terça-feira, 12 de julho de 2022

Boris caiu, Costa não

Boris não cometeu erros? Claro que cometeu, sendo que os maiores de todos foi não ter nascido português e não ser do PS


11 JULHO 2022 9:49


Pedro Gomes Sanches - EXPRESSO


Boris, estava escrito, tinha que cair mais cedo ou mais tarde; preferencialmente, mais cedo do que tarde. Todos o adivinharam e a profecia autorealizou-se. Entretanto, com a queda, por cá, entre a preguiça e o disparate, peças noticiosas, opiniões e comentários foram unânimes: a queda era inevitável e só não viu quem se recusou a ver que o homem é um bufon, um populista, um mentiroso compulsivo, e tem mais ambição que tino. Discordo das causas: Boris é, de longe, o mais culto, o mais liberal e o mais convicto defensor do mundo aberto de entre os líderes do Ocidente. Concordo com a sentença: Boris tinha que cair; não apesar do que acabei de dizer, mas precisamente por causa do que acabei de dizer. Mas já lá vou.

Boris caiu, porque num shire qualquer, um incêndio de grandes dimensões e a descoordenação dos serviços de protecção civil levaram à morte dezenas de pessoas, e Boris tardou a demitir a sua ministra da Administração Interna.

Boris caiu, porque se levantou a suspeita de que, na sequência disso, a atribuição de casas, financiada em parte com dinheiro doado por particulares, terá sido tendenciosa e beneficiado militantes e amigos do partido Conservador, deixando desamparados alguns dos mais vulneráveis mais tempo do que o necessário.

Boris caiu, porque um paiol do exército britânico foi assaltado e, ao invés de pôr ar grave e ser lesto a apurar responsabilidades, como é um folião autoconfiante, pôs-se a fazer graçolas, levantando até a dúvida sobre se terá havido roubo, protegendo o seu ministro da Defesa.

Boris caiu, porque este ministro da Defesa, escolhido por si e confirmado por si, e que não sabia sequer o que era um paiol quando assumiu o cargo, foi constituído arguido numa história mal contada e tardou demasiado tempo a ser demitido.

Boris caiu, porque no ocaso da pertença do Reino Unido à União Europeia, a sua ministra da Justiça viu-se envolvida numa historieta que incluía a falsificação de um currículo de um magistrado num concurso para Procurador-Geral Europeu.

Boris caiu, porque o seu novel ministro da Administração Interna meteu os pés pelas mãos em tudo o que tocou, e durante o seu mandato tocou em muita coisa: do assassinato de um ucraniano em Heathrow; passando pela requisição civil de propriedade privada numa estância balnear para colmatar a insuficiência e o desinteresse do Estado num caso de imigrantes desprotegidos; pelo diz que não disse e pela balbúrdia dos festejos do campeão Manchester City em pleno confinamento pandémico; ao atropelamento com morte de um trabalhador numa autoestrada e à ocultação demasiado demorada de provas, como a velocidade a que o carro se deslocava. Boris caiu, porque no meio disto, ainda teve o espírito jocoso e arrogante para ir a Westminster dizer que o seu ministro era um excelente ministro.

Boris caiu, porque sobre o maior e mais estruturante investimento em décadas no Reino Unido foi ultrapassado por um maverick feito ministro, desautorizou-o revogando-lhe o despacho e depois manteve-o em funções.

Boris caiu, porque passa a vida a entoar loas ao NHS (o SNS lá do sítio), mas depois, por incompetência do seu Governo as urgências hospitalares - obstétricas e pediátricas à cabeça - fecham mais depressa que os olhos das puritanas quando vão à praia de Carcavelos.

Errata: onde se lê Boris caiu, dever-se-á ler Costa não caiu. Esclarecimento: esta errata diz mais de Portugal e do Reino Unido do que de Boris e de Costa. Já agora, por falar em Portugal, isto é o que, para a posteridade, um ex-Presidente português designou, para efeitos de queda do Governo, de trapalhadas.

And now, como diziam os Monty Phytonfor something completely different: o que é que há a dizer de Boris? Boris Johnson é Primeiro-Ministro desde 2019; no próximo dia 24 fará, já demissionário, 3 anos no cargo. 3 anos, com uma pandemia e uma guerra pelo meio; circunstâncias que têm servido, vox populi, de atenuante para todos, menos para Boris.

Nestes 3 anos, Boris "entregou" o Brexit que, por mais que o lamentemos, resultou de uma escolha democrática e apoiada pela maioria dos eleitores, num referendo que mobilizou 71,8% dos eleitores. Lembram-se quando é que um sufrágio em Portugal teve uma adesão de 71,8%? Uma decisão popular, aliás, que as elites tudo fizeram para não cumprir; arrastava-se há 3 anos. E não, não vamos voltar ao tema, mas o Brexit só foi um acto xenófobo e isolacionista para cabecinhas limitadas ou interesseiras.

Nestes 3 anos, Boris iniciou um significativo investimento em zonas do país onde as condições de vida são piores, para levelling-up; ou seja, nas suas palavras, tornar todos mais ricos, sem ceder à tentação de tornar mais pobres os mais ricos. Neste particular, respeitou o princípio da subsidiariedade e envolveu as comunidades locais na definição das prioridades de investimento.

Nestes 3 anos, Boris reforçou as forças policiais e aumentou o combate ao crime. Nestes 3 anos, Boris aumentou o investimento no ensino profissional. Nestes 3 anos, Boris apoiou políticas de saúde públicas, como o combate à obesidade, a promoção da saúde mental e o investimento no NHS para diminuir os tempos de espera por cirurgias.

E, nestes 3 anos, Boris ainda teve tempo para se colocar, sem tibiezas ou calculismos, do lado certo da História, no apoio à Ucrânia.

Politicamente, e por falar em populistas de direita e de esquerda, Boris derrogou, durante a campanha do referendo, o apoio dos populistas de direita, o Brexit Party de Farage e, nas últimas eleições gerais, reduziu-os eleitoralmente a uma ninharia, alcançando para o seu partido uma maioria absolutíssima. Uma maioria absolutíssima, aliás, contra um partido Trabalhista liderado por Corbyn, o mais radical marxista das últimas décadas no Reino Unido; e, basicamente, um populista de esquerda que, ideologicamente, representa o mesmo que a Geringonça representou por cá.

Em síntese, lendo a imprensa lusa, ficamos a saber que Boris tinha que cair. Eu explico as razões caladas: tinha que cair, porque um político de direita, bem sucedido a vencer a esquerda e a tornar exígua a extrema-direita, com um programa liberal e globalista tem que cair. Esteja ele em Londres, em Lisboa, em Caracas ou em Uagadugu.

Se em Portugal, comentadores, analistas, políticos e cidadãos colocassem, na avaliação do nosso próprio governo, um décimo do escrúpulo que usam para condenar Boris, os 7 anos de governação de Costa, seguramente, ter-se-iam contado em meses. E por esta altura, pergunta o estimado leitor: mas Boris não cometeu erros? Claro que cometeu, sendo que os maiores de todos foi não ter nascido português e não ser do PS.

Entretanto, enquanto por cá se olha com a sobranceria dos pacóvios para o que passa no Reino Unido, o Reino Unido continua a ser o Reino Unido, e Portugal continua a ser uma choldra.

FONTE: https://expresso.pt/opiniao/2022-07-11-Boris-caiu-Costa-nao-5ac76d5a


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