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No Verão Quente de 1975, eu estava em Angola, assisti a
situações muito estranhas, e relato uma delas em que pude ser útil:
RESGATE
DE UM CONTERRÂNEO - Luanda no "Verão Quente de 1975"
No
bairro Madame Bergman, em Luanda (localizado antes da saída para
Viana), morava um indivíduo da minha aldeia - o Chico, pessoa humilde, que lá
tinha feito a tropa e ficado empregado como correeiro numa casa na baixa
(Mutamba). Eu ia, de vez em quando, a casa dele beber um copo e dar dois dedos
de conversa. Ele vivia com a mulher, um filho, ainda criança, e uma sobrinha, a
Rosa, uma rapariga de uns 18 anos.
Eu era
o Comandante do "Aquartelamento Conjunto Engenharia/Transmissões",
valências que se juntaram no anterior Quartel da Engenharia dentro dum
planeamento de retracção das nossas Forças. Num determinado dia
desse verão quente de 75, ia eu entrar no gabinete pelas 8H30 e já a Rosa
me estava esperando à porta. Contou-me então que pelas 6H00 dessa manhã,
uns garotões armados do MPLA tinha aparecido e devassado a casa, dizendo que
a vinham revistar, à procura de armas. Não encontrando nada, a
não ser uma vulgar espingarda de caça ( e que todo o colono costuma ter). Confiscaram-lhe
essa caçadeira, argumentando que "o que mata caça, também mata
pessoa" e levaram o Chico preso para a Praça de Touros (que funcionava
como Prisão, e para lá levavam muitos desgraçados, dos quais se lhes perdia o
rasto). A mulher, que sofria do coração, entrou em colapso e só umas horas
depois é que a sobrinha Rosa deixou a casa para ir ao Quartel pedir-me
ajuda. Ouvida a sua estória, lá tentei acalmá-la, dizendo-lhe que fosse para
casa tratar da tia, que eu faria o que estivesse ao meu alcance.
Telefonei então para o Quartel- General, onde havia oficiais meus conhecidos (e do meu tempo de AM). Consegui falar com um, que prometeu ajudar e se prontificou a accionar os contactos necessários com a sede do MPLA, em Vila Alice.
Nesta
altura já o MPLA era senhor da situação em Luanda, pois tinha desbaratado as
sedes da UNITA e da FNLA ali existentes.
Já a
tarde ia adiantada, e eu pensei que o Chico tivesse sido recuperado, mas pelas
18H00, aparece-me novamente a Rosa no Quartel, dizendo que o Ti Chico continuava
sem aparecer. Mandei-a novamente de volta e disse-lhe que iria diligenciar
pessoalmente o assunto. Telefonei logo de seguida para o QG, ficando com a
ideia "que tinham mais que fazer", mas aconselharam-me a ir à zona da
Praça de Touros, pois havia lá uma força nossa tratando da segurança daquela
área. Assim fiz e saí no carrito de comandante (WW carocha) para a referida
área. Encontrando ali uma patrulha, perguntei pelo comandante. Levaram-me a ele
e era um Ten. Cor. que tinha sido meu instrutor na Academia Militar - Amadora.
Expliquei-lhe o assunto (de que ele não se admirou, pois já recebera outras
queixas) e disse-me que fosse até à zona da Praça de Touros, pois enviara para
lá um Unimog com um Sargento e algumas praças a dar caça a uns indivíduos que andavam
a assaltar casas nas redondezas. Recebido o aval, desloquei-me para a dita zona
de acção e logo me deparei com o Unimog em que o sargento estava orientando a
caça a uns jovens meliantes que iam fugindo pelos quintais...
Deixei terminar essa cena rocambolesca e pude então explicar ao sargento que já tinha falado com o seu comandante, pelo que pretendia me acompanhasse até à Praça de Touros a fim de resgatar um conterrâneo que para lá tinha sido levado de madrugada e estaria lá preso. O sargento também não se admirou nada do que lhe contei e disse logo ter o maior prazer em ajudar no caso. Ele, melhor conhecedor do local, seguiu à minha frente com o Unimog e as 4 praças. Parou junto à entrada do Portão da Praça de Touros e eu estacionei ao lado. À entrada da praça, estava um graduado FAPLA (Forças do MPLA) que vim a saber ser o comandante, acompanhado de 1 ou 2 elementos da sua tropa da guarnição.
Deixei terminar essa cena rocambolesca e pude então explicar ao sargento que já tinha falado com o seu comandante, pelo que pretendia me acompanhasse até à Praça de Touros a fim de resgatar um conterrâneo que para lá tinha sido levado de madrugada e estaria lá preso. O sargento também não se admirou nada do que lhe contei e disse logo ter o maior prazer em ajudar no caso. Ele, melhor conhecedor do local, seguiu à minha frente com o Unimog e as 4 praças. Parou junto à entrada do Portão da Praça de Touros e eu estacionei ao lado. À entrada da praça, estava um graduado FAPLA (Forças do MPLA) que vim a saber ser o comandante, acompanhado de 1 ou 2 elementos da sua tropa da guarnição.
Chegando à fala, disse-lhe então ao que ia (fazendo-lhe ver que era
"simpatizante" da causa MPLA), mas que no caso presente, a prisão dum
simplório colono meu conterrâneo, só poderia ser um engano que agradecia ele
resolvesse com a sua autoridade... Elaborei mais alguma argumentação no sentido
de "conquistar as graças". Depois de uns bons 5 a 10 minutos de
conversa, perguntou-me finalmente o nome exacto da pessoa em causa e que lhe
identifiquei como Francisco C.
"Vai
lá chamar o camarada Francisco C", diz ele para o adjunto. Passado pouco
tempo aparece o "camarada" Francisco C com uma camisola interior desalinhada
e uns calçonitos, ou seja, como o arrancaram da cama. É um indivíduo
baixo, um pouco forte e de tês bastante morena. No entanto, estava branco como
a cal da parede, o que provocou em mim uma reacção genuína, que me levou a
perguntar-lhe:
"O
quê, bateram-lhe??" (é claro que lhe tinham batido), mas ele,
inteligentemente, disse "Não, não, ninguém me bateu" e pediu-me um
cigarro que logo lhe dei.
Voltei-me então para o Comandante:
"Como
vê, tratou-se de um engano, feito pelos vossos rapazes, jovens inexperientes, e
assim sendo, agradecia que o libertasse, tendo até em conta o nosso bom
entendimento institucional com o MPLA...".
O
comandante da Praça estava a ficar indeciso ...um pouco baralhado, e depois de
pensar um pouco, respondeu-me que só poderia fazer isso (libertar presos) com a
autorização do CEM das FAPLA. Perguntei onde funcionava esse comando e ele
disse-me que o gabinete era ali perto.
Aconteceu então o momento decisivo, pois consegui, um
tanto abruptamente, tomar o controlo da situação:
"OK.
Venha então lá comigo… vamos aqui no meu carro e... Oh! Chico, suba ali
para o Unimog". O comandante pareceu ficar escravo das circunstâncias,
aceitou entrar no meu carro e o Chico subiu para o Unimog, junto às nossas
praças.
Levou-me ao gabinete do seu Chefe. Ali chegados, disse-me para esperar e
foi falar com essa entidade superior para explicar (à sua maneira, presumo) a
situação, o que me viria a poupar tempo e trabalho mental. Depois dessa
putativa arenga, veio então chamar-me. Entrei no gabinete da entidade e
cumprimentei, ao que ele me disse já estar a par da situação. Virando-se, em
jeito de conclusão, para o comandante da Praça, exibiu a sua
autoridade, proferindo:
"Eu
, já disse, prisões só com minha ordem...", e mais umas quantas
considerações (para eu ouvir) e a que eu ia acenando concordantemente com tão
lúcidas instruções.
Agradeci então a atenção havida e elogiei as suas doutas instruções,
cumprimentei e saí, alegre e aliviado.
O Chico
saltou do Unimog para o meu carro, agradeci ao comandante da praça de Touros e
ao Sargento das nossas tropas (estas, conferiram uma certa persuasão para o bom
desenlace da estória).
Fui
entregar o Chico à mulher que ao ver chegar o WW correu para nós,
espalhando-se, mas sem qualquer gravidade. O coração, de que sofria, aguentou.
As lágrimas das fortes emoções vividas e sofridas desde as 6h da manhã até às
20H, falaram mais alto!
O,
então recém promovido, Tenente Coronel, João A. B. S.
(Comandante do Aquartelamento Eng.ª / Tm)
SãoPaulo da Assumpção de LUANDA, Agosto de 1975
O prazer que nos deu publicar esta "estória". Porque, ainda adolescente, vivi coisas idênticas. Mais um testemunho a conservar...
ResponderEliminarO Dr António O. Salazar bem podia ter resolvido as coisas a tempo e horas. Foram 13 anos de guerra para nada... E as guerras fazem-se exactamente para os políticos resolverem ou eliminarem as causas das guerras.
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