Boris não cometeu erros? Claro que cometeu, sendo que os maiores de todos
foi não ter nascido português e não ser do PS
11 JULHO 2022 9:49
Pedro Gomes Sanches - EXPRESSO
Boris,
estava escrito, tinha que cair mais cedo ou mais tarde; preferencialmente, mais
cedo do que tarde. Todos o adivinharam e a profecia autorealizou-se.
Entretanto, com a queda, por cá, entre a preguiça e o disparate, peças
noticiosas, opiniões e comentários foram unânimes: a queda era inevitável e só
não viu quem se recusou a ver que o homem é um bufon, um populista,
um mentiroso compulsivo, e tem mais ambição que tino. Discordo das causas:
Boris é, de longe, o mais culto, o mais liberal e o mais convicto defensor do
mundo aberto de entre os líderes do Ocidente. Concordo com a sentença: Boris
tinha que cair; não apesar do que acabei de dizer, mas precisamente por causa
do que acabei de dizer. Mas já lá vou.
Boris
caiu, porque num shire qualquer, um incêndio de grandes
dimensões e a descoordenação dos serviços de protecção civil levaram à morte
dezenas de pessoas, e Boris tardou a demitir a sua ministra da Administração
Interna.
Boris
caiu, porque se levantou a suspeita de que, na sequência disso, a atribuição de
casas, financiada em parte com dinheiro doado por particulares, terá sido
tendenciosa e beneficiado militantes e amigos do partido Conservador, deixando
desamparados alguns dos mais vulneráveis mais tempo do que o necessário.
Boris
caiu, porque um paiol do exército britânico foi assaltado e, ao invés de pôr ar
grave e ser lesto a apurar responsabilidades, como é um folião autoconfiante,
pôs-se a fazer graçolas, levantando até a dúvida sobre se terá havido roubo,
protegendo o seu ministro da Defesa.
Boris
caiu, porque este ministro da Defesa, escolhido por si e confirmado por si, e
que não sabia sequer o que era um paiol quando assumiu o cargo, foi constituído
arguido numa história mal contada e tardou demasiado tempo a ser demitido.
Boris
caiu, porque no ocaso da pertença do Reino Unido à União Europeia, a sua
ministra da Justiça viu-se envolvida numa historieta que incluía a falsificação
de um currículo de um magistrado num concurso para Procurador-Geral Europeu.
Boris
caiu, porque o seu novel ministro da Administração Interna meteu os pés pelas
mãos em tudo o que tocou, e durante o seu mandato tocou em muita coisa: do
assassinato de um ucraniano em Heathrow; passando pela requisição civil de
propriedade privada numa estância balnear para colmatar a insuficiência e o
desinteresse do Estado num caso de imigrantes desprotegidos; pelo diz que não
disse e pela balbúrdia dos festejos do campeão Manchester City em pleno
confinamento pandémico; ao atropelamento com morte de um trabalhador numa
autoestrada e à ocultação demasiado demorada de provas, como a velocidade a que
o carro se deslocava. Boris caiu, porque no meio disto, ainda teve o espírito
jocoso e arrogante para ir a Westminster dizer que o seu ministro era um
excelente ministro.
Boris
caiu, porque sobre o maior e mais estruturante investimento em décadas no Reino
Unido foi ultrapassado por um maverick feito ministro,
desautorizou-o revogando-lhe o despacho e depois manteve-o em funções.
Boris
caiu, porque passa a vida a entoar loas ao NHS (o SNS lá do sítio), mas depois,
por incompetência do seu Governo as urgências hospitalares - obstétricas e
pediátricas à cabeça - fecham mais depressa que os olhos das puritanas quando
vão à praia de Carcavelos.
Errata:
onde se lê Boris caiu, dever-se-á ler Costa não caiu. Esclarecimento: esta
errata diz mais de Portugal e do Reino Unido do que de Boris e de Costa. Já
agora, por falar em Portugal, isto é o que, para a posteridade, um
ex-Presidente português designou, para efeitos de queda do Governo, de trapalhadas.
And now, como diziam os Monty Phyton, for
something completely different: o que é que há a dizer de Boris? Boris
Johnson é Primeiro-Ministro desde 2019; no próximo dia 24 fará, já
demissionário, 3 anos no cargo. 3 anos, com uma pandemia e uma guerra pelo meio;
circunstâncias que têm servido, vox populi, de atenuante para
todos, menos para Boris.
Nestes
3 anos, Boris "entregou" o Brexit que, por mais que
o lamentemos, resultou de uma escolha democrática e apoiada pela maioria dos
eleitores, num referendo que mobilizou 71,8% dos eleitores. Lembram-se quando é
que um sufrágio em Portugal teve uma adesão de 71,8%? Uma decisão popular,
aliás, que as elites tudo fizeram para não cumprir; arrastava-se há 3 anos. E
não, não vamos voltar ao tema, mas o Brexit só foi um acto
xenófobo e isolacionista para cabecinhas limitadas ou interesseiras.
Nestes
3 anos, Boris iniciou um significativo investimento em zonas do país onde as
condições de vida são piores, para levelling-up; ou seja, nas suas palavras,
tornar todos mais ricos, sem ceder à tentação de tornar mais pobres os mais
ricos. Neste particular, respeitou o princípio da subsidiariedade e envolveu as
comunidades locais na definição das prioridades de investimento.
Nestes
3 anos, Boris reforçou as forças policiais e aumentou o combate ao crime.
Nestes 3 anos, Boris aumentou o investimento no ensino profissional. Nestes 3
anos, Boris apoiou políticas de saúde públicas, como o combate à obesidade, a
promoção da saúde mental e o investimento no NHS para diminuir os tempos de
espera por cirurgias.
E,
nestes 3 anos, Boris ainda teve tempo para se colocar, sem tibiezas ou
calculismos, do lado certo da História, no apoio à Ucrânia.
Politicamente,
e por falar em populistas de direita e de esquerda, Boris derrogou, durante a
campanha do referendo, o apoio dos populistas de direita, o Brexit
Party de Farage e, nas últimas eleições gerais, reduziu-os
eleitoralmente a uma ninharia, alcançando para o seu partido uma maioria
absolutíssima. Uma maioria absolutíssima, aliás, contra um partido Trabalhista
liderado por Corbyn, o mais radical marxista das últimas décadas no Reino
Unido; e, basicamente, um populista de esquerda que, ideologicamente,
representa o mesmo que a Geringonça representou por cá.
Em
síntese, lendo a imprensa lusa, ficamos a saber que Boris tinha que cair. Eu
explico as razões caladas: tinha que cair, porque um político de direita, bem
sucedido a vencer a esquerda e a tornar exígua a extrema-direita, com um
programa liberal e globalista tem que cair. Esteja ele em Londres, em Lisboa,
em Caracas ou em Uagadugu.
Se em
Portugal, comentadores, analistas, políticos e cidadãos colocassem, na
avaliação do nosso próprio governo, um décimo do escrúpulo que usam para
condenar Boris, os 7 anos de governação de Costa, seguramente, ter-se-iam
contado em meses. E por esta altura, pergunta o estimado leitor: mas Boris não
cometeu erros? Claro que cometeu, sendo que os maiores de todos foi não ter
nascido português e não ser do PS.
Entretanto,
enquanto por cá se olha com a sobranceria dos pacóvios para o que passa no
Reino Unido, o Reino Unido continua a ser o Reino Unido, e Portugal continua a
ser uma choldra.
FONTE: https://expresso.pt/opiniao/2022-07-11-Boris-caiu-Costa-nao-5ac76d5a
Sem comentários:
Enviar um comentário