Caro Relator de Tragédias
Verifica-se que na estrada N6 que liga a
Beira a Umtali (hoje Mutare),
na fronteira com a ex-Rodésia do Sul
(hoje Zimbabué), passando na ex-Vila Pery, (hoje Chimoio) sempre que há cheias
no rio Púngué, os encontros das pontes
sobre esse rio na chamada “Baixa do
Púngué”, a uns 90Km da Beira, deslizam para dentro da corrente e a ponte
colapsa, cortando as ligações com o interior.
A ruina advém do FACTO de a “vazão
linear total” (soma dos vãos Úteis) ser 5 ou mais vezes MENOR que a “vazão
linear total” das pontes ferroviárias, que, na mesma Baixa, estão uns 2Km a
jusante. E nenhuma das pontes ferroviárias ruiu até hoje. Há 62 anos, quando
cheguei ao LEM, em LMarques e fui encarregado de ir ver um desses deslizamentos
e indicar solução, informei dessa insuficiência de vazão na ponte rodoviária da
N6 então aí única, tendo desde logo dito, que enquanto não se construíssem
pontes rodoviárias com vazão linear total, igual ou próxima da das pontes
ferroviárias, sempre que houvesse cheia no Púngué, a EN6 seria cortada.
(transitoriamente remediava-se a
situação, colocando um batelão na travessia para transporte de veículos e
pessoas, enquanto a ponte com deslizamento não era reparada). Claro que o
Director do LEM, então o Engº Pimentel dos Santos, que foi depois o último
governador de Moçambique, transmitiu tudo à então “Direcção
de Obras Públicas”.
Hoje, 62 anos depois, continua tudo na
mesma e as populações, só puderam fugir da terrível tempestade tropical por
helicóptero, que, no total, consegue, muito a custo, e com grandes risco,
salvar um reduzido número de pessoas.
Em 1957 havia em Moçambique um “CONSELHO
SUPERIOR de OBRAS PÚBLICAS”, onde, por lei, tinham de ir e ser aprovados antes
da execução, TODOS os Projectos de OBRAS PÚBLICAS e até Privadas,
edifícios de grande altura, etc.) , que tivessem relevância no que diz respeito
a segurança dos usuários, fosse quem fosse o gabinete projectista, nacional ou
estrangeiro.
Ora, para o projecto de uma ponte sobre
um dado rio há dois parâmetros fundamentais a considerar: a “vazão linear” (VL)
e a cota (Zmax), das máximas cheias do rio, no local da ponte a
construir.
O LEM tinha delegações em todas as
cidades capitais de distrito, onde havia pelo menos 1 Engº. do LEM e pessoal
operário para apoiar as funções do LEM no distrito, e uma das funções era
registar e enviar para a sede em LMarques (hoje Maputo) as medidas das (Zmax)
dos rios, lidas na réguas limnimétricas, se existissem nas margens, ou vistas a
“ôlho nú” pela posição de farrapos de pano ou folhas secas, que as cheias
sempre deixam nas margens dos rios. As delegações do LEM possuíam teodolitos,
para, neste caso, registarem as (Zmax) pela posição desses indícios (farrapos
ou folhas secas). No caso do rio Púngué, julgo que o pessoal da ferrovia era
encarregado de marcar a tinta indelével o Zmax no fim de cada cheia e escrever
a data da medida. Isto era assim, na ponte rodo-ferroviária sobre o rio
Umbeluzi, perto de Boane. Também se faziam tais marcações nas paredes das
construções próximas da estrada e do rio Umbeluzi, construções que chegaram a
pertencer à Faculdade ou Instituto de Agronomia da Universidade de LMarques
(hoje de Eduardo Mondlane). De facto, nas máximas cheias o Umbeluzi invadia aí
a estrada que o margina e cortava a ligação com Boane e a fronteira
com a África do Sul. Quando a 1ª. vez
fui a Moçambique em Serviço, o então director da Direcção Nacional de Estradas
(DNA), pediu-me que fosse, com um colega sueco, em serviço pedagógico em
Moçambique, mostrar-lhe onde estavam esses (Zmax)s, quer na ponte
rodo-ferroviária do Umbeluzi, quer nas construções vizinhas da estrada e
das margens desse rio, porque o Governo Sueco se tinha oferecido para financiar
a reconstrução dessa estrada a uma cota que impedisse o rio, em cheia, de
cortar a ligação em causa. Fiz esse serviço com todo o gosto, mas, ao que me
consta, o Governo Sueco não chegou a financiar tal reconstrução da estrada e
hoje continua tudo como dantes. Será que este ciclone (como o ciclone “Claude”
de 1966) também cortou a ligação de Maputo com Boane e a fronteira?
Quando os ciclones atingem o Sul do
Save, as tragédias principais ocorrem na “Baixa do Chimcumbane”, foz do rio
Limpopo. Aí a extensão da Baixa é de uns 9Km, enquanto que na “Baixa do Púngué”
é de uns 23Km. A ponte principal da Baixa do Chimcumbane situa-se encostada à
cidade do XaiXai, cujas ruas estão a cotas superiores às das (Zmax)s do
Limpopo. Por isso, não se verificam
inundações enormes como as da Beira.
Mas, a “vazão linear total” na Baixa do Chimcumbane tem de garantir os
escoamentos das águas do Limpopo nas GRANDES CHEIAS, tanto na maré enchente
como na vazante. Por isso, o Projectista (Engenheiro Edgar Cardoso) teve o
cuidado de, além da ponte principal, onde profundidade das águas atinge os 60m,
projectar mais uns 6 “pontões” distribuídos na dita Baixa para “garantir” tal
“vazão linear total”. Só que os ditos “pontões” não estavam nos “enfiamentos”
das veias principais do Limpopo em cheia. Por isso, as águas do rio, que a
tingiam o aterro, corriam ao longo deste para poderem entrar no respectivo
pontão. Claro que nessa “corrida” as águas “lambiam” a base do aterro e,
quando não provocavam o deslizamento do mesmo, entravam muito turbulentas no
pontão e escavavam-lhe as fundações levando à derrocada dele. Isso o
Projectista não previu. Mais tarde tentou “remediar” reforçando com estacas as fundações
dos pontões, o que também não resolveu. Ao que me consta, hoje há um VIADUTO
que atravessa toda a “Baixa do Chimcumbane”. A ponte principal continua a
“resistir” a todas as cheias do Limpopo, pela simples razão de que a cota da
face inferior das vigas da ponte está 1.50m (o que é de “lei”), ou mais acima
do Zmax das maiores cheias do Limpopo até agora registadas.
Tudo isto para lhe dizer, que os
Projectistas COMPETENTES de Pontes (e não só), têm de aprender na FACULDADE e
depois nos FACTOS, a forma de “Dialogar” com as “Tempestades” ou com os
“SISMOS” sejam elas e eles quais forem, de forma a garantirem a SEGURANÇA de
Pessoas e Bens durante tais “caprichos” da Natureza.
Aconteceu que há uns 4 ou 5 anos houve
um sismo centrado em Espungabera, fronteira de Moçambique com o Zimbabué, que
atingiu Maputo com o grau
+-4,0 na escala de Richter, e as Torres
Vermelhas, com 25 andares e uma antena de Televisão no topo, começaram as
oscilar. As pessoas fugiram dessas Torres, entre elas, o Doutor Engenheiro João
Salomão, que tinha o nº do meu telefone celular. Por isso, resolveu, eram umas
6 da manhã em Portugal, telefonar–me a contar o sucedido e a perguntar-me se as
Torres Vermelhas tinham sido projectadas tendo em conta, sismos de tal
magnitude. Respondi, que as pessoas podiam estar tranquilas porque as Torres
Vermelhas foram projectadas, com a folga de 1.5, para o SismoMax em
Moçambique, registado pelos “Serviços Meteorológicos” de Moçambique (SMM),
fundados pelo ano de 1900 e também para os ventos ciclónicosMax registados
pelos SMM, com a mesma folga.
Caro Relator de Tragédias
para responder às preocupações do Senhor Ministro das Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos, há que perguntar-lhe, se, com tantos milhões de dólares gastos, os Projectistas das Pontes Rodoviárias da Baixa do Púngué chegaram a usar os dois parâmetros acima indicados: “vazão linear total” (VLT) e a cota (Zmax), das máximas cheias do rio. Mas, certamente que NÃO, pois se o tivessem feito, não haveria apenas umas 2 ou 3 pontes rodoviárias nessa baixa, com “vazão linear total” 5 ou mais vezes MENOR que a “vazão linear total” das pontes ferroviárias. Além disso, as ditas pontes a construir terão de estar nos “enfiamentos” das veias principais do rio, o qual tem “meandros” que podem variar de cheia para cheia. Porém, como as pontes ferroviárias estão lá, estáveis, há muitos anos, em meu entender (e referi isso no meu relatório técnico de 1957), bastará que os “eixos” das ditas pontes rodoviárias a construir se situem nos “enfiamentos” das pontes ferroviárias.
para responder às preocupações do Senhor Ministro das Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos, há que perguntar-lhe, se, com tantos milhões de dólares gastos, os Projectistas das Pontes Rodoviárias da Baixa do Púngué chegaram a usar os dois parâmetros acima indicados: “vazão linear total” (VLT) e a cota (Zmax), das máximas cheias do rio. Mas, certamente que NÃO, pois se o tivessem feito, não haveria apenas umas 2 ou 3 pontes rodoviárias nessa baixa, com “vazão linear total” 5 ou mais vezes MENOR que a “vazão linear total” das pontes ferroviárias. Além disso, as ditas pontes a construir terão de estar nos “enfiamentos” das veias principais do rio, o qual tem “meandros” que podem variar de cheia para cheia. Porém, como as pontes ferroviárias estão lá, estáveis, há muitos anos, em meu entender (e referi isso no meu relatório técnico de 1957), bastará que os “eixos” das ditas pontes rodoviárias a construir se situem nos “enfiamentos” das pontes ferroviárias.
E talvez seja oportuno pedir ao Senhor Ministro das
Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos, que sejam atribuídas ao LEM
funções semelhantes às que já teve em1957. Note-se que para isso nem é preciso
gastar mais dinheiros do OGE de Moçambique, basta que o governo legisle no
sentido de que todas as empresas públicas e privadas que tenham obras em
execução, devem TESTAR a QUALIDADE dos materiais que empregam no LEM, devendo
como é óbvio, pagarem ao LEM os ensaios respectivos. E os “fiscais” para
verificarem tais medidas, poderão ser, como então o eram os das câmaras
municipais de TODO o País.
E também não seria displicente que o
Governo de Moçambique voltasse a instituir um “CONSELHO SUPERIOR de OBRAS
PÚBLICAS” ou órgão governamental semelhante com idênticas funções LEGAIS.
Note-se que em 1957, tinham assento nesse Conselho Todos os Engenheiros Civis
do Estado residentes em LMarques e mesmo alguns Engenheiros Civis Privados
convidados. Hoje, Moçambique até tem
catedráticos de ECivil. De certeza que,
nesse caso, não voltariam a suceder tragédias como a de agora na Beira se,
Projectistas COMPETENTES, tivessem projectado pontes ADEQUADAS para a travessia
rodoviária da Baixa do Púngué, onde o Estado Moçambicano, com apoios externos, gastou
tantos milhões de
dólares.
Abraço JBM
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