Jorge Lage |
Logo de manhã
encontrar no Facebook um naco de prosa soberba é como beber um cálice de vinho
generoso do que já se não encontra.
Tive o
privilégio de ser aluno de Lituratura Portuguesa no Colégio da Boavista, em
Vila Real, nos idos da segunda metade da década de sessenta do século passado.
Bom
professor?
Um professor
de se lhe tirar o chapéu, como o vinho fino enmelaçado nas aduelas de uma velha
pipa abandonada. Qual livro, qual quê! Sentava-se em cima da secretária e
escorria a sabedoria literária que o embebia como melaço dos favos depois de
crestada a colmeia. E nós escrevíamos nos cadernos, páginas mais páginas destes
copos de saber do grande mestre.
Aquilo é que
era um Professor! Um Professor e um Escritor que até despertava uma pontinha de
inveja do seu amigo, Miguel Torga.
Porque o
António Cabral escrevia e pronto, já está. Nada de insónias no põe vírgula ou
tira vírgula numa frase ou num verso.
Isto
saltou-me da tampa do sarrão por a nossa amiga, Maria da Graça, de Mondim e a
mourejar em Lisboa, fazer hoje anos, ao que sei. Desejar-lhe feliz aniversário
e agradecer-lhe por todas as suas ajudas e a muitos escritores transmontanos.
Com a vossa
licença e Fernando Vilela, cunhado do António Cabral, deixo-vos aqui esta
pérola literária de António Cabral.
Benditas
aduelas
Na Consoada
bebi um vinho esplêndido em casa do meu cunhado. Vinho de uma pipa encontrada
num cardenho esbarrondado e ensilveirado do Rio Torto. O vinho da pipa estava
quase no fundo, mas as borras do bom vinho do Porto são milagrosas. A pipa
encheram-na com vinho novo e, passado um ano, deu esta maravilha (...).
António
Cabral
Uvas do vale
do rio Torto, afluente do rio Douro, na sua margem sul, bem próximo do Pinhão -
coração do Douro. Quando cheias chegam as dornas, os sentires afloram pelos
mais distintos comentários:
- Este sim!
-
Cheira-se-lhe a alma!
- Boa pomada
há-de dar, digo-vos eu!
Ali
permaneceu a pipa, por muitos anos, no canto da antiga adega. Esgotou-se no
tempo, definhando-se o vinho na quantidade, encorpando-se e enaltecendo-se,
contudo, de sabores cada vez mais intensos. Humilhada no desprezo a que foi
votada, a pipa desembebedada deixou vencer-se pela idade e esbarrondou-se.
Mesmo assim, ali se ficou a borra velha, encantada, protegida por meia dúzia de
aduelas.
Benditas
aduelas pelo esforço e dedicação!
Reconhecidos
os herdeiros, deitaram em casamento novos sabores, mais jovens e claros,
sucedendo-se festas, brindes e renovados encantamentos. Tentações irresistíveis
por sucessivas gerações, conversas intensas, demoradas, às vezes desmedidas e a
generosidade do vinho ali se retém, acrescentada!
Na foto,
pipas em miniatura efetuadas pelo saudoso Sr. Manuel Dias da Silva, tanoeiro, de Vilarinho de S. Romão, concelho de Sabrosa.
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