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1- Deve-se
a este autor que hoje se escreva correctamente a palavra botelo, para onde
chamou a atenção em poema e prosa publicada no jornal da Casa de Trás-os-Montes
de Lisboa;
2- É
o género de poesia que incomoda os poderes. Durante anos esteve proibida em
regimes totalitários, cujos exemplos maiores serão Ana Akhmatova e Óssip
Mandelstam.
Os
impérios não se conquistaram apenas pela espada. Nesse tumulto de lutas,
batalhas e guerras, a palavra escrita não foi menos importante do que a espada.
Alexandre
que conquistou o império que é conhecido de todos em 13 anos, carregava sempre
consigo três objectos. Um punhal para evitar que lhe sucedesse o mesmo que a seu
pai, assassinado em público, uma caixa que havia adquirido ao Rei dos Persas,
onde estava guardado o terceiro objecto - um exemplar da Ilíada.
Alexandre
tivera como professor um dos mais ilustres atenienses e um dos grandes sábios
gregos: Aristóteles, que lhe havia incutido o gosto por Homero. Aliás, como era
normal em todo o Grego. A Ilíada e a Odisseia, eram, aliás, textos fundadores
para todo o mundo grego. Na ilíada, Alexandre tomara conhecimento das façanhas
de Aquiles. Quando inicia a sua campanha, a primeira paragem que faz é em Troia.
Assurbanipal
também percebeu o poder da escrita e da literatura. Embora tenha tomado o poder
pela espada, conservou-o pela escrita. Ele próprio se tornou um escriba, com
maior competência do que os seus escribas profissionais (os sacerdotes),
tornando-se um exímio leitor de outro texto fundador, o épico sumério de
Gilgameš.
Esdras,
depois de regressado do exilio babilónico, deu origem a uma Nação, através das
escrituras do rolo.
E
na dinastia Tang (618-907 d.C.), aclamada pelos historiadores como a época de
ouro da China, o Imperador Tai Tsug unificou o seu império através dos
burocratas que seleccionava em exame (caso único em todo o mundo), através de
provas sobre o clássico de Confúcio. O exame imperial, uma instituição para
todos que iria durar, sob uma outra forma, até 1905, e que indirectamente
inspirou a criação do sistema de exames SAT nos Estados Unidos da América.
Quando o império romano ruiu estava instalada
na Península Ibérica, a língua que os soldados e os colonos romanos haviam
trazido – o latim vulgar (o latim do
limes – de fronteira), que se foi transformando num falar chamado Romance. Falar romance era “falar à
maneira dos Romanos”, Diversificando-se pelas várias regiões da Península, no
noroeste desta, na Idade Média, veio a transformar-se no galego-português que nesta época era a língua da poesia peninsular,
disseminada nos textos dos trovadores, dando inicio à literatura portuguesa nas
cantigas de carácter lírico, sentimental e satírico. Manifestações literárias
inspiradas numa cultura oral de origem popular.
Os
trovadores, poetas medievais,
compunham poesia por comprazimento pessoal e gosto pela galanteria cortesã.
Destacou-se neste grupo o nosso Rei Dom Dinis.
Por
outro lado, os jograis (na Península
Ibérica, também conhecidos por segréis), eram de condição inferior
aos trovadores que cantavam música e poesia alheia. Actuavam publicamente em
locais de peregrinação, feiras e até nos castelos senhoriais. Eram idolatrados
pelo Povo, porque era dele que vinham. Eram um misto de saltimbancos e cantores,
que incluíam nas suas actuações de rua ou de corte, as cantigas dos trovadores.
Na sua maioria eram transmissores e divulgadores. Contudo, houve alguns que se
tornaram criadores poéticos.
Em
Trás-os-Montes há notícias desta gente, sobretudo nas terras do Barroso,
estudados por José Dias Bapista: João de Lobeira, Martim Peres Alvim, Dom Pedro
Gomes Barroso (trovadores) e Pero Larouco e Martim de Padroselos (jograis).
Os
elementos mais característicos da primitiva lírica medieval peninsular são o
paralelismo[1], o
refrão e a voz feminina. São elementos originários da tradição oral popular,
dos quais os trovadores se apropriaram.
Esse
processo de composição origina a repetição de versos, embora sejam
acrescentadas variantes ao longo da cantiga.
Por
essa altura desenvolvia-se na Provença (sul de França), um lirismo pujante,
requintado, em que a mulher é divinizada e o amor poetizado, como um bem a
alcançar. É o chamado amor cortês, sofisticado, orientado por um código de
comportamento que irá influenciar os trovadores peninsulares e a sua poesia de
inspiração local, mais simples e menos convencional. Este contacto deu-se por
vários meios: as peregrinações (Santiago de Compostela), séquitos nupciais
aquando de casamentos entre cortes (o caso da rainha santa com Dom Dinis).
Os
trovadores peninsulares foram ainda influenciados pelo lirismo árabe-andaluz
(habitantes na Península), assunto chamado à liça por António Borges coelho
(natural de Murça), em Portugal na
Espanha Árabe.
Estas
cantigas foram guardadas em três grandes cancioneiros (colecções de cantigas).
O Cancioneiro da Ajuda, o Cancioneiro da Vaticana e o Cancioneiro da Biblioteca
Nacional. O Cancioneiro das cantigas de Santa Maria de Afonso X, rei de
Castela, é de tema religioso, não podendo ser incluído na temática destes.
Existem
três tipos de cantigas:
As
de Amor,
as de Amigo e as cantigas satíricas. É neste último
conjunto que se inclui a poesia de Flávio.
A
sátira é a crítica de costumes e, mais restritamente, do próprio meio
trovadoresco e dos seus agentes, como um dia indicaram Mário Fiúza e Olívio de
Carvalho.
Esta
vertente da poesia trovadoresca concretiza-se nas Cantigas de escárnio[2]e
maldizer[3].
A bem dizer, a poesia de Flávio entronca nestas vertentes: no escárnio e no
maldizer. Sem ligeireza, Flávio, com uma escrita primorosa e erudita, é mordaz
e perspicaz quando zurze em gente sonante da nossa praça.
Como
os trovadores medievais, Flávio, ora crítica de um modo encoberto, através da
sugestão irónica; ora toma a dianteira numa crítica individualizada. E ao
contrário dos trovadores medievais, Flávio também aborda problemas gerais.
Desde
então, a linguagem passou por um processo de transformação e evolução,
contribuindo para a transformação estrutural da copla. Contudo, o verso
manteve-se. Como se manteve a sua medida (Metro) e a contagem dos sons do verso
(escansão), sabendo que as silabas métricas, ou poéticas, em alguns aspectos,
diferem das sílabas gramaticais[4].
A
Flávio vemo-lo usar, por exemplo, o Heptassílabo, verso com sete sílabas
métricas, também conhecido como redondilha maior; o Octossílabo, verso com
oito sílabas métricas e por aí adiante.
Mas
sobre isto nada mais adiantamos, que o poeta sabe muito mais do que nós. A nós
interessou-nos a métrica, o ritmo, a musicalidade, bem como o conteúdo.
Este
volume de Flávio, divide-se em nove pequenos grupos de poemas. Apresenta-nos o
seu Bilhete
de Identidade, e logo nesses 12 versos deparamos com a crítica directa
e aberta a um político sonante pelas vigarices em que está envolvido, ao modo
das cantigas de Maldizer. Como é directo na crítica feita em poemas como Alma
Penada (29), Tomates (31). No primeiro atira uma
critica corrosiva a José Sócrates e no segundo, visa o mesmo e António Costa.
Mas
nas de Maldizer poderemos chamar à colaça, o poema Raríssimas
(68-69), Prò Menino e prà Menina (81) ou Relato de um Assalto (76
e 77).
Nas
de Escárnio
chamamos a atenção para os poemas seguintes: Como Vai a Educação (62,
63 e 64), Assim se Deputa (65), A Filha Degenerada (66 e 67), Impureza
(78).
Irónico,
sem dúvida, na pequena quadra, Adivinha (25), que nos recorda
António Aleixo, em “Pinócrates” (26 e 27), utilizando palavras identificadoras, ou
em Os Afectos (17) e Se os Afectos Dessem Pão (20).
Aos
costumes dedica a político sonante da praça “Palavra Dada É Palavra Honrada”
(35) ou Cu, Cu (40). E ainda nesta vertente, Flávio é cáustico na
crítica ao carácter em Sugestão Demoníaca (38), Rimance
das Aventuras do Costa com o Diabo (41), ou mesmo a pequena quadra Mata,
Mata (49), que nos lembra ditado antigo indiano (ou moçambicano?). Mas
neste caso, que tal A Mulher de César (56 e 57), ou Três Tristes Trauliteiros (58
e 59)?
Mas
Flávio por aqui não fica. Além da nata local, também as Escórias globais são aqui
retratadas pela pena do poeta.
Mas
Flávio não entronca apenas nesta poesia de tradição popular medieval de
trovadores e jograis, o poeta transmontano, com a erudição que se lhe reconhece
vai muito mais longe, muito mais atrás. Traz-nos Homero (o Pai como lhe chamavam os
Antigos), aquele que está na origem da poesia da nossa raça. A fonte
inesgotável a que todos os poetas da Europa (e escritores como Joyce) vão beber
há três mil anos. E como o poeta cego, Flávio é económico e musical. Como o é
toda a grande poesia, aquela que exercita a memória, como nas escrituras
hebraicas cujos elementos prosaicos são animados pelo ritmo do verso. Tendem
para o canto quando lidos em voz alta. Flávio é transparente e lúcido, vivo,
clarividente. Claro na linguagem e nas ideias. Cada palavra isolada atrai todo
um grupo de ressonâncias magnéticas harmónicas e melódicas. Cada som, cada
pausa, a extensão de cada verso, contam para o ritmo do verso.
E,
chamado à liça Homero, não podíamos terminar sem incluir o poeta transmontano,
na tradição Antiga de Aristófanes, também ele cáustico na crítica aos costumes.
Um dos poemas de Flávio que no-lo lembram intitula-se Os Sabores do Costa (46 e
47), que de seguida se lê:
“2017 foi um ano
saboroso”
(António Costa)
Os gostos não se discutem,
os sabores também não;
as coisas da Natureza
aceitam-se como são.
Há, porém, que distinguir,
de forma clara e segura,
os sabores naturais
daqueles contranatura.
Porque em gostos e sabores
também há patologias;
há quem goste de excrementos,
sofra de coprofagias.
Quanto aos sabores do Costa,
em qual das categorias
os devemos colocar?
Vejamos as iguarias
de que em 2017
ele disse mais gostar:
os incêndios de Pedrógão,
os roubos do armamento,
as festas do Panteão,
o mafioso documento
em que os partidos forjaram
o próprio financiamento;
a reinadia excursão
dos galpistas futeboleiros,
a insensata tentativa
de levar o Infarmed
para a terra dos tripeiros;
legionella
em hospitais,
escândalo da Raríssimas
e outras viandas iguais,
anormais, esquisitíssimas.
Com tão estranhos sabores,
Não se espantem se amanhã
Ouvirem dizer que o Costa
Saboreou uma bosta
E lhe soube a pudim flan.
Armando Palavras
(proferido na sede da
Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro de Lisboa em 13 de Dezembro de XVIII)
(Flávio Vara/ Currículo)
(Ver badanas do livro e ainda
estas achegas)
· Naturalidade
Freguesia de Rio Frio (Concelho de
Bragança, aldeia raiana entre Bragança e Miranda).
· Escolaridade
Ensino primário e secundário
em Trás-os-Montes.
Ensino Superior em Coimbra
e Lisboa. Licenciatura em Filologia Clássica, com distinção e com a tese
“Virgílio e a Écloga Portuguesa Quinhentista”, que lhe mereceu o prémio “Prof.
Simões Neves”.
· Vida Profissional
Ensino: - Liceu Nacional de Vila
Real;
-
Faculdade de Letras de Lisboa.
Investigador
do INII (Instituto Nacional de Investigação Industrial).
Actividade privada: -
Gestor e Formador de pessoal na empresa Profabril.
Assessor: No Ministério da Indústria e Energia.
· Trabalhos Literários e de Investigação Sociológica
Literários:
- O Espantalho da Praxe
Coimbrã;
- Virgílio e a Écloga
Portuguesa Quinhentista;
- A Bem Soada Gente;
- A Nata do Povo;
- Prefácio do livro
“Cantares”, de José Afonso (Edição clandestina no tempo
da ditadura);
- Colaboração em
diversas publicações periódicas (jornais, revistas literárias
e científicas).
Sociologia
Industrial:
- “Adaptação do
Trabalhador de Origem Rural à Vida Industrial e Urbana
(de colaboração com Isabel Barreno, uma das Três Marias).
- “Os Aprendizes da Indústria Metalúrgica e Metalomecânica – Motivações
e Atitudes”;
- “O Método dos Casos na Formação em Administração de Empresas”.
[1]
O que define o paralelismo (que se encontra na poesia popular de todo o mundo)
é a repetição de versos de estrofe (copla) para estrofe, segundo um esquema
determinado, que acarreta repetições a outros níveis: vocabular, semântico,
sintáctico, fónico e rítmico.
[2]
Nas Cantigas de escárnio a crítica é feita de modo alusivo, encoberto, através
da ironia.
[3]
Nas Cantigas de Maldizer a crítica é directa e aberta.
[4]
Para contar corretamente as sílabas poéticas, deve-se seguir os seguintes
preceitos:
1) Não se contam as sílabas
poéticas que estejam após a última sílaba tónica do verso
2) Ditongos têm valor de uma só
sílaba poética.
3) Duas ou mais vogais, átonas ou
até mesmo tónicas, podem fundir-se entre uma palavra e outra, formando uma só
sílaba poética.
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