https://www.youtube.com/watch?v=o4LhKPxeCl4 |
Aline Hall de Beuvink - OBSERVADOR
Deputada (PPM) na Assembleia Municipal
de Lisboa. Professora Universitária
Na obra A Íliada é descrita uma das maiores façanhas dos
Gregos: a Guerra de Tróia. Este foi um local sempre tido como mítico. Contudo,
nas escavações na década de 1870, o arqueólogo alemão H. Schliemann (1822-1890)
descobriu a famosa Tróia homérica, dando corpo arqueológico àquilo que muitos
julgavam ser fantasia, ou apenas mito. Sim. Feliz, ou infelizmente, há mitos
que surgem por acontecimentos históricos.
O incidente
Na passada Sexta-feira, na Sic Notícias, o comentador Francisco Louçã
atacou-me, mostrando um vídeo que modificava, propositadamente, a estrutura de
um discurso de 2019 (É essa a actualidade semanal de comentários?). Esse
discurso era relativo a um voto do PSD de equiparação do nazismo ao comunismo,
onde eu falei sobre o Holodomor. O horror que esse episódio histórico
significou para o povo ucraniano foi um crime provocado pelo comunismo. Em
momento algum diminuí o sofrimento de outros povos, de outras vítimas, de
outras realidades. Qualquer extremismo, para mim, deverá ser combatido: seja
ele de Direita ou de Esquerda. Daí achar essa equiparação, reconhecida pelo
Parlamento Europeu, mais do que legítima.https://www.youtube.com/watch?v=TX5UhGP_tyU
Quanto ao comentário jocoso e distorcido de Francisco Louçã, vejo dois
níveis de leitura.
Interpretação geral
A primeira é o facto de fazer pouco de um acontecimento histórico que é
reconhecido pelo país onde é Conselheiro de Estado, Portugal, no documento Nº
233/XIII, 2 de Março de 2017, votado no Parlamento, que reconhece o Holodomor
de 1932-1933 como genocídio do povo ucraniano.
Portanto, o Senhor Conselheiro de Estado ridicularizou todo um povo e a sua História, bem como negou uma resolução do parlamento do país onde tem responsabilidades políticas consideráveis.
https://ptdocz.com/doc/474699/livro-publicado-em-portugal. |
Ora, se o Senhor Presidente da República tem um Conselheiro de Estado que
ri de um genocídio que Portugal reconheceu, este Conselheiro está a fazer o
quê? A procurar um incidente diplomático? Ou apenas a demonstrar a sua
ignorância histórica publicamente?
Dizem que a ignorância é atrevida. E a do comentador Francisco Louçã é
indiscutível. Distorcendo a minha explicação sobre o mito de que os “comunistas
comiam criancinhas”, disse que eu acreditava piamente nisso. Felizmente, para
esse comentador, nenhum familiar seu encontrou cadáveres nas ruas e viu pessoas
a devorarem-nos, porque estavam loucas de fome; felizmente, para o senhor
comentador, não precisou acolher em casa uma criança que fugiu dos pais porque
percebeu que, cada vez que desaparecia um irmão, havia carne na mesa. Ora, esta
passagem monstruosa que a minha avó materna relatou e que eu contei no meu
discurso, foi propositadamente cortada. Branqueamento à soviética?
A própria Cruz Vermelha, à época, tirou fotografias desses horrores; jornalistas
revelaram alguns destes acontecimentos. Quando o Ocidente ouviu falar nessas
atrocidades, começou a surgir esse mito, de que “os comunistas comiam
crianças”. Porque houve canibalismo. E, sendo a Ucrânia considerada uma parte
do mundo comunista, o simples silogismo foi feito. Julgo que o senhor
comentador ainda saberá o que é um silogismo. Lamentavelmente, já não poderei
dizer o mesmo relativamente à sua compreensão de Português, pois não vê a
diferença entre dizer-se “foi daí que surgiu o mito…” de “os comunistas comiam
criancinhas”.
Monstruosamente, houve canibalismo. E este não olhava nem perguntava qual
era a cor política da vítima (nem a sua nacionalidade: não foram só ucranianos
que morreram de fome e praticaram canibalismo, mas foram em maioria). Uma coisa
é certa: quem provocou essa fome de forma intencional, orquestrada, até
militarmente, foi Estaline e o seu Comité do Partido Comunista, como provam
vários documentos.
Interpretação pessoal
O meu segundo nível de leitura é sobre o ataque pessoal. Não vejo
explicação para, com tantos assuntos da actualidade a abordar, o senhor
comentador vá buscar um vídeo de há dois anos, numa tentativa pobre de gozar
com a forma como eu falo, com o que eu digo e com o que eu defendo.
Concluindo, uma Esquerda que se diz defensora da mulher, do estrangeiro, da
vítima, protagonizada por este senhor comentador, afinal escarneceu de uma
mulher portuguesa, neta de ucranianos, que falou de um tema historicamente
comprovado e de forma desonesta editou propositadamente um vídeo para encaixar
na sua premissa pessoal, numa tentativa de descredibilização.
Em todo este episódio, o que me incomoda é a vil tentativa, não de
branquear a História, mas de a “avermelhar”. Os crimes do comunismo continuam,
e não vos vejo a ofenderem-se – Venezuela, Coreia do Norte, China, só para
citar os exemplos mais gritantes.
Contudo, isto lembra-me um ditado alemão: “Was juckt es die Eiche, wenn
sich die Sau daran reibt?”, numa tradução livre, “Porque se há-de importar o
carvalho quando o javali se coça no seu tronco?”.
Tenho pena do senhor Conselheiro de Estado. Pena porque isto não foi só um sinal de misogenia, xenofobia e desonestidade intelectual e política: foi também um sinal de ignorância.
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