para o ensino das letras, entendeu fundar a Editora, com o espírito altruísta de prosseguir essa tendência, promovendo as obras do marido, as suas e de outros autores do interior do país que desejem apoio técnico e logístico.

Após a fundação da Tartaruga, conheceu e conviveu com o conhecido Artista Espiga Pinto, que empresta o logotipo, assim como o grafismo, a todas as edições desta grande Senhora, conterrânea do malogrado Escritor que «foi o melhor intérprete da obra poética e prosaica de Miguel Torga».

O signatário desta narrativa literária conheceu, em Chaves, Miguel Torga, entre 1968/1973. Aí apresentámos os dois Transmontanos. Torga confessou-me que Fernão fora o crítico que melhor conheceu a sua obra.

Em carta de Fernão Magalhães Gonçalves, que me enviou de Granada em 19 de Abril de 1982, escreveu: «meu Caro Barroso da Fonte, estive há dias com o Torga em S. Martinho de Anta. E falámos de ti, da tua obra cultural, da tua página literária, no Notícias de Chaves, da tua revista Gil Vicente e dos teus versos. És, portanto, um lutador inato. E é neste sentido que eu entendo o teu último livro - Tempo infecundo».

O texto integral desta carta transcrevo-o na «Tripla homenagem» do Livro: Poesia, amoras & presunto», que recebeu o «Prémio Nacional de Poesia - Fernão de Magalhães Gonçalves» em 2015.

 

Os Rostos Iluminados

Na última distribuição dos CTT do ano de 2022, chegou-me, desta admirável editora e autora, o seu mais recente livro a que chamou Rostos Iluminados. Saído a público neste 24 de Dezembro, tem 178 páginas, em prosa e verso, onde exalta aqueles que mais de perto conviveram com Fernão de Magalhães Gonçalves. Na página 15 do preâmbulo explica essa distinção:

«Os Rostos que escolhi não devem ser contemplados como Seres unicamente destinados e edificados ao esplendor da sua Arte mas muito mais como Seres com uma brilhante, insolúvel e vasta amplitude de humanidade, simplicidade, generosidade e a extraordinária perfeição...»

O índice menciona uma dúzia desses Rostos Iluminados, em tornos quais desenvolve as virtualidades humanas, sociais e culturais de todos e de cada um, durante as diferentes fases do conjunto convivencial que partilharam nos 45 anos de vida. Ao citá-los, associo-me à Manuela Maria Alves Morais e aos doze livros que completa com este ramalhete de viçosas flores festivas de Natal e Ano Novo.

Barroso da Fonte

1 comentário:

  1. 6 de JANEIRO 1943-2023 -FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES

    Amanhece a Manhã Clara

    Amanhece a manhã clara aos olhos prometida
    com pássaros nos ramos e aromas nas flores
    distribuindo as cores na
    luz palpitam as pulsações orgânicas da vida

    cada gesto se integra na harmonia que
    vejo da janela
    pouco a pouco se vai abrindo nela
    uma íntima e certa profecia

    era por exemplo num dia assim perfeito
    que tu voltarias de repente e
    não mente um
    sonho em tanta luz desfeito

    sobre que árvore ou muro poisarás
    em que rua casual nos cruzaremos
    que palavras diremos de
    que gesto de amor serei então capaz.

    In Memória Imperfeita

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