Este é um dos maiores problemas do país, mas ninguém liga. Ninguém quer
saber, porque facilita a CORRUPÇÃO!
Segue a experiência de uma professora do ensino secundário:
10 Fevereiro, 2020
Blasfémias
Como já o disse, não estava previsto voltar ao ensino. Depois da minha saída em 1994, quando leccionava Práticas Administrativas no Secundário – por já naquele tempo achar que esta profissão em que se anda de mochila às costas não oferecia estabilidade suficiente para poder organizar a minha vida -, nunca mais tive sequer vontade de retomar a carreira. A cada ano, as notícias sobre professores só me davam razão. Porém, e depois de muita insistência, acabei por aceitar substituir uma colega que saíra e não havia docente para suprir a vaga. Já lá vão 3 meses e ainda estou estupefacta com o estado a que chegaram as escolas públicas.
Como já o disse, não estava previsto voltar ao ensino. Depois da minha saída em 1994, quando leccionava Práticas Administrativas no Secundário – por já naquele tempo achar que esta profissão em que se anda de mochila às costas não oferecia estabilidade suficiente para poder organizar a minha vida -, nunca mais tive sequer vontade de retomar a carreira. A cada ano, as notícias sobre professores só me davam razão. Porém, e depois de muita insistência, acabei por aceitar substituir uma colega que saíra e não havia docente para suprir a vaga. Já lá vão 3 meses e ainda estou estupefacta com o estado a que chegaram as escolas públicas.
É preciso estar dentro do problema para entender o problema. Ninguém de fora, por
muito que tente, consegue sequer vislumbrar o real estado da educação pública
em Portugal. Ninguém. Mesmo contado, fica muito aquém. Mas vou tentar.
As escolas públicas parecem manicómios. Não, não estou a
ironizar. As crianças têm mesmo imensos problemas de toda a ordem. E
profundos. É perturbador. Numa sala de aula, mesmo na presença do
professor, temos meninos que berram em vez de falar; que correm e saltam
por cima das mesas; que choram por tudo e por nada; que atacam outros colegas
com agressividade; que fazem bullying umas às outras; que têm necessidades já
diagnosticadas de acompanhamento especial. Como é que se pode ensinar com
qualidade os meninos que chegam assim e estão todos reunidos numa turma?
É muito fácil culpar os professores quando não se sabe com que batalhas se
confrontam todos os dias. É dos desafios mais difíceis que já vi. E só agora
percebo por que razão os meninos vêm da primária a saber pouco: é impossível
ensinar nestas condições. Impossível.
Numa turma, enquanto estavam a fazer um trabalho de grupo, uma menina, a líder
da turma, começa de repente um jogo: “quem gosta do professor levanta o
braço!”. Toda a turma levanta o braço. “Quem quer que o professor nunca saia
desta escola levanta o braço”. Todos levantaram o braço. “Quem não gosta do “H”
levanta o braço”. Todos, excepto um, levantam o braço. “Quem quer que o “H”
saia desta escola para sempre, levanta o braço”. Todos, menos um, levantaram
o braço. Interrompi abruptamente a “brincadeira”, ainda tonta com o que acabara
de ouvir. Escusado será dizer que a partir dali a aula foi de psicologia, com a
advertência e a proibição absoluta destes comportamentos nas minhas
aulas. Bullying em plena sala de aula sem
constrangimentos? Está tudo doido? Como é possível, em meninos de 11 anos?
Numa aula do 1º ano explicava uma actividade que íamos desenvolver e,
enquanto formávamos um círculo, dou conta que um menino e uma menina estavam de
boca aberta e a tocarem-se com a língua, mesmo à minha frente. Quando os
questionei sobre o que era aquilo, não responderam. Minutos depois voltaram ao
mesmo e de novo tive de os separar. Estamos a falar de meninos com 6-7 anos.
Noutra ocasião, por um motivo fútil, começou uma batalha
campal com um teor de agressividade que não se consegue imaginar em tão tenra
idade. Uma violência tal, com expressões de fúria, que me obrigaram a
separar os agressores exigindo um pedido imediato de desculpas, para
passados poucos minutos voltarem ao mesmo.
Ontem as meninas divertiam-se com gritos estridentes e contínuos, de tal
ordem que a funcionária (a única àquela hora) ao ver-me chegar disse num tom de
desespero e cansaço: “isto hoje não se aguenta”.
É notório que os problemas vêm de casa. Sem qualquer sombra de dúvida.
São meninos cuja maioria não sabe ter limites, não sabe respeitar colegas, não
sabe obedecer, não sabe falar com educação, não sabe estar, não aceita ser
contrariado e não sabe ouvir. Na origem disto, uma falha colossal de
transmissão de valores, de afectos e de atenção.
Tenho a certeza que se os pais pudessem ver, através dos meus olhos, o que
se passa dentro das salas de aula, mudariam completamente A EDUCAÇÃO em casa. Perceberiam
que o problema geracional foi provocado pelas famílias e não nas escolas,
e fariam “mea culpa”. Sem essa percepção, teremos futuros adultos cada vez
piores. Porque as psicologias modernas ensinaram a anular a autoridade dos pais
e dos professores, com pedagogias que transformam os seres humanos em pequenos
ditadores. Tão simples quanto isto.
Muitos dirão que é ao professor que cabe impor respeito na sala de aula.
Sim, é verdade, mas… quem
se atreve a ser mais duro com estas “pobres criaturas”, para depois ser sovado
pelos pais dos meninos reprimidos? Que professor se atreve a usar
da sua autoridade, para depois ser literalmente abandonado pela Direcção da
escola e até pelo próprio Ministério da Educação se houver algum problema?
Ninguém.
Por isso, quando chego vejo rostos envelhecidos e sem alegria,
como de quem vai cumprir pena, a deambularem pela escola. Dizem que são
docentes. A mim parecem-me penitenciários.
Já pensei desistir e dei por mim a perguntar-me tantas vezes o que
estava ali a fazer. É impossível seguir o programa. Todas as aulas
são interrompidas mais de uma vez para impor ordem, separar alunos que se
envolvem em lutas, consolar outros que foram vítimas de agressões, dar atenção
a outros que se sentem perdidos ali. Mas como não sou de desistir dos
desafios, assumi uma missão diferente: mudar estas crianças até ao final do
ano, tornando-as melhores seres humanos. Será que consigo? Vamos ver.



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