Guerra na Ucrânia: “O que
sobrou de Andriivka”
Em
Andriivka só ficou quem não tinha como ou para onde fugir. Como Petro
Ivanovitch. Este motorista reformado de 82 anos foi obrigado a assistir ao
espancamento e assassinato do neto, morto com um tiro na cabeça. Mataram-lhe a
filha depois de a violarem.
Quando ocuparam a
pequena aldeia de Andriivka, a 50 km da capital ucraniana, os soldados russos
espantaram-se por haver água canalizada, energia elétrica e sanitas em casa.
Indignaram-se por encontrar melhores condições de vida do que nas aldeias
russas de onde vinham e insurgiram-se contra os habitantes: “Por que é que vocês vivem melhor do que nós?” Arseniy
Volodymyrovych respondeu-lhes: “porque nós trabalhámos e não andamos a correr
pelo mundo com armas automáticas na mão”.
A 3 de março, os militares russos entraram em casa deste ucraniano de 75 anos e
levaram-no. Trancaram-no numa cave com outros três homens. Nos pulsos
permanecem as marcas dos 30 dias que passou algemado.
Até ao final de fevereiro, Andriivka era uma aldeia sem história. Uma daquelas
localidades com as casas alinhadas à beira da estrada. Tinha menos de dois mil
habitantes e uma população envelhecida.
Os soldados russos estiveram aqui um mês. Enquanto tentavam tomar a capital
ucraniana, usaram a aldeia como base militar. Ocuparam as casa e estacionaram
os tanques nos quintais.
Em Andriivka só ficou
quem não tinha como ou para onde fugir. Como Petro Ivanovitch. Este motorista
reformado de 82 anos foi obrigado a assistir ao espancamento e assassinato do
neto, morto com um tiro na cabeça. “É melhor nem me lembrar
disso porque vou começar a chorar”. A filha de Petro foi violada pelos soldados
russos. Os abusos aconteceram sempre que lhes entravam em casa para roubar
comida. Annya, a quem os russos mataram o filho, não sai do quarto há três
meses.
Em Andriivka, sucedem-se os relatos de mulheres e raparigas violadas. Vítimas
que nunca mais saíram de casa. Os habitantes contam que, assim que chegaram à
aldeia, os soldados russos inspeccionaram as casas, à procura de raparigas.
As buscas serviam
também para localizar os homens mais jovens. Mandavam-nos despir em busca de
vestígios que revelassem vínculos militares. Os militares analisavam os documentos
e procuravam armas.
Andriivka não foi primeira opção para as tropas russas. Passaram por aqui sem
parar, a caminho de Kiev, dois dias após o início da guerra, numa coluna
militar com mais de duzentos veículos. Iam decididas a tomar a capital, mas
falharam. Foram obrigadas a recuar. Dividiram-se em pequenos grupos e ocuparam
as localidades em redor de Kiev.
Os habitantes contam que durante um mês os soldados russos iam casa a casa
contar os moradores duas vezes por dia. Durante as supostas fiscalizações
roubavam tudo o que coubesse nos bolsos. Telemóveis, ouro, jóias de família.
O nível de brutalidade
exercida dependia das zonas e dos batalhões. Os habitantes temiam sobretudo os
chechenos, que descrevem como os mais animalescos e os elementos do Serviço
Federal de Segurança.
Arseniy Volodymyrovych
diz que o 2 batalhão - o que ocupou a sua zona - era dos menos
sanguinários. “Tive sorte, um dos soldados até veio a minha
casa buscar-me a medicação”. Ainda assim, o antigo carpinteiro não tem
dúvidas de que todas as brigadas mataram e torturaram. “Vi matar um rapaz de 23 anos por ter no telemóvel uma fotografia
de um tanque avariado”.
Um dia, Arseniy questionou um dos oficiais sobre o nível de atrocidades
cometidas contra um país irmão. Em resposta o militar insinuou que a mulher de
Arseniy poderia ser a próxima vítima.
No final de março, com a contra ofensiva ucraniana a ganhar terreno, os russos
retiraram à pressa de Andriivka. Os habitantes contam que, nesses dias, foram
cometidas as maiores atrocidades. Os soldados mataram, roubaram, inendiaram as
casas. “só queriam causar dano. Imaginem: colocavam mísseis dentro
das casas e pegavam-lhes fogo. Que coisa tão horrível”, lembra Volodymyr
gorkun. Aos 75 anos, viu arder a casa de família que demorou quase duas décadas
a construir.
Quarenta rapazes com menos de 25 anos continuam desaparecidos. 47 corpos foram
já encontrados em valas comuns. O medo matou idosos de ataque cardíaco. Dezenas
de casas continuam minadas. Há restos de tanques e trincheiras abertas nos
quintais de várias habitações.
Andriivka deixou de ser uma aldeia sem história. uma localidade de casas
alinhadas à beira da estrada.
“O que sobrou de Andriivka” é a Grande Reportagem SIC para ver
esta quinta-feira, no Jornal da Noite. Um trabalho da jornalista Susana André,
com imagem de Andriy Kononenko e edição de imagem de Ricardo Tenreiro.
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