Politólogo - Jornal Económico
03 Setembro 2019
A crítica em democracia é
normal e saudável, faz parte do escrutínio a que os titulares de cargos
públicos estão sujeitos. Os tempos estão diferentes. Com Costa e com o PS, não
há contraditório possível.
Na semana passada, a TVI
começou uma série de entrevistas aos líderes partidários com um modelo misto
que inclui perguntas de cidadãos presentes no estúdio. No caso da entrevista a
António Costa, houve uma professora que confrontou o primeiro-ministro com a
actual situação de degradação no sector, acabando por dar um exemplo
caricatural da situação: na escola pública nem papel higiénico há nas casas de
banho.
É verdade, todos os
docentes e alunos o sabem. Este é um apontamento que ilustra a situação, mas
todos sabemos que falta tudo em todo o lado que é público, a maior parte das
vezes, com muito maior gravidade. Se a questão tivesse sido colocada por um
médico, poderia dar o exemplo das algálias, mas todos sabemos que faltam também
medicamentos fundamentais, que os serviços são suspensos por falta de recursos
humanos e materiais e que a saúde pública está em processo liquidatário.
Se fosse um agente da
autoridade, poderia dizer que não têm combustível para o patrulhamento de
rotina, nem carros seguros para fazê-lo. Se fosse um quadro das Infraestruturas
de Portugal, poderia alertar para o perigo público que constitui a falta de
manutenção e consequente degradação das mesmas. Se fosse um técnico de
protecção civil, poderia falar no falhanço clamoroso de meios e medidas de
combate aos fogos, tendo o exemplo também caricatural das famosas golas
inflamáveis de Cabrita.
Resumindo, não faltam
motivos a quem se disponha falar sobre a falência do Estado nos serviços que
deveria prestar aos cidadãos em troca dos impostos cobrados. Pagamos cada vez
mais para receber cada vez menos e pior.
A crítica em democracia é
normal e saudável, faz parte do escrutínio a que os titulares de cargos
públicos estão sujeitos. Num sistema transparente e em conformidade com as
regras fundamentais, não haveria novidade ou incómodo nesta dialética
desejável. Terá sido o que pensou Carmo Miranda Machado, a professora que
interpelou António Costa na TVI. Há um dever de cidadania que se cumpre com a
denúncia do incumprimento, das falhas e das irregularidades do Estado. Contudo,
os tempos estão diferentes e Carmo Miranda Machado não sabia o que a esperava
depois da interpelação a Costa. Com Costa e com o PS, não há contraditório
possível, a liberdade de expressão é uma ficção e a punição não tarda. Como
avisava Jorge Coelho, quem se mete com o PS, leva!
Não foi preciso esperar
muito para assistir à mais infame perseguição e assassinato de carácter sobre a
professora que ousou confrontar Costa. Quase de imediato, as redes sociais
enxamearam-se de boys e apaniguados do PS com posts que visavam descredibilizar
e liquidar a ousada professora. A punição estava em curso, e a sua violência
alerta eventuais futuros prevaricadores; não há piedade com quem incomoda
Costa.
Com rapidez assustadora,
a vida da professora foi vasculhada, um post mais ousado encontrado num passado
já distante e uma mentira fabricada. Quem fará este trabalho sujo de
investigação para o PS? Quem forjará estas fake news para o PS? Quem estará em
modo de prontidão para liquidar de imediato quem incomoda o PS? Não havia nada
parecido em Portugal desde Novembro de 1975.
Carmo Miranda Machado
representa todos e qualquer um de nós. É uma mulher que exerceu um direito de
cidadania e, por isso, viu o seu passado vasculhado e a sua vida profissional
posta em causa com base numa mentira. Segundo me garantiu pessoalmente, e os
procedimentos públicos obrigatórios nestes casos atestam, nunca apresentou o
texto da publicação do Facebook aos seus alunos. Tudo não passa de uma calúnia
forjada pela nova PIDE socialista.
Ainda que tivesse
acontecido um problema grave no passado de Carmo, ainda que não fosse mentira
aquilo de que os biltres a acusam, nunca poderia ser perseguida e exposta por
ter questionado o primeiro-ministro. Não há como fechar os olhos a mais este
assustador sinal de ataque à democracia.
Num curto período
temporal, Carmo é apenas a última vítima deste comportamento pidesco. Os
enfermeiros estão debaixo de fogo, com sindicância à medida, assassinatos de
carácter e insídia pública e publicada porque ousaram desafiar Costa. Os camionistas
de matérias perigosas estão em vias de ver o seu sindicato dissolvido, de ficar
sem voz que os represente, de serem abafados pelo sindicalismo do regime,
porque tiveram coragem de enfrentar Costa.
Quem denunciou as famosas
golas inflamáveis de Cabrita, não tardou a ser descredibilizado por um coro
obediente. O mais grave passo, e que anunciou o que hoje vivemos, foi o
afastamento de Joana Marques Vidal. A negra realidade de hoje dá razão a todos
os que alertaram para o significado real do afastamento da Procuradora mais
isenta, eficaz e consequente de que temos memória. Confirma o erro da
desistência do Presidente da República e o drama da incapacidade da oposição.
Não é inédito na história
assistirmos a déspotas que se guindam ao poder sem ganhar eleições. Pelos mais
diversos expedientes, afirmam-se através da eficácia da comunicação de uma
narrativa, desdizem a realidade com à-vontade e são implacáveis com quem
contraria o seu plano de poder. A repressão das liberdades individuais já não
passa pelo Aljube, por Peniche, pelo Tarrafal ou pelo Campo Pequeno. A nova
PIDE ajustou-se ao tempo e ao espaço, mexe-se por entre nós, tal qual a antiga,
sai da toca a cada ordem do chefe, tenta cinicamente fazer de cada um de nós
carrasco do vizinho, carrasco de nós próprios. A Professora Carmo somos nós.
O autor escreve de acordo
com a antiga ortografia.
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