"É a esquerda socialista que elogia ditaduras ou
se recusa a condená-las"
Tem uma visão negra do futuro de Portugal e acha que dentro de uma década o
país pode ser uma espécie de Hungria.
Tornou-se conhecido do público em geral por ter dito, na convenção
do Movimento Europa e Liberdade (MEL), uma espécie de heresia para a esquerda
radical e não só: que durante o Estado Novo a economia portuguesa teve um
crescimento acentuado, aproximando-se dos níveis europeus, até porque a herança
da Primeira República foi péssima. Nuno Palma é professor de Economia na
Universidade de Manchester e investigador do Instituto de Ciências Sociais e,
por escrito, já que se encontra fora de Portugal, respondeu a todas as questões
colocadas.
Quase três meses depois da sua intervenção no
encontro do Movimento Europa e Liberdade já descobriu por que razão causou
tanta polémica ter dito que durante o Estado Novo a economia e outros
indicadores subiram consideravelmente, tendo-se aproximado da Europa?
Penso que existem
três razões pelas quais o Estado Novo é um assunto tão polémico mesmo 50 anos
depois do fim. A primeira é
ter sido uma ditadura. É condenável por isso, não é preciso inventar mais: a
liberdade é um fim em si. Eu sempre disse isto, inclusivamente de forma clara
no MEL. A segunda razão é que 1926/33-1974 é um período ainda próximo.
Cerca de metade da população portuguesa já era nascida em 1974. Outros ouviram
histórias de pobreza dos pais e dos avós, ou dos media (desconhecendo como era o país antes). Quem quer saber hoje da monarquia
absoluta? se mataram ou perseguiram gente? O Estado Novo ainda está
historicamente ‘quente’. Quem o viveu acha-se no direito de saber definir o
regime, e também existe aquilo a que João Miguel Tavares chamou
a proteção de um certo
território académico. Mas na
verdade, quem viveu o regime tem menos objetividade. Esse regime correspondeu a
um período de desenvolvimento económico para o país, mas esta evidência não
bate certa com a narrativa que
vários políticos querem vender sobre o desenvolvimento ter sido um resultado da
democracia (e dos principais partidos agora em existência). Um truque comum é
pegar em estatísticas de 1974 para mostrar que eram inferiores aos de outros
países Europeus. É demagógico apenas olhar para a situação comparada em 1974
sem notar o progresso e convergência que foram anteriores à democracia. O
atraso do país era muito anterior a esse regime e até diminuiu
significativamente durante esse regime. Temos de ser capazes de olhar para a História de forma mais
distante, mais fria, e mais honesta. Há uma terceira razão, mais sinistra: há quem goste de fingir que existem muitos mais
salazaristas por aí do que é o caso. É uma distração útil para certos políticos
do presente, enquanto continua o ataque às instituições independentes que tem
de nos preocupar a todos (inclusivamente às pessoas de centro-esquerda
moderada). O Estado Novo é um
bode expiatório útil. Portugal
caracteriza-se hoje por uma teia quase caricatural de conflitos de interesse
com más políticas económicas, legais e regulatórias. O discurso antifascista
quando aplicado a moderados como eu não passa de uma estratégia de sinalização
de virtude dirigida à tribo.
Serve para defenderem a continuação das políticas económicas falhadas mas de
que beneficiam alguns, sujando quem os opõe com uma associação espúria à
ditadura.
Vale a pena ler esta entrevista. Nuno
Palma só diz verdades. Já alguns as disseram ao longo dos anos, como por
exemplo Rui Ramos ou Filipe Meneses. Nós próprios as temos dito neste blogue,
mas de forma fragmentária. Nuno Palma tem o mérito de as dizer em síntese, e
num período em que Portugal é governado pela gente a quem ele, Nuno Palma, se
refere.
Segue:
Acha que quem o criticou e apelidou de quase fascista é incapaz de
reconhecer que durante o Estado Novo se construíram os hospitais de Santa Maria
e S. João, entre outros, o aeroporto da Portela, a Cidade Universitária, ou o
INE, além de escolas primárias e bairros sociais no fim dos anos 60? Não sendo,
obviamente, essa constatação o branqueamento do regime ditatorial.
Existia um
sistema de assistência e previdência social, que de resto foi evoluindo ao
longo do tempo. Há obviamente a questão da
extensão do acesso, do custo, e da qualidade. São questões complexas, mas é
inegável que o caminho para o Estado Social foi
gradual e com início muito anterior ao 25 de Abril. Existiam abonos de família
e seguros de trabalho, por exemplo. Numa primeira fase mais corporativa
existiam as Casas do Povo e de Pescadores que prestavam assistência, e depois a
partir dos anos 60 já havia mais dinheiro e houve reformas, apareceu a ADSE, por exemplo. Houve depois uma grande expansão com a
democracia como é evidente e natural, ainda que por vezes ainda hoje não seja
cumprido o que é prometido – veja-se as listas
de espera para operações ou os médicos de família em falta, já para não falar
de outros aspetos relacionados com a falta de escolha e qualidade. O que é
infantil é uma visão da história que defenda que Salazar queria um país pobre.
O próprio termo ‘fascismo’ é historicamente incorreto como descrição do Estado
Novo como regime político, e reflete o provincianismo e enviesamento político
de grande parte da historiografia nacional que aceita acriticamente uma
designação que tem uma motivação política. Note-se aliás que a literatura
internacional, comparativa, não se refere genericamente à ditadura do Estado
Novo desta forma.
Segundo os estudos que citou, Portugal no fim do Estado Novo
estava a aproximar-se da média europeia e hoje já disse que estamos a ficar
cada vez mais pobres. Acha que o futuro das próximas gerações está mesmo
comprometido?
Penso que é o
mais provável. A situação que temos é que Portugal faz as suas escolhas
políticas, mas depois tem condições de financiamento e acesso a fundos em
termos sem qualquer relação com os fundamentais da economia. A minha intervenção do MEL foi sobre o presente e o
futuro, não o passado. Fiz um diagnóstico dos problemas do presente e o que
estes anunciam sobre o futuro. Esses problemas têm origem numa contingência
histórica e política que explica as más políticas económicas e os desenvolvimentos institucionais que nos trouxeram até
aqui, e que anunciam um futuro deprimente. Mas
é sempre uma questão de probabilidades condicionais: o futuro não está
determinado, depende de fatores e decisões que forem tomadas, interna e
externamente.
O Estado Novo
herdou um país profundamente atrasado, e deixou um país bastante menos atrasado. É esta a realidade histórica objetiva, e dizer isto não
branqueia nada. É pelo contrário quem quer negar essa realidade histórica que
tem objetivos políticos: os de branquear a responsabilidade dos partidos da democracia que são responsáveis pela estagnação e
divergência em que Portugal se encontra há duas décadas. E a responsabilidade
principal cai no partido que governou mais tempo e tomou as piores decisões, o
Partido Socialista (apesar de não ser o único
responsável).
Repare que se
o país crescesse e prosperasse não haveria problemas de legitimidade. Como isso não acontece, torna-se ainda mais necessário
preservar o mito de terem sido estes protagonistas quem garantiu a liberdade e o bem-estar do povo. É por isso que os políticos atuais, que em geral não têm
já idade para terem lutado por democracia alguma, não se cansam de gritar por Abril. Veja por exemplo, o atual
secretário geral da JS, Miguel Costa Matos, miúdo de 20 e tal anos sem qualquer
experiência ou currículo relevante, cuja conta no Twitter anuncia que ‘Abril é
o Futuro’. Esse mesmo político afirmou num artigo no Público que a ditadura do
Estado Novo é a culpada do atraso do país tanto no passado como hoje. É uma tenebrosa atitude anti-científica, antí-empírica,
pré-iluminismo: tudo pura propaganda em causa própria. É evidente para qualquer
observador atendo e isento que os jovens turcos
do PS de hoje não lutam pela democracia. Lutam sim pelos tachos que buscam
incessantemente, e hoje representam o maior e mais bem organizado ataque tanto
ao desenvolvimento do país como à liberdade de que há memória.
Em Portugal
o meu discurso é contra o PS e a extrema-esquerda porque são os principais responsáveis pela estagnação do país
e o ataque às liberdades individuais e coletivas que está a acontecer. Repito que o mais importante é a independência das instituições.
Não podemos aceitar a tentativa de impor discursos hegemónicos e perseguir quem se atreva questionar a superioridade moral
que a esquerda exige para si e para os seus. É
por isso que também critico sem problemas os governos de direita de outros
países da UE como Polónia ou Hungria, que tal como Portugal, deixaram de ser
democracias liberais.
Não pertenço
a nenhum partido, e o meu desejo é que as
políticas públicas sejam discutidas com mais seriedade. Têm que existir avaliações de impacto independentes, tem
que haver uma discussão de benefícios e custos,
incluindo os custos de oportunidade, das
políticas públicas. Não tenho a mínima dúvida que teríamos um país incomparavelmente melhor com reformas laborais feitas
por Pedro Martins, reformas da justiça e da regulação feitas por Nuno Garoupa,
ou Joaquim Miranda Sarmento à frente do Ministério das Finanças. Mas é essencial perceber que não digo isto por uma
questão ideológica: pelo contrário, digo porque as políticas públicas que eles
defendem são as que a evidência científica internacional mostra serem as
apropriadas para o crescimento económico e o bem
estar das pessoas. Ao contrário da propaganda
socialista, não iriam pôr em causa o Estado social. Pelo contrário, iriam
assegurar a sua sustentabilidade e qualidade. A dificuldade é convencer as
pessoas de que isto é verdade, apesar da evidência científica nesse sentido. Portugal é um país incapaz de se governar decentemente a
si próprio, e assim continuará a ser enquanto forem outros a pagar a conta das
asneiras.
Acha que precisava de ter reforçado que o Estado Novo melhorou
muito em relação ao período da Primeira República para não ter criado tanta
polémica?
Pelos
motivos que expliquei anteriormente, iriam sempre existir tentativas de
aproveitamento político. No que toca ao Estado Novo a minha mensagem é simples:
não podemos aceitar a narrativa de que é desse regime a culpa do atraso de
Portugal. Essa narrativa não é inocente, e nem é a verdade sobre o passado, nem
sobre hoje. Dizer isto não é branquear coisa nenhuma. Pelo contrário, é quem
quer branquear as responsabilidades políticas do presente que tem interesse em
explorar esse tipo de mitologia. O que dizem os políticos é quase sempre
passageiro, mas também não vai sobrar quase nada do que é a historiografia dos
últimos 50 anos sobre o Estado Novo, porque grande parte dessa historiografia é
profundamente política, sendo por isso contrária à História como campo de
conhecimento isento.
Quem é que é
contra o 25 de Abril no sentido de ser o evento que permitiu a democracia e até
a adesão à UE? Isto é incontroverso, nem eu sou, nem quase ninguém em Portugal,
exceto o PCP e as outras extrema-esquerdas, que não gostam da UE nem da
democracia e queriam que o 25 de Abril tivesse levado a um tipo diferente de regime.
O que não faz sentido é querer fazer do golpe algo pensado pelos protagonistas
com grandes intuitos democráticos, em vez de ter tido uma motivação conjuntural
e corporativa, que foi o que aconteceu. Não faz sentido achar que isto deve dar
legitimidade moral a certos partidos ou ideologias. Mas é um facto que uma
parte importante da população portuguesa acredita nisso, e acredita que o
Estado Novo queria um país miserável, e é por isso que a natureza
revolucionária de Abril radicalizou a política nacional. Explica, por exemplo,
porque é que o PCP resiste ao contrário do que acontece noutros países
Europeus.
O que lhe ocorre quando vê a vandalização do Padrão dos
Descobrimentos e praticamente ninguém da esquerda se ter pronunciado contra?
Ouvi falar
mas não acompanhei em detalhe. Em geral não presto muita atenção às polémicas
da espuma do dia. Foram outras pessoas que me avisaram sobre quase todas as
dezenas das alusões à minha intervenção no MEL que existiram nos jornais e na
TV, e tenho a certeza que não conheço todas. Mas não me surpreende.
Disse que os académicos portugueses são provincianos e que o
máximo para eles é ir à televisão? Ficou com essa convicção reforçada depois da
polémica?
Eu disse que
há exceções, e insisto nisso. Essas exceções incluem várias pessoas de esquerda
– aliás, esquerda e direita são conceitos muito limitados, que tentam meter o
Rossio na rua da Betesga. Grande parte dos académicos são de centro-esquerda (o
que não quer necessariamente dizer apoiar o PS). Muitos são equilibrados e
intelectualmente honestos: se as políticas públicas fossem o que defende o Luís
Aguiar-Conraria, para lhe dar um exemplo de alguém com algum mediatismo mas que
não é sectário e que tenta trazer uma atitude científica para o espaço público
– garanto-lhe que o país estaria melhor. E não estou sempre de acordo com ele,
como é evidente. Acho muito importante enfatizar isto, para não haver equívocos
sobre o que estou a dizer: em princípio, a ciência e a política são separáveis.
Há a análise positiva, ou seja descritiva, factual do mundo, e depois há
questões normativas, que já entram no domínio das preferências. O mais
importante é haver honestidade intelectual e não misturar: ser-se claro sobre
quando o domínio já é o da opinião e sobre quais são os limites do conhecimento
que temos. E há académicos a trabalhar em Portugal sobre temas sinceramente
muito mais importantes para o bem-estar a nível global do que estas discussões
sobre esta aldeia a que chamamos Portugal: um excelente exemplo é o grupo
NOVAFRICA dirigido por Cátia Batista e Pedro Vicente.
Mas voltando
ao nosso umbigo, o que é doentio em Portugal é ver o discurso e ações de
políticos como Pedro Nuno Santos. Por regra foram péssimos alunos e são
especialistas em fazer afirmações tolas e perigosas, mas depois acusam quem os
enfrenta a nível técnico sobre as decisões de políticas públicas que tomam de
‘não perceber de economia’ ou de ‘cegueira ideológica de direita’. Ouvir esse
ministro falar sobre a TAP é um espetáculo deprimente, muito sintomático do
desastre político em que Portugal se tornou.
Eu também
tenho as minhas opiniões políticas: sou, digamos, 60% liberal, 30%
social-democrata, 10% conservador, dependendo dos temas, que penso que devem
ser avaliados um a um. Tento ser claro sobre se estou a falar como economista e
historiador ou estou no domínio da opinião, ainda que informada com a evidência
científica que temos sobre quais são as políticas públicas que funcionam.
Aliás, num país em que se levasse a sério a noção de avaliação de impacto de
diferentes políticas públicas, a opinião e o comentário teriam muito menos peso
do que no país da ‘opinião’ e dos conflitos de interesse que temos.
Agora, tento
feito esta ressalva sobre os casos excecionais: sim, grande parte dos
académicos portugueses são provincianos. Fiz essa declaração na sequência de um
artigo de opinião de um tal António Araújo, que eu desconhecia, e que me acusou
de ter feito as declarações que fiz no MEL com o objetivo de conseguir um
contrato televisivo – o que é bizarro. Na verdade, na sequência do MEL até tive
ofertas para ir à televisão, e para escrever para o Observador, por exemplo,
que agradeci mas recusei. Todo o artigo de Araújo era, aliás, no que toca a
mim, um exemplo de uma enorme incapacidade interpretativa. Não percebeu nada do
que eu disse (ou distorceu de propósito). Mas é só um exemplo, como ele houve
outros.
Quanto à
minha participação no MEL, aceitei participar por me preocupar o futuro de
Portugal. Dei o meu diagnóstico, e penso que a reação que houve de muitos até
serviu em si de demonstração da tese que apresentei. Já calculava que
participar me podia trazer chatices, e assim foi. Mas também apareceram novas
amizades com pessoas que não conhecia, como a que desenvolvi com o próprio
organizador que me convidou, Jorge Marrão – tal como eu, um cidadão fora da
política ativa (tanto quanto sei), mas que se preocupa com o futuro do seu
país. E fico com esperança que a demonstração pública da ignorância histórica e
desonestidade intelectual épicas de algumas das nossas elites políticas tenha
sido útil para alguém. Isto apesar de ter noção da dimensão muito elitista e
geralmente pouco consequencial fora dos círculos académicos destes debates,
pelo menos a curto-médio prazo.
Fernando Rosas e José Pacheco Pereira assumem-se como
historiadores. Na universidade de Manchester há historiadores que tenham tantas
ligações partidárias e que queiram ser considerados independentes?
Não. É
verdade que nos departamentos de História – mas não de Economia – do Reino
Unido, grande parte dos professores e alunos são apoiantes do partido
trabalhista. Mas são apenas simpatizantes na sua vida privada. Talvez nalguns
casos isso até influencie a sua investigação, mas uma carreira política está
longe das suas preocupações. Até porque isso os impediria de terem uma carreira
académica. O tempo não dá para tudo. Quem não publique no Reino Unido não é
promovido, não arranja trabalho académico, ou é mesmo posto a andar se ainda
não tiver contrato definitivo. E por publicar, entenda-se trabalho académico,
de investigação, não artigos de opinião sobre os temas do momento para os
jornais.
Portugal é
diferente. Não existe uma cultura de mérito. Muitos políticos gostam de fingir
que são académicos. Há a omnipresente figura dos ‘comentadores’, por norma políticos
ou tendo outro tipo de benefício mas que não apresentam qualquer declaração de
interesses. Escrevem politiquices para os jornais e dizem-nas na TV, nem sequer
é divulgação o que fazem no espaço público. Os demagogos como Pacheco Pereira
ou Fernando Rosas são apenas exemplos: não são autores de qualquer obra
relevante nem reconhecida internacionalmente, mas produzem um fluxo constante
de disparates, até mesmo sobre questões históricas factuais, sobre as quais
erram e distorcem constantemente a verdade de forma grotesca, por terem
motivações políticas.
Acha que os alunos desses académicos provincianos, como diz,
poderão ser bons historiadores no futuro?
Conheço
casos concretos que mostram que é possível.
Sérgio Sousa Pinto disse que ‘os bloquistas são os herdeiros dos
regimes mais criminosos, ineptos e fracassados que a história conheceu’.
Concorda com ele?
Sim, e estão
sempre a defender ditaduras. No caso português até albergaram vários
terroristas das FP-25: pergunte ao Nuno Gonçalo Poças que ele dá-lhe vários
nomes, incluindo Pedro Goulart e José Ramos. No caso deste último, afirma ter
coordenado a ação em que morreu uma bebé (e a sua avó como consequência), e
continua orgulhoso. Foi em 2017 o candidato do BE à Câmara de Grândola – uma
escolha obviamente não inocente.
Mas noto que
Sérgio Sousa Pinto (SSP) é um caso curioso. Sem dúvida, é das poucas vozes
moderadas que restam no PS. Mas repare que mesmo ele tem uma atitude pouco
isenta, anti-empírica e anti-científica. Durante a polémica à minha volta por
causa do MEL, escreveu no Expresso que estava na moda cantar as proezas do
Estado Novo – uma péssima descrição do que eu fiz. Repito que o que eu pus em
causa foi a ideia, errada, que o atraso económico e social do país se deveu
principalmente a esse regime. Procurei explicar qual a motivação desse mito
muito difundido hoje, e as suas consequências. Nunca defendi o regime nem no
plano político, nem sequer no plano económico. É absurdo achar que alguém como
eu considera esse um regime desejável. Apenas notei que não é verdade que
tivesse contribuído para atrasar o país, nem em termos absolutos, nem relativos
aos países mais ricos da Europa.
SSP repete
um vulgar erro: tem uma visão histórica limitada e não sabe enquadrar o século
XX português num contexto histórico e comparativo. Segundo ele, até ao 25 de
Abril Portugal era um país afundado na mais abjeta miséria, com crianças
descalças nas aldeias, tudo sem paralelo sequer na Europa comunista a leste.
Mostra não compreender o ponto de partida do país nas primeiras décadas do
século XX. Ignora que os indicadores de bem-estar comparados estavam muito
piores em 1910 ou 1926: ou seja, desconhece as melhorias do país durante o
século XX. E a comparação com as ditaduras comunistas é simplesmente falsa. Não
é fácil medir o PIB de países comunistas por várias razões de ordem técnica,
mas a evidência que temos é que os países comunistas da Europa do Leste eram
bastante mais pobres do que Portugal era até 1974. Foi aliás em parte devido às
claras melhorias do nível de vida que se faziam sentir que, ao contrário do que
aconteceu na Europa do Leste por volta de 1990, ‘A revolta dos capitães não é o
produto de uma crise económica e social’, tendo sido antes principalmente
motivada por questões relacionadas com a guerra, como escreveu António Barreto
em Anatomia de uma Revolução.
Repito que
me custa falar aqui do SSP nestes termos porque até tenho alguma simpatia por
ele: é de facto das pessoas mais decentes que ainda restam no PS. Mas ilustra
que se até ele repete a propaganda histórica desta forma, imagine os outros da
sua área política. Todos os moderados – incluindo como é evidente os moderados
de centro-esquerda – devem reconhecer isto: Portugal está a falhar hoje,
estamos a divergir há duas décadas da Europa, e isso tem pouco a ver com o
Estado Novo. Tem sim tudo a ver as instituições e os políticos atuais. Mesmo
que o Estado Novo tivesse deixado a pior herança possível, o que não aconteceu,
já passou meio século e Portugal continua, por exemplo, a ser dos países com o
maior atraso educativo da Europa. Já começa a ser ridículo usarem sempre a
mesma desculpa.
Estamos ou não condenados a não poder dizer nada que contrarie a
narrativa vigente do Governo e da geringonça, sob perigo de sermos considerados
fascistas?
Anne
Applebaum no recente livro O Crepúsculo da Democracia explica como tanto Órban
na Hungria como Kaczynski na Polónia frequentemente descrevem os seus
opositores como ‘comunistas’ – por vezes até ganhando o apoio de alguns
estrangeiros influentes mas incautos. No entanto, ela mostra que esse
anticomunismo é superficial, é uma forma de hipocrisia. A Hungria ou a Polónia
são aliás um espelho interessante de Portugal. Eu referi isto brevemente no MEL
já na parte do debate. Na Polónia, quase não há esquerda: Applebaum representa
o centro-direita moderado, defensor da democracia liberal. Praticamente todos
os políticos de sucesso estão de alguma maneira associados ao movimento da
‘Solidariedade’ e à resistência ao comunismo. Como em Portugal todos se tentam
associar ao ‘antifascismo’. Tem tudo o mesmo objetivo óbvio de se legitimarem.
Em Portugal, uma tendência muito preocupante é que o PS, especialmente as novas
gerações, são ideologicamente mais próximas do BE do que do PS de Soares – não
podem esperar por tirar o socialismo da gaveta. É evidente que grande parte só
está no PS porque os tachos são mais e melhores. E se sujar os outros com
associação ao ‘fascismo’ servir esse propósito, não hesitam.
Na verdade,
como escreveu Rui Ramos há pouco tempo, a direita democrática nunca se
identificou nem se revê no fascismo, bem pelo contrário. Mas está sempre a ser
acusada injustamente de ser antidemocrática ou fascista – acusação sem qualquer
conteúdo, tal como o termo ‘neoliberal’. É pelo contrário a esquerda socialista
que constantemente elogia ditaduras ou se recusa a condená-las. Aconteceu, por
exemplo, com Pedro Marques e outros eurodeputados socialistas no Parlamento
Europeu relativamente a Cuba, como foi denunciado por Lídia Pereira, que me
parece ser uma ótima eurodeputada; ou por Miguel Costa Matos, que considera
preferível Xi Jinping a Trump – sendo este último um político eleito. Sempre
detestei Trump. Mas parece evidente que estes políticos portugueses não têm uma
relação mais fácil com a verdade nem estão menos preocupados apenas com os seus
próprios interesses do que Trump.
Infelizmente,
a base eleitoral de apoio ao PS considera irrelevante a traição aos valores
europeus que representa a aliança com um partido totalitário e antidemocrático
como é o PCP. Alguns votam PS por ideologia e outros porque só quando sentirem
no bolso as consequências das más escolhas políticas é que votarão de forma
diferente. Mas em geral não sentem, devido à política europeia, e porque
António Costa, não sendo um radical, preferiu a opção irresponsável de se aliar
à esquerda. É alérgico a reformas, mas foi possível manter uma política de
austeridade e de baixo investimento público porque sabe bem quais são os grupos
que precisa de manter contentes para manter o seu apoio eleitoral.
O artigo 6.º da Carta Portuguesa de direitos Humanos na Era
Digital terá sido a primeira lei de censura no pós-25 de Abril?
Ainda
recentemente saíram notícias sobre a Polónia, onde se estão a preparar mais
leis contra a liberdade dos jornalistas – sempre em nome de proteger as pessoas
da desinformação, ou de ocultos interesses estrangeiros. É esta a linguagem que
as ditaduras usam para justificar a censura (quando a mesma é do conhecimento
público, o que sem sempre é o caso em toda a sua extensão).
Não teme que a geringonça com o controlo do passado venha a
controlar o futuro, e que quem controla o presente, controla o passado, como
anunciou Orwell?
Essa frase é
útil para compreendermos porque é que é tão importante para os instalados do
regime hoje controlarem a narrativa sobre o que foi o 25 de Abril. George
Orwell escreveu também no Animal Farm – uma crítica à União Soviética – que
todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que outros. Isto
aplica-se perfeitamente à impunidade de muitos políticos em Portugal. Repare
que até o Governo de Boris Johnson – um político com uma relação difícil com a
verdade, a quem sempre me opus – não se atreve a tentar em Inglaterra a cultura
de desresponsabilização política que impera por Portugal, como se viu com a
demissão recente do ministro da Saúde.
Mas na minha
opinião, o melhor autor para nos ajudar a compreendermos o presente a partir de
um romance distópico é Aldous Huxley no Brave New World. O mundo de 1984,
escrito em 1948, é o da censura tradicional: é proibido dizer ou escrever
coisas. No romance de Huxley, que até foi publicado antes, em 1932, não é
preciso reprimir – as pessoas estão estimuladas pelos excessos do hedonismo, do
espetáculo infantil, das omnipresentes distrações e do entretenimento; têm
lavagem cerebral, agem por impulso ou são indiferentes à verdade. É uma
distopia muito mais apropriada para compreendermos o mundo atual, por exemplo a
influência que as redes sociais com os seus likes e fake news virais têm para a
política.
Portugal está condenado a ficar sem os melhores quadros que vão
emigrar?
Portugal é
um país com um futuro deprimente. Um país de velhos e de pobres, sobrevivendo
de crise em crise, de mão estendida à Europa – para a qual envia os seus jovens
mais bem formados e ambiciosos, para além dos pouco qualificados, que continuam
a ser a maior parte. Parece-me ser este o futuro mais provável. Imagine uma
recém-licenciada em medicina que emigra para o Reino Unido, como tem acontecido
de forma sistemática para pessoas da área da Saúde. Não só perdemos a médica,
mas também subsidiámos fortemente a sua formação (cara), de que depois ela
própria e o Reino Unido vão beneficiar, mas não o contribuinte português.
Acredita que poderá ser possível a instauração de um regime comunistas
ou fascista na União Europeia?
A história
nunca se repete de forma exata. As ditaduras que não consigamos evitar no
futuro vão ter uma natureza diferente das do passado. Veja o caso da Hungria,
que parece ser já próxima de uma ditadura, ou a Polónia que para lá caminha. É
inegável que em ambos os casos há imenso apoio real da população aos respetivos
governos, como acontece em Portugal (entre quem vota, e onde a situação ainda
não é tão grave). Parece claro que a Hungria não seria hoje aceite na UE, mas
não é claro o que pode ser feito agora. O problema é mais de lavagem cerebral
interagindo com valores, que depois têm uma reflexão eleitoral, do que de
censura explícita como existia nos fascismos e comunismos. Daí eu dizer que
Huxley ajuda melhor a compreender isto do que Orwell.
Penso que o
regresso do comunismo é improvável até porque as elites já perceberam que não
funciona mesmo para elas próprias – veja o caso da China. Já variantes do
socialismo sim, e não tenha dúvidas que é para aí que não só o BE como os
jovens turcos do PS querem caminhar. E, lentamente, estão a conseguir. O
preâmbulo socialista da constituição portuguesa está-se a fazer cumprir.
Que diferenças vê em regimes como a Venezuela ou Arábia Saudita?
São exemplos
da maldição dos recursos: países com instituições fracas, capturadas, que não
se conseguem desenvolver apesar da riqueza dos seus recursos naturais – que só
agravam as suas dificuldades.
Para si o comunismo e os fascismo são a mesma coisa. Quando vê um
jovem com a cara de Estaline estampada o que acha? Há diferença para um jovem
com uma t-shirt estampada com Hitler?
Não são a
mesma coisa, eu nunca disse isso. O que disse foi que eram igualmente
condenáveis do ponto de vista político e moral. Mas há mais ignorância
histórica sobre o que foi o comunismo e quantas pessoas matou. As t-shirts com
o Che Guevara também têm a ver com isso.
Acha que ainda estamos na pré-história no que a esta discussão diz
respeito?
Em Portugal,
sem dúvida. É aliás confrangedor ver como os comunistas são normalizados em
Portugal. Sentam-se no Parlamento e aparecem nos jornais e na TV, como se
fossem pessoas respeitáveis.
Só se pode falar em Hitler, mas Estaline é um herói público para
muitos.
Em grande
parte da Europa do Leste isto não é certamente verdade. Na Rússia e algumas
outras partes da ex-União Soviética é diferente, mas há aí um elemento de
nacionalismo e de trauma do período de transição nos anos 90, como mostra
Svetlana Alexievich, por exemplo.
Uma das coisas que mais me espantou nesta polémica foi a queixa de
alguns à universidade onde leciona, ao Guardian e à BBC. O que sentiu com esta
bufaria, tão típica do Estado Novo?
O termo
bufos é uma aproximação mas hoje não existe polícia política nem tribunais
plenários, por isso as consequências ainda não são as mesmas. O que temos hoje
são denúncias, ameaças e tentativas de intimidação, algumas públicas, outras
mais indiretas. Como disse, penso que estamos a caminhar para uma situação
parecida à da Hungria ou Polónia: prisões políticas não vão ser comuns, mas a
pressão vai fazer-se por outras vias incluindo o incentivo à autocensura, os
processos jurídicos ou por via da autoridade tributária, e podendo a pessoa
perder o emprego. Não seria apenas isto que os bufos portugueses gostariam:
preferem a supressão e destruição total de todos os que se oponham aos seus
desígnios. Mas, por enquanto, as consequências ainda não são essas.
Passou a ter que andar com um cartaz a dizer que não se identifica
com Salazar?
Qualquer
pessoa que tivesse ouvido o que eu disse no MEL, ou ainda verificado que
afirmações públicas fiz ao longo dos anos, veria que essas acusações contra mim
são uma palermice. O Pacheco Pereira diz que o João Miguel Tavares e eu somos
de direita radical, seja lá isso o que for na cabeça dele. É uma espécie de D.
Quixote que identifica radicais imaginários contra as quais se insurge
valentemente. Veja por exemplo como critiquei publicamente num artigo do ECO de
há uns dois anos o escritor Rentes de Carvalho, apoiante do Geert Wilders. No
mesmo artigo critico Marine Le Pen. Ao longo dos anos, fiz inúmeras críticas
públicas, por exemplo no Twitter, ao Brexit, Boris Johnson, Trump, ou Órban. Ou
ao Putin, um exemplo de alguém que desafia a classificação ultrapassada da
política como esquerda ou direita, e que aliás gosta de encorajar a
autodestruição do Ocidente por via política e de guerras culturais
desnecessárias.
O essencial
é compreender que o populismo – um termo aliás também pouco operacional – não é
exclusivo do que se costuma chamar direita. Na Hungria, como Applebaum não se
cansa de denunciar, o partido do Governo tem um controle grande sobre os media,
as eleições são em parte manipuladas, e as empresas que enfrentam o Governo são
assediadas. Os líderes partidários são misteriosamente ricos. Portugal pode ser
como a Hungria dentro de uma década. Está a ir nesse caminho em parte devido às
consequências não intencionais dos fundos da União Europeia que estão a
interagir com contingências nacionais, tendo na prática um efeito contrário ao
desejado: em vez de criar coesão, estão a levar à divergência. Isto porque
estão a ter efeitos negativos na economia e nas instituições. Estão a levar à
captura do Estado e a demagogia sem fim, permitindo um ataque sem tréguas às
instituições independentes. Mas Portugal é barato para a UE, não sendo uma
prioridade como se está a tornar o caso da Itália. Instituições fracas e
demagogia não são características únicas da direita, nem dos partidos radicais
das margens como o BE ou Chega. O PS hoje é profundamente populista. E o PSD
atual também está tão em baixo por ter uma direção medíocre, com exceções como
é o caso do Joaquim Miranda Sarmento.
Voltando
ainda à questão do saudosismo salazarista, a verdade é que há hoje muito poucos
saudosistas em Portugal. São é artificialmente inflacionados pelas pessoas a
quem convém manter o fantasma de Salazar vivo na memória coletiva. Repare que
até o líder do Chega rejeita essa associação. E digo isto insistindo que não
tenho qualquer simpatia pelo Chega, pelo contrário. Mas não tenho dúvidas que
não deve ser ilegalizado, e de que são idiotas as frequentes afirmações da
extrema-esquerda sobre o tema, incluindo as do político Rui Tavares – outro que
gosta de se mascarar de historiador.
Os
instalados do regime, e especialmente a esquerda, instrumentalizam o Estado
Novo. Essa história beneficia-os porque os legitima. É por isso que foi dada
amnistia política e branqueado Otelo. É por isto que insistem em chamar
fascista ao Estado Novo. É por isso que insistem em afirmar que esse regime foi
a principal causa do nosso atraso. Nada disto devia ser necessário para
condenar o regime, eu faço-o com naturalidade: por ter sido um regime
autoritário e tudo o que isso implicou. Na verdade sou insuspeito: Salazar era
um conservador social, católico e nacionalista, e não concordo com nada disto:
sempre fui um liberal a nível dos costumes, sou ateu desde os 14 anos, e sou um
federalista Europeu (com reservas sobre o modo e velocidade desejáveis). Sou
desde sempre um apoiante da União Europeia – apesar de achar que precisa de
reformas. O que faço é contrariar o aproveitamento político que é feito do
passado. Só incapacidade interpretativa ou má fé é que pode levar alguém
atribuir-me a ideia que um regime como o Estado Novo seria desejável.
O problema é
que a esquerda em Portugal considera-se dona do 25 de Abril, como se viu por
exemplo com a polémica que envolveu a Iniciativa Liberal na última data. Grande
parte dessa mesma esquerda, a que mais bate no coração gritando por Abril,
representa hoje o mais eficaz ataque que presenciamos em Portugal à democracia,
à liberdade, e ao bem-estar das futuras gerações.
O Portugal livre e festejado por muitos tem Pedro Adão e Silva, um
socrático e socialista de primeira água, à frente das comemorações dos 50 anos
do 25 de Abril. Rita Rato, uma destacada ex-deputada comunista, à frente do
Museu do Aljube, Resistência e Liberdade. Isto faz algum sentido?
É vergonhoso
e terceiro-mundista. Independentemente das lealdades partidárias de ambos – e
deveriam logo ser excluídos por isso, sendo cargos que devem pela sua natureza
que ser inclusivos – ambos também têm CVs completamente irrelevantes do ponto
de vista técnico e académico. Essas nomeações são um insulto ao mérito e representativas
de um país capturado por interesses partidários.
O que achou da polémica de não se ter feito luto nacional aquando
da morte de Otelo Saraiva de Carvalho
É
sintomático da ignorância histórica, fanatismo político, e espírito
antiliberal, mesmo antidemocrático, que caracteriza grande parte da esquerda em
Portugal.
Por que razão teve necessidade de recorrer ao Polígrafo? Não acha
que foi uma atitude provinciana? Quem não deve não teme...
Recorri por
ser um fact-check próximo do PS. Isso aliás até se notou na forma como o
Polígrafo afirmou serem falsas as declarações do eurodeputado sobre mim, mas
ainda assim especulou que ele ‘não teria visto’ o meu vídeo na íntegra. Há um
fact-check do Observador mas isso teria sido mais facilmente politizado. A
mentira era tão descarada que o resultado só podia ser o que Pedro Marques
dizia era falso.
Nos tempos
de forte propaganda e fake news em que vivemos, é importante haver
contraditório, e achei por bem defender-me de acusações falsas vindas de
pessoas com responsabilidade. Depois continuaram: houve certamente mais de meia
centena de artigos sobre a minha intervenção nos jornais, rádios e televisão.
Não estive a responder a todos, nem li todos, tenho mais que fazer, mas repare que
sem a verificação feita pelo Polígrafo, só podia ter sido pior. O próprio Pedro
Marques continuou a insistir, assim como outras figuras do PS, na tese do
branqueamento, mesmo já depois do Polígrafo – o que é sintomático. Pedro
Marques também já fez mais declarações recentes sobre a economia portuguesa que
o Polígrafo voltou a classificar como falsas. Nunca mais acabam as mentiras nem
a falta de vergonha. É só mais um inimputável.
Repare que
mesmo com o Polígrafo, não tenho dúvida que algumas pessoas acreditam mesmo na
propaganda. A lavagem cerebral e o fanatismo ideológico são reais. A
extrema-esquerda, que hoje inclui parte do PS, insiste em ver o mundo a preto e
branco: quem não está com eles só pode ser de extrema-direita.
Recentemente uma universidade de Manchester esteve envolvida numa
polémica por causa da linguagem que quer introduzir em documentos oficiais. O
que acha da história de não se poder dizer pai ou mãe?
Não me
recordo de ter sido informado pela minha universidade sobre isso. Acho que há
algum exagero dos tabloides Ingleses – apoiantes do Brexit – sobre esse tipo de
ameaças do politicamente correto. Os meus alunos são adultos, nunca tive
qualquer contacto com os pais de nenhum, nem vejo em que contexto seria isso
relevante.
E o que pensa desta luta da igualdade de género e dos movimentos
Me Too?
Pouca gente
da minha geração é contra a igualdade de oportunidades. O debate tem que ser:
como garantir a igualdade de oportunidade para todos, independentemente do sexo
ou de outras características (por exemplo étnicas), mas não destruindo o papel
do mérito individual que é essencial recompensar? Não devemos impor, à força,
igualdade de resultados. As pessoas devem ter o direito a fazer as suas
próprias escolhas e enfrentar as consequências das mesmas. Repare que a
esquerda mais militante nos países ocidentais sobre este tipo de questões é a
mesma que constantemente defende regimes homofóbicos, xenófobos, misóginos,
contrários à liberdade, e que violam os direitos humanos. Fazem isso por
afinidade ideológica, por serem regimes que são inimigos dos seus inimigos,
nomeadamente os EUA ou Israel, ou mais genericamente, da NATO.
Por fim, qual a diferença de lecionar em Manchester ou em Lisboa?
Eu apenas dei dois anos de aulas em Lisboa, na Nova SBE, como assistente antes do doutoramento. É uma universidade que tem uma tradição mais meritocrática do que é normalmente o caso em Portugal, e o seu sucesso tem tido a ver com isso. Tenho ainda lá muitos amigos – alguns de esquerda, como a Susana Peralta ou o José Tavares. Insisto que o meu discurso não é nem nunca foi contra a esquerda. O meu discurso é a favor das instituições independentes, da liberdade, da democracia, da igualdade de oportunidades, da meritocracia, da ciência, e do crescimento económico. Qualquer pessoa da esquerda moderada só pode concordar com tudo isto.
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