quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Fomos mortos por sermos ucranianos

Vitima de Holodomor numa rua

INNA OHNIVETS – jornal Público
15 de Novembro de 2018


Acreditamos que o mundo precisa de conhecer a verdade sobre o Holodomor, pois tal conhecimento evitará tragédias no futuro.

Desde a proclamação da Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, de 9 de dezembro de 1948, passaram quase 70 anos. Mas, ainda hoje, massacres em massa e genocídios são perpetrados em diferentes partes do mundo.
De acordo com o Artigo 2.º da referida Convenção, genocídio significa qualquer um dos referidos atos cometidos com a intenção de aniquilar, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso como tal, em particular, por meio da criação deliberada de condições projetadas para a destruição física total ou parcial desse grupo.
Foi o caso em 1932-1933, altura em que o regime soviético cometeu genocídio contra a nação ucraniana por meio da provocação de uma fome em massa, conhecida como Holodomor.
Raphael Lemkin, autor do conceito de "genocídio" e pai da Convenção acima mencionada, destacou "a destruição da nação ucraniana" como "um exemplo clássico do genocídio".

Vitimas de Holodomor numa rua

Em 1953, Raphael Lemkin apresentou o relatório "Genocídio Soviético na Ucrânia" perante uma audiência de 3000 pessoas, reunida no Manhattan Center, em Nova Iorque, para comemorar o 20.º aniversário da Grande Fome de 1932-1933. "Isto não foi apenas um assassinato em massa. Trata-se de um genocídio, um extermínio não apenas de indivíduos, mas também de uma cultura e de uma nação", disse ele na época. Lemkin descreveu o Holodomor como "um exemplo clássico do genocídio soviético, da sua mais longa e mais ampla experiência de russificação – o extermínio da nação ucraniana".

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Para a Ucrânia, a questão da prevenção do crime de genocídio é de particular importância. Durante quase 60 anos, os ucranianos estavam proibidos de lembrar os seus parentes que morreram famintos durante o Holodomor. É por isso que o mundo está tão pouco ciente de um crime tão brutal e massivo, cujas vítimas ultrapassaram os sete milhões de pessoas.
A Federação Russa, que é o sucessor da URSS e que oficialmente nega a natureza genocida do Holodomor, realizou em 2014 uma invasão militar no território da Ucrânia.
Hoje, nos territórios da Ucrânia ocupados pela Rússia, testemunhamos a perseguição de ucranianos devido à sua língua materna e à manifestação de opiniões comunitárias e sentimentos pró-ucranianos. As autoridades da Rússia impuseram um tabu de ferro à verdade sobre o Holodomor e reavivaram o culto do ditador Stalin. Tais tendências causam apoquentação e alarme.
O Holodomor levou milhões de vidas, passou por quase todas as famílias ucranianas: algumas famílias ficaram pela metade, outras por um terço, e algumas não sobreviveram de todo. Durante décadas, os ucranianos tentaram esquecer o horror de 1933, tanto pela dor traumática, como pelo medo de pôr em risco os seus filhos, uma vez que quem falasse sobre o Holodomor era castigado.
Na Ucrânia, o primeiro ato legal que qualificou o Holodomor como um ato de genocídio foi a Lei "Sobre o Holodomor de 1932-1933 na Ucrânia", adotada pela Verkhovna Rada a 28 de novembro de 2006.
Este ano, aos países que reconheceram a nível parlamentar o Holodomor de 1932-1933 como genocídio contra o povo ucraniano, juntam-se os Estados Unidos, tendo o seu Senado aprovado a resolução correspondente a 4 de outubro. É de assinalar que, em março do ano passado, a Assembleia da República portuguesa também aprovou dois votos, um de condenação, “Reconhecimento do ‘Holodomor’ – Grande Fome de 1932 e 1933, ocorrida na Ucrânia”, e outro de homenagem às vítimas da Grande Fome na Ucrânia, o que é um contributo muito importante para a preservação da memória desta horrível tragédia.
Acreditamos que o mundo precisa de conhecer a verdade sobre o Holodomor, pois tal conhecimento evitará tragédias no futuro. Como prova a experiência mundial, negar genocídios ou ignorá-los é um fenómeno extremamente perigoso que não pode ser descurado.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

Embaixadora da Ucrânia em Portugal

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