D. António Barroso: Fé
intrépida e Caridade inexcedível
António José da Silva
Foi naqueles termos que, na sua edição de 22 de Maio de 2002, a Voz
Portucalense resumiu a personalidade humana e cristã de D. António Barroso, a
propósito do livro que o Dr. José Ferreira Gomes dedicou àquele grande bispo. O
livro chama-se Súmula Biográfica de D. António Barroso e dele nos servimos
como fonte inspiradora deste texto.
D. António Barroso é, indiscutivelmente, uma das grandes figuras da Igreja do
Porto e do nosso país, uma figura que muitos só conhecem superficialmente,
apesar de estar em curso, desde 1992, o processo da sua canonização. Foi missionário
e bispo de uma coragem espantosa, sempre alicerçada numa fé intrépida, mas foi
também um testemunho vivo e marcante de caridade cristã. Por isso, entendemos
que seria de toda a justiça evocar o seu nome na galeria de personalidades que
este jornal vem dedicando regularmente àqueles que, pelas suas obras, podem ser
vistos como ícones do apostolado social.
D. António Barroso nasceu em 5 de Novembro de 1854, na freguesia de Remelhe,
concelho de Barcelos, diocese de Braga. Em 1873, com 19 anos, matriculou-se no
Real Colégio das Missões Ultramarinas, em Cernache do Bonjardim, sendo ordenado
presbítero a 20 de Setembro de 1879. No ano seguinte, embarcava para África, na
companhia de D. José Sebastião Neto, nomeado então bispo de Angola e do Congo.
Foi o início de uma saga missionária impressionante, centrada particularmente
na região Congo, e cujos ecos o tornaram famoso. O suficiente para que fosse
nomeado prelado de Moçambique, com o título de bispo de Heméria. A ordenação
episcopal teve lugar na Sé Patriarcal de Lisboa, em 5 de Julho de 1891. Tinha
então 37 anos.
Na ilha de Moçambique estabeleceu o quartel-general de uma diocese que
abrangia aquela colónia que se encontrava num estado verdadeiramente lastimoso,
senão mesmo caótico, em todos os aspectos, desde o religioso ao social e
económico. Tão grave era a situação que chegou a ser considerada no Parlamento
de Lisboa a hipótese do abandono daquele território.
D. António Barroso não se intimidou perante uma tarefa que se afigurava
impossível. Era bispo e traçou planos para todos os sectores da evangelização,
para o que criou as estruturas necessárias e possíveis, sobretudo na área da
educação. Mas era um bispo missionário, não se confinando, por isso, à ilha de
Moçambique. Percorreu toda a colónia, de norte a sul, de leste a oeste, para
conhecer o território e, sobretudo, para conhecer as populações e as suas
necessidades. Nestas viagens, sofreu múltiplas doenças, passou fome, mas nunca
esmoreceu. Teve de vir à metrópole, mais do que uma vez, para se tratar, e
estava no continente, quando foi nomeado bispo de Meliapor, na Índia, uma
diocese com a superfície da península ibérica, numa missão de grande delicadeza
e complexidade. Pouco tempo depois, em Fevereiro de 1899, foi nomeado bispo do
Porto, diocese de que tomou posse a 2 de Agosto desse mesmo ano.
No Porto viveu o período a um tempo mais glorioso e penoso da sua existência,
por via da perseguição a que foi sujeito pelas novas autoridades saídas da
proclamação da República, em 1910. Alem dos múltiplos enxovalhos que sofreu,
teve de suportar a agrura de dois exílios. Foi nesses difíceis anos que ele deu
o testemunho mais marcante da sua inexcedível coragem que, mais tarde, o Padre
Américo sintetizaria no seu estilo apaixonado: Só ele mereceu ocupar e
preocupar os homens do Terreiro do Paço, naquele tempo. Duro, tenaz, rebelde.
Uma só cara. Não torceu, nem quebrou. Só ele! Faleceu no dia 2 de Agosto de
1918, já com fama de santo.
Santo, não só pelo testemunho da sua fé, mas também pela dimensão da sua
caridade, exaltada nestes termos também pelo mesmo Padre Américo: A sua grande
loucura está no amor aos Pobres
Um cordão que a mãe lhe dera gastava-se aos
bocadinhos, quando não havia dinheiro. Os seus familiares sabiam muito, mas não
tudo. Os grandes escondem-se!
Mas a preocupação do grande bispo pelos pobres não se expressou apenas em
múltiplos gestos pessoais de caridade. Tal como já acontecera em Angola e
Moçambique, D. António Barroso tinha consciência da necessidade de instituições
vocacionadas para responder a problemas urgentes e estruturais, sobretudo na
área da protecção social e da educação. No Porto, ainda hoje, encontramos
algumas das instituições que ele fundou, refundou ou protegeu particularmente.
Aqui fica o nome de algumas: Asilo de Vilar, hoje denominado Instituto
Arcediago Vanzeler; Associação Protectora da Infância que tem o seu nome, no
Largo 1º de Dezembro, à Batalha; Assistência Nacional aos Tuberculosos, que
foi extinta quando o flagelo desapareceu; Recolhimento das Meninas
Desamparadas, antigo Asilo das Raparigas Desamparadas; Recolhimento do
Ferro integrado no Centro Social da Sé Catedral do Porto. Foi ainda
protector das Oficinas de S. José e do Lar de Idosos das Irmãzinhas dos
Pobres, na rua do Pinheiro Manso.
Por certo que o processo da sua canonização será coroado de êxito e, nessa
altura, os católicos portugueses ficarão a conhecer melhor a sua vida e obra.
Para já, ele bem merece figurar nesta galeria.
FONTE: https://etc.pt/VP/ler_seccao29f65-2.html?diranter547*38%7C11
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