Estamos a
assistir ao fim das grandes expectativas sociais que o próprio regime suscitou
há décadas e que tornou a sua razão de ser. A onda vai morrer na praia, mas na
ressaca poderá levar quase tudo.
O destino
do governo é este: de desastre em desastre, de caso em caso, sempre à espera
que nada se lhe pegue. Depois de Pedrogão-Grande, Tancos; depois de Borba,
Valongo. Mas a cada uma das infelicidades, temos sempre as mesmas suspeitas:
que não terá havido apenas infortúnio, mas falta de organização, de zelo, ou de
recursos, e que as autoridades não estão a dizer tudo. A incerteza e a
insegurança são os traços que melhor definem esta governação.
Obra da
oposição? Nunca um governo, desde 1976, teve tão pouca oposição em Portugal. A
extrema-esquerda, que atacou todos os governos, defende-o; o Presidente da
República, num regime em que os presidentes tendem a chocar com os governos,
coexiste em paz; e a liderança do PSD não parece ter outra vontade senão ajudar
o próximo governo de António Costa. Se há desconfiança, não é por causa da
tradicional verrina oposicionista, mas por causa da própria governação.
Para
perceber isso, temos de voltar ao princípio. O actual governo é uma jangada de
náufragos, onde se penduram desesperadamente partidos que, em 2015, perderam
uma eleição que todos lhes davam como ganha. Depois de os seus roteiros e
programas terem sido rejeitados há três anos, não têm ideias nem sabem para
onde vão. Uma manobra parlamentar não é um mandato eleitoral. Por isso, a sua
campanha para as próximas eleições começou no primeiro dia em que tomaram
posse. Era preciso que tudo corresse bem e fosse fácil. O governo de Passos
Coelho, durante o ajustamento imposto pela bancarrota socialista de 2011, teve
de dar más notícias. Mas Passos tinha ganho as eleições. O actual governo, até
para manter a coesão dos seus apoios parlamentares, só pode dar boas notícias.
Foi assim, por exemplo, que, apesar das cativações e da carga fiscal, a
austeridade foi oficialmente declarada extinta. Percebe-se, então, a
dificuldade com que nos confrontamos a cada acidente ou incidente: como
acreditar num governo que não se pode permitir olhar para problemas?
Há ainda
outra razão. O actual governo e os seus parceiros parlamentares convenceram-se
de que a clientelização do pessoal do Estado, através da concentração de
recursos em salários e regalias, seria o único meio de suscitarem o apoio
eleitoral que lhes faltara em 2015. O
reverso da medalha têm sido greves de funcionários, incentivados a exigir mais,
e uma escassez cada vez mais difícil de esconder em hospitais, em escolas ou
nos transportes. Nunca no tempo da “austeridade da troika” se sentira tal
degradação dos serviços públicos. É natural que todos os acidentes surjam, à primeira
vista, como possíveis sintomas dessa opção do governo.
A
oligarquia, no entanto, faz de conta que não está preocupada: a geringonça
alastrou a toda a classe política, e as sondagens são auspiciosas. Os
oligarcas, muito satisfeitos, cumprimentam-se uns aos outros por que “não há
extrema-direita”. Se fosse possível fechar um par de jornais, saberíamos o que
era a perfeição. Mais uma vez, somos um oásis, como fomos em 2008, por decreto
de José Sócrates, enquanto o mundo lidava com a recessão. Sabemos como acabou
dessa vez. Veremos como acaba desta vez. Mas dificilmente acabará bem. A
geringonça socialista, que está a engolir a classe política, é parte do
problema de uma sociedade que envelhece e de uma economia que não consegue
aproveitar as oportunidades para crescer à medida dos seus compromissos.
Estamos a assistir ao fim das grandes expectativas sociais que o próprio regime
suscitou há décadas e que tornou a sua razão de ser. A onda vai morrer na
praia, mas na ressaca poderá levar quase tudo.
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