terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Samouco

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Miguel Boieiro
(Presidente da Câmara
Municipal de Alcochete)
Perante este título, talvez algum bloguista, por ventura mal-intencionado, tenda a especular: «agora que se aproximam eleições, lá está ele a deixar as plantas e a desviar-se para a política a fim de obter votos favoráveis à sua reeleição autárquica!» Engana-se todavia, porque o “samouco”, com que intitulo mais esta croniqueta, é deveras uma planta e não o nome duma autarquia local.
Provavelmente onde hoje se encontra a vila do Samouco teria havido, em tempos idos, uma frondosa Myrica faya, designação científica de um arbusto ou árvore que dá pelo nome popular de “samouco”. É claro que isto não passa de mera suposição toponímica, mas julgo que inteiramente plausível, apesar de não conhecer vestígios palpáveis. Há tempos estive na praia da Samouqueira (Sines) e também não vislumbrei quaisquer indícios da tal Myrica faya ou Morella faya, como também é designada. No entanto, encontrei quatro exemplares numa ravina da Arriba Fóssil da Costa da Caparica, entre a Fonte da Telha e a Lagoa de Albufeira, acossados pelo acacial que insiste em ocupar a Mata dos Medos – reserva botânica única a nível nacional com três endemismos lusitânicos e quinze ibéricos. Para além da Arriba Fóssil da Costa da Caparica, só encontrei samoucos nas dunas de São Jacinto (Aveiro) e principalmente nas proximidades de Vieira de Leiria (Marinha Grande). Talvez haja mais alguns na Área Protegida do Sudoeste Alentejano.
A planta em questão, quase sempre um arbusto mas que em condições propícias pode tornar-se uma árvore com dez metros de altura (a que provavelmente estaria na freguesia do Samouco deveria ter essa envergadura, dada a sua hipotética notoriedade), é originária da região biogeográfica da Macaronésia (Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde). O topónimo Faial provém claramente da abundância de faias-da-terra, faias-das-ilhas, ou samoucos, nessa bela ilha açoriana, integrando a afamada flora Laurissilva. Aliás, a planta está presente em todas as ilhas do arquipélago dos Açores. Face à sua beleza ornamental, julga-se que pescadores de baleia açorianos a levaram para o arquipélago do Havai, onde é reportada como espécie infestante, visto pôr em causa a vegetação autóctone. Igualmente é considerada invasiva na Austrália e na Nova Zelândia.  Esse não é, todavia, o panorama no continente português.
O samouco pertence à família das Myricaceae e à semelhança das leguminosas, pode fixar azoto da atmosfera que armazena em nódulos nas suas raízes. Tem, por isso, o condão de transformar solos pobres em solos azotados o que favorece a vinda de outras espécies. Gosta de terrenos abrigados com humidade, junto do litoral. Curiosamente, a espécie é considerada sub-dióica, isto é, há plantas só com flores masculinas e outras só com femininas, mas, por vezes, existem exceções. As folhas são verde-escuras, brilhantes, alternas, lanceoladas, coriáceas e persistentes. Fazem lembrar, por vezes, as folhas do medronheiro. As flores surgem na primavera em amentilhos carregados de pólen. Os frutos formam drupas que se assemelham a amoras, sendo doces mas muito adstringentes, deixando a língua “grossa” e tingida de azul. Em condições propícias, o samouco tem um crescimento rápido.
Noutros tempos utilizava-se a madeira avermelhada e dura do samouco para fabricar cabos de utensílios agrícolas e estacas. À semelhança das acácias, a casca era utilizada na outrora florescente indústria dos curtumes, devido à sua riqueza em tanino.
No que respeita à fitoterapia, sabe-se apenas que se fazia um preparado dos frutos para combater o catarro.
A terminar, deixo um desafio aos botânicos encartados para analisarem bem as condições de subsistência da aprazível Myrica faya e outro ao elenco da Junta de Freguesia do Samouco para a considerar futuramente nos espaços ajardinados da progressista vila do concelho de Alcochete.

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