Schmidt mostrou-nos números, dados e resultados e as suas conclusões são
simplesmente o contrário do que tem frequentemente surgido em debates que não
são baseados em factos, mas apenas em ideologia.
Na semana passada esteve em Portugal um conhecido especialista em estudos
estatísticos de educação. Na sua bagagem, William Schmidt, diretor do centro de
política educativa da Universidade de Michigan, trouxe consigo resultados muito
interessantes para o nosso país. Em particular, apresentou-nos uma súmula das
conclusões que recentemente retirou da análise dos elementos do estudo
internacional PISA, da OCDE, e da evolução do nosso país.
No debate organizado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos no Auditório
do Liceu Camões, Schmidt mostrou números, dados e resultados de estimações
estatísticas, enfim, o que deveria ser natural quando se discute educação. As
suas conclusões são simplesmente o contrário do que tem frequentemente surgido
em debates que não são baseados em dados, mas apenas em ideologia.
Schmidt estudou a origem das desigualdades nos resultados da educação,
medindo estes pelo desempenho dos alunos nas questões do inquérito PISA.
Concentrou-se em Matemática e portanto nos jovens de 15 anos de idade, que são
os inquiridos nesse estudo. Dividiu as causas dessas desigualdades em dois
fatores: a origem social e o ensino fornecido pela escola. E distinguiu o
efeito direto das origens sociais do efeito indireto das origens sociais
mediado pela escola, isto é, grosso modo, do ensino proporcionado pelas escolas
para os estudantes de diferentes estratos sociais.
Uma das suas conclusões é que, em geral, nos países desenvolvidos, a origem
social é menos importante (45%) do que as oportunidades de aprendizagem que são
proporcionadas pela escola (55%). Nos países em desenvolvimento passa-se o
inverso, isto é, a origem social é mais importante (55%) do que o ensino
proporcionado pela escola (45%).
Curiosamente, olhando a matemática até 2012, altura em que o PISA incidiu
especialmente sobre esta disciplina, Portugal, que é economicamente um país
desenvolvido, encontrava-se subdesenvolvido no que respeita à educação. Ou
seja, em Portugal a escola não era até então capaz de compensar pela educação a
origem social dos mais desfavorecidos no mesmo grau em que a escola o consegue,
em média, nos países com os quais o nosso habitualmente se compara.
E William Schmidt disse mais. Pelo seu estudo comparativo internacional,
afirmou que isso em parte significativa se devia a seguirmos então, em
Portugal, um currículo pobre e pouco rigoroso no que à matemática se refere. Ou
seja, acrescento eu, a introdução em 2012 de metas curriculares mais exigentes
teve toda a razão de ser.
Se não se tivesse registado uma descontinuidade na política educativa de
exigência curricular, se entretanto não se tivesse pensado que os nossos alunos
não merecem aprender mais e não se tivessem introduzido “aprendizagens
essenciais” e uma “flexibilidade curricular” que infantiliza o currículo, se
tudo isso não tivesse acontecido, que se poderia esperar? O próximo inquérito
PISA dedicado à Matemática, em 2021, iria mostrar uma evolução das nossas
escolas na redução da desigualdade social no ensino da matemática. E imagina-se
que teríamos boas notícias.
Mas não precisamos de especular. Entretanto, o último inquérito TIMSS já
mostrou que os nossos jovens tinham atingido em 2015 um nível de conhecimentos
de matemática muito superior. Para isso contribuíram muitos factores, a começar
pelo empenho dos professores e pelo estímulo de termos na altura Provas Finais
para o 4.º ano. Mas a exigência das metas curriculares não pode deixar de ter
ajudado, e muito. Sem ambição não se progride. Em matemática do 4.º ano
ultrapassámos a Finlândia.
Será que isto não interessa?!
A segunda novidade do estudo de William Schmidt refere-se à pedagogia. Em
todas as disciplinas, mas talvez com mais acuidade em matemática, discute-se
repetidamente se o ensino deve ser baseado em aplicações diretas ou se deve
elevar-se na abstração e rigor. Em Portugal, estes debates têm sido muito
acesos.
Há quem defenda que o ensino de cada disciplina, em particular da
matemática, deve ser orientado a partir de problemas concretos e de aplicações,
seguindo temas da vida diária e temas interessantes para os alunos. Assim, o
empenho e iniciativa dos alunos para a dita construção do seu próprio
conhecimento seria preponderante; enquanto a abstração seria alcançada de forma
não forçada e apenas onde absolutamente necessária.
Em contrapartida, há quem defenda que o ensino deve recorrer a exemplos e a
aplicações, mas que a linha condutora deve ser guiada pela própria estrutura
lógica da disciplina e que a abstração é necessária para elevar os alunos a
formas superiores de compreensão. De outra forma, cada disciplina seria
reduzida a uma coleção de conceitos, quando não de truques e casos
particulares, fazendo afinal apelo à memorização acrítica.
Como é evidente, o bom professor recorre sempre a exemplos e aplicações,
tal como recorre à formalização e à abstração. A polémica está em onde se deve
começar e onde se deve ter o foco e o fio condutor da disciplina: na sua lógica
ou nos exemplos de aplicação?
Tal como seria de esperar, o estudo de Schmidt mostrou que tanto a introdução
de exemplos e aplicações como os problemas e exercícios baseados na
formalização ajudam a aprendizagem da matemática. Mas o mais interessante vem
em seguida: a partir de certa dosagem, os problemas concretos deixam de ajudar
e passam a ser prejudiciais para a aprendizagem, enquanto que a formalização e
abstração ajudam sempre a compreender a disciplina.
Mas pode ir-se mais longe: o que significa compreender? Naturalmente, a
abstração e a exigência formal ajudam a compreender a abstração e o formalismo.
Também naturalmente, as aplicações ajudam a compreender as aplicações. O que é
mais importante, a formalização ou a aplicação?
Aqui surge uma resposta talvez surpreendente: mesmo para compreender as
aplicações, o formalismo matemático é sempre positivo, enquanto a persistência
no estudo das aplicações prejudica a capacidade de aplicar os conhecimentos a
situações concretas.
Interessante, não?!
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