Sebastião Bugalho - DN
18 Outubro 2022 — 06:30
O tabu do regresso
de Pedro Passos Coelho não se fica pelos corredores do PSD, pelo azedume da
esquerda nas redes sociais ou pela ridícula e repetida retórica dos ministros,
que usam um governo fora do poder há sete anos como álibi para os seus erros,
que estão cá há quase dez.
Não se fica sequer
pelo Presidente da República, que há muito sussurra o seu nome como solução
para o partido de ambos ou para lhe suceder em Belém, sendo o único nome à
direita com força para impedir um militar de ter o sucesso que, aparentemente,
a direita civil receia não ter.
As declarações de
Marcelo Rebelo de Sousa -- sobre o seu reconhecimento cá dentro e lá fora,
sobre o que o país lhe deve e virá a dever -- poderiam ter sido feitas há meses
porque já eram verdade há meses e porque o Presidente está convicto delas há
mais. Tiveram, inegavelmente, o condão de coincidirem com a semana mais
atribulada da Presidência -- materializando um facto político e um novo ciclo
mediático --, mas isso não lhes retira uma coisa: são inteiramente verdadeiras.
O regresso de
Passos está presente na subconsciência do mundo político desde a sua saída de
cena, em outubro de 2017. Marcelo apontou o holofote para onde já todos
olhavam. Seja pelo PS, que não encontrou um discurso que não precisasse de o
demonizar, seja pelo PSD, de 2018 a 2022 presidido por um homem sem qualidades,
o seu nome nunca deixou de estar presente nas discussões e congeminações de
todos, independentemente de nada fazer por isso.
Não concede uma
entrevista a jornais ou televisões há sete anos. Assinou dois artigos de
opinião sobre temas que lhe são caros ‐- a substituição da PGR e a votação da eutanásia --, deu duas conferências públicas, subscreveu um abaixo-assinado e escreveu o
prefácio de um livro sobre a diplomacia em tempo de troika (embaixador
Almeida Sampaio, D. Quixote), recentemente, e outro para um livro de poesia
(Álvaro Batista, Chiado), antes.
Apesar do seu
longo silêncio -- contrastante, por exemplo, com a pós-presidência de Cavaco
Silva --, o seu nome continuou na boca de todos, detractores, observadores e
seguidores. Marcelo, invariavelmente, é um pouco de todos, não sendo realmente
nenhum deles.
Com as devidas
distâncias, a mistificação em torno de regressos de líderes marcantes não é um
fenómeno português, nem tão-pouco da atualidade. George Washington, retirado
para a sua quinta no Vermont em 1797, passou a maior parte da velhice a receber
ex-membros da sua administração que permaneceram na política, sem outro remédio
que não aconselhá-los sobre o que fazer na sua ausência. "A ânsia do meu
regresso termina no dia em que eu regressar", escreveria a um deles. David
Cameron, cuja carreira implodiu após perder o referendo do Brexit, fartou-se de
jogar ténis e ler biografias. Namorou um regresso como ministro dos Negócios
Estrangeiros, mas o estado de decrepitude dos Conservadores não abona a favor
da primeira maçã que caiu da árvore. Até Obama, que entregou uma economia a
crescer mas uma sociedade polarizada, recebeu uma piscadela de olho para
voltar, como juiz do Supremo.
Os três casos têm
duas notas em comum. A primeira é a expectativa do seu retorno estar
diretamente relacionada com a desilusão do que se lhes seguiu, isto é, vinham
para resolver problemas, o que não oferece nem a janela de tempo nem a de
oportunidade mais sedutoras para se meter o pé na porta. Um salvador vem para
salvar; não vem para ficar, nem para mudar grande coisa. A segunda nota que os
três partilham talvez derive dessa noção ingrata da saudade: nenhum deles
regressou à política.
Passos pode
fazê-lo, é certo, porque é integralmente dono do seu destino. Não deve nada a
ninguém, não depende de grupos de interesse, não se comprometeu com figuras ou
circunstâncias. É um homem livre, e a decisão será sempre dele. O seu partido e
os seus concorrentes sabem-no. Na balança das vontades, a de Passos pesará
sempre mais do que a dos restantes. No que concerne à vontade do povo, a que é
tudo menos alheio, a minha leitura é muito simples: quando esta crise passar,
em dois ou três anos, o governo de Pedro Passos Coelho será recordado como o
mais socialmente responsável, equilibrado e moderado dos que já geriram crises
em Portugal. À impreparação total do Estado para uma intempérie, ao fim de seis
anos de PS, juntar-se-á a impreparação total dos ministros do PS para lidar com
ela. Passos não será apenas lembrado por ter dito a verdade aos portugueses e
tratado os seus concidadãos como adultos. Será relembrado por ter sido
competente, contrariamente ao conjunto de incompetências a que estamos
presentemente entregues.
Resta saber a sua
vontade, e há muito tempo para isso. Mesmo que não volte, não deixa de ser um
legado extraordinário para qualquer político, que o regresso da realidade --
após sete anos de fantasia nacional -- se confunda com o regresso daquele que
não hesitou em enfrentá-la.
E que a venceu.
Cronista
FONTE: https://www.dn.pt/opiniao/a-chamada-por-passos-15261928.html
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