segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

O Vasco

  
Já todos disseram tudo sobre Vasco Pulido Valente. Aqueles que o conheceram e os outros. O Vasco foi, sobretudo, um homem livre, conhecedor da escola inglesa, onde se doutorou (Oxford). Escrevia o que lhe ditava o génio, culto e desassombradamente corajoso. Esmiuçou com inteligência superior a mesquinhez do indígena (como gostava de dizer), e a mediocridade da “nata do povo”, bem retratada por dois cronistas transmontanos desassombrados: Flávio Vara e Barroso da Fonte.
Do Vasco, para se finalizar esta memória do cronista mais citado neste blogue, aqui deixamos texto antigo onde, sem contemplações, faz o retrato da Nação:  


“Profissionalismo”

O filho de Guterres não enganou o pai: há falta de profissionalismo, em Portugal. O que não quer dizer que não haja, aqui e ali, grandes profissionais. Quer dizer que Portugal não tem dinheiro para os formar e pagar, em quantidade suficiente. E também que vivemos numa sociedade corporativa e estática. Não falo evidentemente dos trabalhadores da economia tradicional ou com poucas “qualificações”: falo da imensa massa dos que foram apanhados pela irremediável mediocridade indígena. Começa tudo na escola, pública ou privada, que geralmente se deixa numa quase completa inocência intelectual. A seguir, vem a universidade – a palavra aplica-se? -, quase sempre uma espécie de parque de estacionamento, dividido em talhões com o nome de “aulas”, por onde os professores intermitentemente passam, para perorar a uma audiência abúlica: não há equipamento, não há investigação, não há convívio, não há polémica. No fim, chega a “vida”. Ser ambicioso não faz sentido, em Portugal. Na maior parte das carreiras, o sucesso é um estado comatoso de pobreza envergonhada. O bom trabalho, o óptimo trabalho fica caríssimo. Ninguém trabalha bem sozinho. Precisa de instituições, de mercados e de uma compensação equivalente ao seu esforço e ao seu talento. Quem quer essas coisas, mesmo a sério, emigra. Vejam-se os futebolistas ou os drs. António Borges e Queirós de Melo. Pior: até cá dentro, não existe verdadeira concorrência. Não se despede ninguém (excepto a arraia-miúda, claro), não se critica ninguém, não se incomoda ninguém. A impunidade reina. Quem “sobe” (se é que vale a pena “subir”) não o consegue pelo mérito. “Sobe” pelo partido, pelo grupo de pressão, pelo peso corporativo ou pela intriga. A independência mata. Nesta terra de cegos, é melhor arrancar um olho para ser rei.”
FAZ DE CONTA, Dário de Notícias, 8.4.2001
VASCO PULIDO VALENTE

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