JORGE GOLIAS
E se antes falasse de
domótica, tema talvez mais apelativo para uma audiência de formação
maioritariamente científica? Primeiro, porque não falo do que não sei, ou do
que pouco sei. Segundo, porque é mesmo de Doméstica que quero falar. E emprego
aqui o termo no seu sentido mais elevado. Vamos emparelhá-lo para ver como soa
a comparação: Domótica, Doméstica, Botânica… pois são ciências de que estamos a
falar.
A promoção da Doméstica fica
assim adquirida e saúda-se como bem-vinda nesta altura em que novos
praticantes, uns mais outros menos, estão estagiando on the job training,
com mais ou menos ajudas, lendo receitas, descobrindo métodos, adquirindo
ferramentas mais acutilantes, trocando experiências, e apresentando resultados
para exame dos velhos praticantes, alguns em jeito de teses de mestrado, embora
sem pretensões de provas diplomadas.
Pois, é neste ambiente de
trabalho intelectual e braçal, em mistura tecnicamente ajustada, que me tenho
envolvido nos últimos meses deste “ano lectivo”. Como em todas as actividades,
também nesta se destaca quem nasceu para esta música, mas também como em quase
todas, quem porfia sempre alcança, e mesmo os mais inábeis, dextros, aprendem a
cortar as unhas com a mão esquerda, e vive versa.
Sempre ouvi dizer que não há
dois arrozes iguais. Vi mais vezes cozinhar a minha sogra do que a minha mãe.
Isto porque em miúdo o que me diziam é que homem não entra na cozinha e aquele
que pegasse numa vassoura não lhe crescia a barba. Barba que eu agradecia não
ter hoje, mas que lá para trás era sinal de masculinidade. Masculinidade que… e
já me perdi, deixa lá olhar para trás e ver onde ia para retomar o fio à meada.
Ah, bom estava então a falar de que cada um (a) faz o seu arroz. E é verdade,
por mais exactas que sejam as medidas de arroz e água, de sal, azeite cebola e
alho, o produto final é único surge assim como a assinatura do “arquitecto”. Ou
do engenheiro porque esta ciência é capaz de ter mais engenharia do que
arquitectura. Ah, sim, há arte de empratar, estão a ver, que agora até mete design
gráfico e outras artes mágicas.
Sobre o arroz, e vale a pena
demorar algum tempo com ele porque é uma importante base da nossa alimentação,
se for bem feito pode até comer-se arroz com arroz, i.e., um bom arroz não
precisa de mais nada. O meu primeiro arroz tem uma história que vou aqui
contar. Estava nos Açores no Campo de S. Gonçalo, na vivenda da Engª que
partilhava com o major Silveira Pereira, chefe da DSFOE. Que era divorciado e
teve de aprender a cozinhar e que o fazia muito bem. Com ele aprendi as
primeiras coisas desta arte. Um dia foram lá almoçar os fadistas locais, com o
Zé Pracana à cabeça (este era o melhor guitarrista de fado na altura). Estavam
também o coronel inf Álvaro Bastos Miranda, CEM do QG/ZMA e o coronel inf
Pereira da Silva (do meu curso AM), CEM do Com Chefe. Eram só chefes, sendo eu
o de culinária!
Demos uma feijoada, bem
regada para criar ambiente para uns fados. O major fez a feijoada que para mim,
na altura, ainda era um prato de tese, e eu fiz o arroz. Estava tudo bom, mas…
Mas, fónix, o arroz não tinha sal! Fiquei como uma criada envergonhada, mas a
malta descomprimiu o ambiente dizendo que na mistura com a feijoada tudo
marchava. E assim foi, mas nunca mais me esqueci deste primeiro falhanço.
Voltando à Doméstica, no
sentido mais científico, um perfil curricular devia contemplar a logística do
reabastecimento, a armazenagem, tecnologia dos materiais e todas aquelas
minudências que, se esquecidas, estragam a festa: prazos de validade, produtos
inferiores não recomendados, algumas marcas brancas manhosas e depois, a parte
mais sofisticada: os segredos. Os segredos não são secretos, são até pormenores
claros que a experiência dos (as) cozinheiros ensina para obter efeitos
especiais. Por exemplo se se puser uma colher de vinagre no arroz este não se
cola e fica soltinho e saboroso (Clara de Sousa, dixit). Se puser uma rolha de
cortiça no azeite da frigideira, não vai saltar o azeite da mesma (não sei quem
dixit), etc., etc.
A Doméstica tem depois o
outro lado da coisa que são as limpezas, as lavagens e a chamada lide da casa.
Esta é a parte pior desta nobre profissão. Começando pelo quarto de dormir, sou
dos que defendem que, como o médico já não vem a casa, como diziam as mulheres
lá na Casa dos Sales, obrigando a ter todas as camas bem feitas e os quartos
bem arrumados, não fosse o diabo tecê-las e cair alguém doente. Ora, dizia,
como o médico já não vem, então a cama bem que podia ficar assim a meia haste,
facilitando a sua feitura e a entrada na mesma na sesta ou à noite, porque a
parte mais chata é aquela cena da arrumação dos lençóis e almofadas na
cabeceira. E na cozinha como os pratos e os copos estão sempre a ser usados não
era necessário estar sempre a arrumar e a desarrumar, podendo permanecer na
banca, sempre à mão, num escorredor ou similar. Acho que há aqui ganhos de
produtividade que é necessário aprofundar. Mas algumas tentativas neste sentido
foram mal acolhidas pela Chefe-Mor, pelo que se perfila uma justa luta do
trabalhador-mor. A terra a quem a trabalha!
E pronto, por hoje chega de
teoria doméstica que são horas de ir desfazer a cama, que tanto trabalho deu a
fazer de manhã, para agora me deitar e ficar a pensar no dia de amanhã: o fazer
da cama, o que vou pôr na mesa? Boa noite!
JG80
Qualquer arrozinho branco e deslavado, com estes enchidos e feijões ao lado, vira manjar dos "deuses"!
ResponderEliminarEste deve ter levado, mesmo assim, um pinguinho de vinagre. está soltinho!
Com este belo prato é caso para se dizer- "toma que já almoçava..."
A mensagem mais importante que se pode e deve extrair daqui é a importância da missão de fazer a lide da casa, ou seja, o trabalho doméstico. Devia ter outra consideração social e ser reconhecida como uma profissão remunerada pelo Estado. JG80
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