domingo, 12 de abril de 2020

A Ressurreição do Senhor

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A Ressurreição 

Igreja matriz de Tabuaço
Um dos dogmas essenciais da religião católica, a Ressurreição de Jesus Cristo, garante a ressurreição dos mortos no Final dos Tempos. Os quatro Evangelhos, embora lhe façam referência, não descrevem o acontecimento propriamente dito[1]. Nem são unânimes a apresentar alguns detalhes como o das Santas Mulheres. No entanto, os quatro evangelistas coincidem num ponto. A Ressurreição de Cristo é um retorno momentâneo de Jesus à vida terrestre, porque fez numerosas aparições na Judeia e na Galileia antes de ascender ao céu quarenta dias mais tarde. Pelo contrário, nos evangelhos apócrifos, a Ressurreição confunde-se com a Ascensão. O Redentor ressuscita para ascender ao reino dos céus imediatamente.
Paolo Verones - 1570-75
Hans Küng
Grande parte da tradição remota insiste na extraordinária Ressurreição do Senhor. E o que torna extraordinário o acontecimento não é o facto de os amigos e discípulos de Jesus o terem visto após a morte. Como ontem, as histórias de alucinações e visões são comuns. O que torna extraordinário o acontecimento é terem visto um ser humano real[2]. Em Lucas (XXIV, 36-43) os próprios discípulos espantados e assombrados por Jesus ter aparecido no meio deles julgaram estar na presença de um fantasma. Mas Jesus desafiou-os a tocarem-No. Como se mantivessem incrédulos, pediu-lhes algo para comer e enquanto O olhavam espantados, comeu uma posta de peixe assado. Era clara a mensagem. Nenhum fantasma o poderia fazer. A posição ortodoxa insistiu na Ressurreição literal.
Esta questão verdadeiramente fascinante foi objecto das mais diversas argumentações e objecções nos primórdios do cristianismo[3].
Após a sua colocação no túmulo, e porque Jesus havia anunciado que ressuscitaria ao terceiro dia depois da sua morte, os fariseus e os padres temendo que os discípulos fossem buscar o seu corpo para depois anunciarem a sua ressurreição, solicitam a Pilatos que sele o sepulcro e que aí coloque guardas durante três dias[4]
António Tempesta (1555-1630), 
New Testament, 
The Resurrection, Vienna.
             In: Ilustrated Bartsch, 
               Vol 35/17, p. 92.
Apenas são descritas as circunstâncias e o período de tempo: a noite, o túmulo cavado na rocha e os guardas que irão ser representados artisticamente, adormecidos ou atemorizados pela aparição de Cristo.
A Ressurreição é, nos primeiros séculos da cristandade, evocada simbolicamente pela cruz e pelo monograma de Cristo. Mais tarde, no século IX, é simbolizado pelo sol e a partir do século XI é representada de uma forma realista. Levantando o estandarte do Ressuscitado com a cruz vermelha, símbolo da Ressurreição. Normalmente representado numa posição estática, pousando o pé sobre o rebordo do sarcófago. O tema de Cristo planando por cima do túmulo aparece em Itália a partir do século XIV. A partir do início do século XVI passou a ser adoptado pelas várias escolas alemãs. São exemplos disso, Albrecht Dürer e Mathis Nithart.
Os teólogos da Contra Reforma impuseram, contudo, as suas regras iconográficas para este tipo de representação. Juan de Ayala, em 1730, não estava de acordo que Cristo fosse representado saindo da tumba aberta com um pé fora do sarcófago[5]. E não aprovava a representação de Cristo flutuando sobre a tumba porque remetia para a Ascensão. Entendia que era melhor representá-lo sobre a tumba fechada, com o corpo resplandecente, imaterial, revestido com um pano vermelho, mostrando as chagas.
Da mesma forma não concordava com a representação dos soldados dormitando porque era contrário à disciplina romana. Pelo menos um devia ser representado desperto. Quanto à assistência, todas as personagens deviam ser eliminadas porque, segundo os Evangelhos, nenhum ser mortal havia assistido ao acontecimento. Nem mesmo a Virgem deve ser representada. Na cena não deviam constar soldados precipitando-se sobre as suas lanças nem mesmo um simples cão ladrando[6].
Francisco Pacheco recomenda que se pinte Cristo com majestade e formosura. Com o seu manto roxo e pano branco, com as suas gloriosas chagas descobertas e resplandecente de luz, com a sua bandeira triunfante, acompanhado de anjos e serafins, com o sepulcro fechado e os guardas dormindo. Dá como exemplo a estampa de Jerónimo Nadal. É, porém, crítico em relação a quem pinta os guardas arremetendo contra o Redentor ou defendendo-se com os escudos[7]. 


Georg Pencz (1500-1550), The Three Marys at the Tomb. 
Life of the Christ, 35 x 58
The Ilustrated Bartsch,  Vol  16-8, p.98.

As Santas Mulheres no Sepulcro


São João de Lobrigos - Santa Marta de Penaguião
Ao alvorecer do primeiro dia da semana, após o sábado, um grupo de mulheres dirige-se ao sepulcro onde fora sepultado Jesus. Levavam unguentos. Por isso se chamam mirróforas. Os Evangelhos não referem um número em concreto[8]. Normalmente são mencionadas quatro: Maria de Magdala, Maria mãe de Tiago, Salomé e Joana.
Viram dois homens com veste fulgurante (Luc. XXIV, 4), ou um jovem vestido com uma túnica branca (Marc.XVI, 5), ou ainda um anjo descendo do céu (Math. XXVIII, 2). A aparição do anjo, precedida por um terramoto que assusta as mulheres e faz acordar os soldados, é uma autêntica Teofania. O anjo que é como um relâmpago e a sua roupa, alva como a neve, sentado na pedra que havia rodado desde a entrada do sepulcro, anima-as dizendo-lhes que Cristo, o crucificado, não estava ali (Marc. XVI, 57). Iria à sua frente à Galileia[9]. É, porém, João que conta o episódio que inspiraria a iconografia de Noli me Tangere (Joh. XX, 11-18) difundida no Oriente e mais tarde no Ocidente[10].
São João de Lobrigos - Santa Marta de Penaguião
Este tema está presente na arte paleocristã dos primórdios mas iconograficamente desenvolveu-se durante os séculos XI e XII. A imprecisão evangélica permitiu aos artistas uma grande liberdade de representação. O número das Santas Mulheres oscila entre as duas e as quatro. Numerosas vezes são representadas três.


Noli me tangere


Este episódio, inspirado em João (XX, 11-18), resume-se ao encontro de Maria Madalena com o Ressuscitado, a quem confunde, no princípio, com o jardineiro ou guardião do sepulcro. Quando se apercebe que era o Mestre tenta tocar-Lhe exclamando: Rabboni! Contudo, Jesus proíbe-lho com o pretexto de ainda não ter subido para perto do Pai[11]. Jesus, com esta atitude perante Madalena, procurava insinuar um novo tipo de relações. As suas ligações terrenas estariam doravante rompidas.
Anonymous Artists (1476-77)
The Ilustrated Bartsch, Vol 162, p. 172.
Jan Bruegel, o jovem,
Noli me Tangere, 1601-1678.
Marcos (XVI-9) também relata o episódio. O evangelista precisa mesmo que o Ressuscitado apareceu primeiro a Maria Madalena (Maria Magdala), a quem havia expulsado sete demónios.
Na iconografia habitual do “ Noli me tangere “, Jesus afasta Madalena que se lança e inclina na sua direcção apaixonadamente, ajoelhando-se. Normalmente é representado com uma enxada. Por vezes aponta o céu com uma mão e com a outra afasta Madalena[12].

 Armando Palavras



[1] Ao contrário, por exemplo, do apócrifo de Pedro.
[2] PAGELS, Elaine, Os Evangelhos Gnósticos, Via Óptima, Porto, 1999, p. 35.
[3] Alguns mestres gnósticos propunham uma visão contrária à futura ortodoxia. O autor do Evangelho de Maria, um dos poucos textos gnósticos descobertos antes de Nag Hammadi, interpreta as aparições da Ressurreição como visões recebidas em sonhos ou em transes extáticos (10. 17-21). O Apocalipse de Pedro, conta como Pedro, em transe profundo, viu Cristo (83, 8-10). O Evangelho de Filipe chega mesmo a ridicularizar os cristãos ignorantes que tomam a Ressurreição de forma literal (73, 1-3). Para estes mestres gnósticos, como por exemplo Valentim, só os seus evangelhos ou revelações divulgavam os verdadeiros ensinamentos secretos de Jesus (constatam-se algumas semelhanças em Mateus - XIII-11- ou em Paulo - II Coríntios XII, 2-4-), que relatavam inúmeras estórias sobre Cristo ressuscitado. Mas sobre o ser espiritual que Jesus representava e não sobre o Jesus meramente humano, o Rabi de Nazaré (cf. ANTÓNIO, Piñero, TORRENTS, José Montserrat, DAZÁN, Francisco Garcia, Biblioteca de Nag Hammadi, Vols I, II e III, Esquilo, 2005).
[4]  Tertuliano no Apologético (21,20) dá seguimento a esta tradição. Os autores dos Evangelhos Apócrifos relatam em detalhe todo o processo da condenação, Crucificação e Ressurreição. Quanto a este último acontecimento, o Evangelho de Pedro (35-44) é peculiar. Descreve uma cena completamente diferente da de outra qualquer fonte, canónica ou apócrifa. Os relatos apócrifos, como por exemplo os evangelhos de Nicodemo (12,3) e Gamiel (3,43), relatam outras tradições. Informam que os judeus pagaram aos guardas para que estes dissessem que o corpo de Jesus havia sido roubado de noite pelos discípulos, pondo, deste modo, em causa a sua ressurreição.
[5] RÉAU, Louis, Tomo1, vol. 2, p. 570.
[6] Porém, os guardas foram sempre elementos essenciais nestas representações. A sua presença é ignorada por Marcos, Lucas e João. Foram posteriormente introduzidos tanto na lenda como na iconografia por razões apologéticas, com o objectivo de refutar a acusação feita pelos judeus, que insinuavam que o cadáver de Jesus havia sido retirado clandestinamente pelos seus discípulos. A sua indumentária varia com a época. Normalmente, em vez de serem representados como legionários romanos, são-no como militares da época das cruzadas. As suas reacções são bastante expressivas. Frequentemente deslumbrados com a aparição.
[7] PACHECO, Francisco, p. 650.
[8] Em João (XX-1) apenas é referida Maria de Magdala. Mateus (XXVIII, 1-7) enumera duas: Maria Madalena e Maria Cleofás. Marcos (XVI-1) refere três: Maria Madalena, Maria, mãe de Santiago (ou seja Maria Cleofás) e Maria Salomé. Finalmente Lucas (XXIV-10), às duas Marias e a Joana junta um número indeterminado de Santas Mulheres.
[9] Esta cena é também descrita na literatura apócrifa que temos vindo a referir.
[10] Segundo Marcos e João, Jesus apareceu primeiro a Maria Madalena, antes deste episódio. Para resolver este problema, tornou-se corrente afirmar que as Santas Mulheres eram as irmãs da Virgem: Maria, mãe de Tiago e Maria Salomé.
[11] Esta proibição tem levado os exegetas a várias reflexões, tanto mais que, de seguida, obrigará Tomé a provar a realidade do seu corpo ressuscitado. Por isso se tem procurado, diversas vezes, traduzir a passagem evangélica por “não me detenhas “ em vez de “ não me toques “. Alguns especialistas entendem que a tradução do grego foi mal feita.
[12] Contudo, para este tema existem duas versões. A primeira que representa “Noli me tangere”, propriamente dito. Cristo ordena à santa que lhe não toque. No século XIII é representado envolto na mortalha sustendo a cruz em haste da Ressurreição. No século XIV é representado como um jardineiro ou hortelão. Com um chapéu de palha que lhe cobre a cabeça, sustentando a cruz em haste. No século XV é representado como hortelão levando, por vezes, a enxada ao ombro. Madalena ajoelha-se a seus pés numa cena ao ar livre. Na segunda variante Cristo toca a fronte de Madalena.

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