Miguel Boieiro (Presidente da Câmara Municipal de Alcochete) |
Provavelmente onde hoje se encontra a vila do Samouco teria
havido, em tempos idos, uma frondosa Myrica
faya, designação científica de um arbusto ou árvore que dá pelo nome
popular de “samouco”. É claro que isto não passa de mera suposição toponímica,
mas julgo que inteiramente plausível, apesar de não conhecer vestígios
palpáveis. Há tempos estive na praia da Samouqueira (Sines) e também não
vislumbrei quaisquer indícios da tal Myrica
faya ou Morella faya, como também
é designada. No entanto, encontrei quatro exemplares numa ravina da Arriba
Fóssil da Costa da Caparica, entre a Fonte da Telha e a Lagoa de Albufeira,
acossados pelo acacial que insiste em ocupar a Mata dos Medos – reserva
botânica única a nível nacional com três endemismos lusitânicos e quinze
ibéricos. Para além da Arriba Fóssil da Costa da Caparica, só encontrei
samoucos nas dunas de São Jacinto (Aveiro) e principalmente nas proximidades de
Vieira de Leiria (Marinha Grande). Talvez haja mais alguns na Área Protegida do
Sudoeste Alentejano.
A planta em questão, quase sempre um arbusto mas que em
condições propícias pode tornar-se uma árvore com dez metros de altura (a que
provavelmente estaria na freguesia do Samouco deveria ter essa envergadura,
dada a sua hipotética notoriedade), é originária da região biogeográfica da
Macaronésia (Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde). O topónimo Faial provém
claramente da abundância de faias-da-terra, faias-das-ilhas, ou samoucos, nessa
bela ilha açoriana, integrando a afamada flora Laurissilva. Aliás, a planta
está presente em todas as ilhas do arquipélago dos Açores. Face à sua beleza
ornamental, julga-se que pescadores de baleia açorianos a levaram para o
arquipélago do Havai, onde é reportada como espécie infestante, visto pôr em
causa a vegetação autóctone. Igualmente é considerada invasiva na Austrália e
na Nova Zelândia. Esse não é, todavia, o
panorama no continente português.
O samouco pertence à família das Myricaceae e à semelhança das leguminosas, pode fixar azoto da
atmosfera que armazena em nódulos nas suas raízes. Tem, por isso, o condão de
transformar solos pobres em solos azotados o que favorece a vinda de outras
espécies. Gosta de terrenos abrigados com humidade, junto do litoral.
Curiosamente, a espécie é considerada sub-dióica, isto é, há plantas só com
flores masculinas e outras só com femininas, mas, por vezes, existem exceções.
As folhas são verde-escuras, brilhantes, alternas, lanceoladas, coriáceas e
persistentes. Fazem lembrar, por vezes, as folhas do medronheiro. As flores
surgem na primavera em amentilhos carregados de pólen. Os frutos formam drupas
que se assemelham a amoras, sendo doces mas muito adstringentes, deixando a
língua “grossa” e tingida de azul. Em condições propícias, o samouco tem um
crescimento rápido.
Noutros tempos utilizava-se a madeira avermelhada e dura do
samouco para fabricar cabos de utensílios agrícolas e estacas. À semelhança das
acácias, a casca era utilizada na outrora florescente indústria dos curtumes,
devido à sua riqueza em tanino.
No que respeita à fitoterapia, sabe-se apenas que se fazia um
preparado dos frutos para combater o catarro.
A terminar, deixo um desafio aos botânicos encartados para
analisarem bem as condições de subsistência da aprazível Myrica faya e outro ao elenco da Junta de Freguesia do Samouco para
a considerar futuramente nos espaços ajardinados da progressista vila do
concelho de Alcochete.
Sem comentários:
Enviar um comentário