· Opinião
José António Saraiva
Jornal Sol
https://sol.sapo.pt/artigo/785892/o-pais-esta-podre
A polémica entre António Costa e Carlos
Costa não é bonita. Embora ainda não seja claro quem tem razão, uma coisa já é
certa: um deles está a mentir.
Ora, tratando-se de um primeiro-ministro e
de um ex-governador do Banco de Portugal, só isso já é suficientemente grave.
A piorar as coisas, este caso surge numa
altura carregada de suspeições e acusações a alto nível.
De facto, poucos dias antes demitira-se o
secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Miguel Alves, por
alegadas irregularidades praticadas quando era presidente da Câmara de Caminha,
após sucessivas explicações da sua parte que roçaram o patético.
E ainda os ecos desta história não se
tinham extinto e já eram anunciadas investigações ao ministro das Finanças,
Fernando Medina, no tempo em que liderava a Câmara de Lisboa, por ajustes
diretos a um escritório de advogados do ex-ministro Pedro Siza Vieira – em que
também estão sob suspeita o atual ministro Duarte Cordeiro e a ex-ministra
Graça Fonseca.
E esta cena trazia à memória a insólita
contratação, pelo mesmo Medina, do ex-jornalista Sérgio Figueiredo para
assessor do Ministério das Finanças, ocorrida há poucos meses e que acabou por
fracassar.
Os casos obscuros têm vindo a repetir-se
com uma cadência alarmante.
Foram os subsídios a uma empresa do marido
da ministra Ana Abrunhosa, concedidos quando esta era a responsável da CCDR
Centro, e superintendia exatamente aos subsídios.
Foram as subvenções atribuídas a uma empresa
do marido da ministra Elvira Fortunato, em circunstâncias duvidosas.
Foi uma trapalhada protagonizada pelo
ministro da Saúde, Manuel Pizarro, que não dissolveu uma empresa de que era
sócio-gerente, caindo em situação de incompatibilidade.
E antes haviam sido os subsídios
atribuídos a uma empresa do pai do ministro Pedro Nuno Santos.
Nunca pensei que os governantes e seus
familiares tivessem interesses em tantas empresas, constituídas provavelmente
com o principal fim de angariarem subsídios do Estado e da União Europeia…
Mas o episódio talvez mais grave, do meu
ponto de vista, foi a contratação pela ministra Mariana Vieira da Silva, para
seu assessor, de um jovem militante da JS, de 21 anos, que nem sequer tem a
antiga licenciatura, com um ordenado superior ao de professor catedrático.
A ministra disse que tudo estava «de
acordo com as normas», não se apercebendo de que praticara um ato de extrema
imoralidade.
Mariana Vieira da Silva achava natural
nomear um jovem militante do seu partido, sem currículo nem experiência
profissional, para um lugar em que passava por cima de quase toda a
administração pública, menorizando (ou até humilhando) grande parte dos
servidores do Estado.
Perante estes sucessivos episódios,
pensei: «O Governo está podre».
Mas, pela mesma altura em que tudo isto
acontecia, demitia-se o dirigente do PSD Rodrigo Gonçalves, por supostas
irregularidades envolvendo a Câmara de Oeiras, liderada por Isaltino Morais.
E eram anunciadas buscas ao presidente do
FC Porto, Pinto da Costa, por suspeitas de ter usado dinheiro do clube em
proveito pessoal.
E aí fui levado a ir mais longe e a
concluir: «O país está podre».
A que se deverá esta situação? Por um
lado, não há que ignorá-lo, à nossa índole.
Num país nórdico, estes arranjismos, estes
amiguismos, estas imoralidades, esta corrupção não seriam possíveis.
Nós, latinos, somos mais atreitos à
subversão das regras.
Mas a nossa índole, explicando muito, não
explica tudo.
A corrupção também resulta do gigantismo
do Estado, da quantidade de pessoas dependentes dele, da dependência do país em
relação à administração pública.
E, acrescente-se, da natureza do Partido
Socialista.
Dentro da administração central e das
câmaras municipais, e à volta delas, há uma imensa massa de gente que se
acotovela para sobreviver e vencer na vida.
A maioria é honesta.
Mas nem todos.
E qual é o partido que está há mais tempo
no poder, ou que, mesmo fora do poder, tem sobre ele uma grande influência?
O Partido Socialista.
Não é pois de espantar que a ele se
encostem os mais videirinhos, os mais ambiciosos, os mais carreiristas.
O PS não é mais impuro do que os
outros; só que, historicamente, é o partido mais ligado ao funcionalismo
público e à pequena e média burguesia urbana.
As circunstâncias fizeram dele, pois, o
mais exposto ao compadrio e, no limite, à corrupção.
Aquele em que apostam os interesses
obscuros.
Daí a grande osmose entre o PS e a
corrupção.
Mas, sendo o Partido Socialista o partido
maioritário no Parlamento, o partido com mais presidentes de Câmara, com mais
presidentes de juntas de freguesia, com mais presidentes de empresas públicas,
com mais gente colocada em lugares de topo, isso trouxe ao país um grave
problema.
A degradação do Estado alastrou à
sociedade, atingindo hoje praticamente todo o sistema.
O exemplo de Mariana Vieira da Silva, uma
ministra com cara de anjo, é eloquente sobre o tempo que vivemos: nem teve
sequer consciência da imoralidade que praticou.
Não é preciso dizer mais nada.
O poder e o país estão irremediavelmente podres.
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