ANTÓNIO MAGALHÃES
Técnico aeroespacial, Sheffield
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Sou um pouco de que vês e do muito que não enxergas (…)
Sou aquele que procura a satisfação de quem chega ao topo da
montanha, depois de tantos sacrifícios e tantos esforços para lá chegar, e não
a encontra.
O que tem o sofrer de quem vê um filho escapar-se entre os
dedos, pronto para o mundo, quando por ele, entre rastos de alegria e
felicidade se entrelaçaram os naturais sofrimentos, o muito que por ele se fez,
o esforço, e mesmo assim falta a capacidade de o entregar de mão beijada, mesmo
sabendo bem ser essa a lei natural das coisas.
Mas também sou aquela criança, tão tenro de idade a sentir
sensações nos almanaques do Tio Patinhas, o Donald, o Pateta, a Mónica, a
Mafalda, o Cebolinha e o Cascão, as aventuras de Asterix e Obelix e as
sensações desse tempo as lágrimas e as saudades de hoje. Ordem cronológica
nesses livros aos quadradinhos? Não há ordem cronológica nas saudades.
Sou essa mesma criança que brincava na terra, que emanava o
seu cheiro de poeira assentada com as gotículas da chuva, com o aroma que se
espalhava pelo ar que nesse tempo respirei e agora recordo como um bem
precioso.
Sou o herói dos filmes de Índios e Cowboys, o que sente ainda
o cheiro dos eucaliptos, do mato e do feno dos montes, do chilrear dos passarinhos,
da sombra fresca que as árvores e os eucaliptos ocultaram do sol em dias
escaldantes. Sou a água cristalina que corre pelos montes abaixo, mas que
sempre vai batendo contra as pedras e os obstáculos que não são nem assim
capazes de a parar.
E sou a voz, que ainda hoje ouço nitidamente dentro de mim,
os gestos e as pequenas manias daqueles que em tempos idos foram os amigos que
me fizeram crer… que eu quis acreditar serem pra vida, e hoje continuam
gravadas nas memórias, que mais vezes do que eu mesmo assim o espero, deles
continuo a ter. E deles sou também a vítima que o tempo e a vida devorou,
porque nada é o que se pensava, nesses tempos, que viesse a ser, e nem sempre,
como agora, nos lembramos verdadeiramente o que somos.
Sou aquele tipo dos pequenos gestos, dos momentos
silenciosamente barulhentos, das atitudes que por esses momentos passam
despercebidas, e que poucos veem.
E continuo a ser a ovelha perdida, no rebanho de Deus, à
procura de encontrar o seu caminho de volta, sempre com a esperança de que o
Pastor, mesmo que distraído por vezes, saiba melhor do que ninguém que o
caminho, por longínquo que possa parecer, só tem um único destino.
E não fossem estas as palavras do grande poeta Acácio, com a
sua inteligência bruta, a puta é filha da vida, e a vida é filha da puta.
(Retalhos do quotidiano)
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