Júlia Serra
Entre
a chuva que fazia bolinhas na vidraça e o sol que, a medo, parecia secá-las,
uma pomba poisou no beiral da janela, para namorar com outra. Foi um encontro
rápido e, depois, bateu as asas e fugiu. E nós, os humanos, confinados pelo
Covid, quando poderemos sentir essa sensação de liberdade? Quando, mas quando,
perguntamos todos, sobretudo, aqueles que estão na linha da frente, longe dos
seus e a lutar com o inimigo invisível?
Não
há resposta concreta e verdadeira e, perante a incógnita do desconhecido, o
melhor é unirmo-nos na mesma luta, para celebrarmo-nos a tão almejada vitória.
Esperança, é a palavra de ordem; depois, dentro das virtudes teologais, há
ainda a Fé e a Caridade – uma trindade que anima e vivifica o homem na sua
relação com Deus e com o próximo. Quem está nos hospitais a cuidar dos doentes,
na rua a manter a ordem, nos lares a velar pelos idosos e todos aqueles que
lutam por todos os motivos que o Covid implica, todos esses, querem dar o seu
melhor, atingir a perfeição e revelar o seu humanismo. Para eles, um
reconhecimento merecido, nesta quadra da Páscoa.
Evocando
Torga, em Ave da Esperança: ”Passo a noite a sonhar o amanhecer./Sou a
ave da esperança” e conjugando com os versos de Sophia de Mello Breyner em Um
Dia: “Um dia mortos gastos voltaremos/A viver livres como os animais!” – dois
poetas que nos transmitem um halo de confiança no futuro que será, certamente, diferente e precisará da força e
vontade de todos. Este tempo ficará para a História e, na sua caligrafia,
muitas serão as estórias vividas para recontar aos mais pequenos. Neste tempo,
em que os pais não podem abraçar os filhos, os filhos não podem chorar no colo
da mãe, os avós estão enclausurados, neste tempo, podem crescer diários de registos
das primeiras palavras, podem nascer portefólios recheados de textos, podem
brotar poemas cheios de emoção, para, um dia, pertencerem à herança de cada um.
Sendo o Tempo uma categoria determinante da narrativa, saibamos preenchê-lo com
palavras, com sensibilidade e emoção que sejam o espelho do momento (pode não
ser a realidade) como interrogou Graça Moura - “O real será/ a tradução da
sombra, a intranquilidade/ de existirmos?”, pois essa (realidade) exige o
trabalho do criador, a figuração que permite aceder ao real.
Voltemos
ao tempo. O sol rasgou as nuvens e lançou uns raios para abrir as orquídeas das
janelas. As minhas são brancas.
Até
amanhã.
J.S
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