sexta-feira, 21 de outubro de 2022

A chamada por Passos

 

Sebastião Bugalho - DN

18 Outubro 2022 — 06:30

 

O tabu do regresso de Pedro Passos Coelho não se fica pelos corredores do PSD, pelo azedume da esquerda nas redes sociais ou pela ridícula e repetida retórica dos ministros, que usam um governo fora do poder há sete anos como álibi para os seus erros, que estão cá há quase dez.

Não se fica sequer pelo Presidente da República, que há muito sussurra o seu nome como solução para o partido de ambos ou para lhe suceder em Belém, sendo o único nome à direita com força para impedir um militar de ter o sucesso que, aparentemente, a direita civil receia não ter.

As declarações de Marcelo Rebelo de Sousa -- sobre o seu reconhecimento cá dentro e lá fora, sobre o que o país lhe deve e virá a dever -- poderiam ter sido feitas há meses porque já eram verdade há meses e porque o Presidente está convicto delas há mais. Tiveram, inegavelmente, o condão de coincidirem com a semana mais atribulada da Presidência -- materializando um facto político e um novo ciclo mediático --, mas isso não lhes retira uma coisa: são inteiramente verdadeiras.

O regresso de Passos está presente na subconsciência do mundo político desde a sua saída de cena, em outubro de 2017. Marcelo apontou o holofote para onde já todos olhavam. Seja pelo PS, que não encontrou um discurso que não precisasse de o demonizar, seja pelo PSD, de 2018 a 2022 presidido por um homem sem qualidades, o seu nome nunca deixou de estar presente nas discussões e congeminações de todos, independentemente de nada fazer por isso.

Não concede uma entrevista a jornais ou televisões há sete anos. Assinou dois artigos de opinião sobre temas que lhe são caros - a substituição da PGR e a votação da eutanásia --, deu duas conferências públicas, subscreveu um abaixo-assinado e escreveu o prefácio de um livro sobre a diplomacia em tempo de troika (embaixador Almeida Sampaio, D. Quixote), recentemente, e outro para um livro de poesia (Álvaro Batista, Chiado), antes.

Apesar do seu longo silêncio -- contrastante, por exemplo, com a pós-presidência de Cavaco Silva --, o seu nome continuou na boca de todos, detractores, observadores e seguidores. Marcelo, invariavelmente, é um pouco de todos, não sendo realmente nenhum deles.

Com as devidas distâncias, a mistificação em torno de regressos de líderes marcantes não é um fenómeno português, nem tão-pouco da atualidade. George Washington, retirado para a sua quinta no Vermont em 1797, passou a maior parte da velhice a receber ex-membros da sua administração que permaneceram na política, sem outro remédio que não aconselhá-los sobre o que fazer na sua ausência. "A ânsia do meu regresso termina no dia em que eu regressar", escreveria a um deles. David Cameron, cuja carreira implodiu após perder o referendo do Brexit, fartou-se de jogar ténis e ler biografias. Namorou um regresso como ministro dos Negócios Estrangeiros, mas o estado de decrepitude dos Conservadores não abona a favor da primeira maçã que caiu da árvore. Até Obama, que entregou uma economia a crescer mas uma sociedade polarizada, recebeu uma piscadela de olho para voltar, como juiz do Supremo.

Os três casos têm duas notas em comum. A primeira é a expectativa do seu retorno estar diretamente relacionada com a desilusão do que se lhes seguiu, isto é, vinham para resolver problemas, o que não oferece nem a janela de tempo nem a de oportunidade mais sedutoras para se meter o pé na porta. Um salvador vem para salvar; não vem para ficar, nem para mudar grande coisa. A segunda nota que os três partilham talvez derive dessa noção ingrata da saudade: nenhum deles regressou à política.

Passos pode fazê-lo, é certo, porque é integralmente dono do seu destino. Não deve nada a ninguém, não depende de grupos de interesse, não se comprometeu com figuras ou circunstâncias. É um homem livre, e a decisão será sempre dele. O seu partido e os seus concorrentes sabem-no. Na balança das vontades, a de Passos pesará sempre mais do que a dos restantes. No que concerne à vontade do povo, a que é tudo menos alheio, a minha leitura é muito simples: quando esta crise passar, em dois ou três anos, o governo de Pedro Passos Coelho será recordado como o mais socialmente responsável, equilibrado e moderado dos que já geriram crises em Portugal. À impreparação total do Estado para uma intempérie, ao fim de seis anos de PS, juntar-se-á a impreparação total dos ministros do PS para lidar com ela. Passos não será apenas lembrado por ter dito a verdade aos portugueses e tratado os seus concidadãos como adultos. Será relembrado por ter sido competente, contrariamente ao conjunto de incompetências a que estamos presentemente entregues.

Resta saber a sua vontade, e há muito tempo para isso. Mesmo que não volte, não deixa de ser um legado extraordinário para qualquer político, que o regresso da realidade -- após sete anos de fantasia nacional -- se confunda com o regresso daquele que não hesitou em enfrentá-la.

E que a venceu.

Cronista

FONTE: https://www.dn.pt/opiniao/a-chamada-por-passos-15261928.html

 

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