domingo, 2 de setembro de 2018

Sabes muito...



Miguel Esteves Cardoso – Público

Por baixo das vigarices do "sabes muito" está sempre um desejo (precisamente) baixo.


Na expressão "sabes muito..." são as reticências que mais falam. Porque em português não há elogios de borla. É verdade que quando me dizes "sabes muito..." estás a confessar que ficaste surpreendido com o muito que eu sabia e que isso produziu em ti um novo respeito pelos meus conhecimentos.
Mas também estás a dizer que tu ainda sabes mais do que eu e que é por isso que a minha tentativa de te ludibriar falhará sempre. "Sabes muito...mas a mim não me enganas!"
O saber em questão é estritamente matreiro. É um saber de golpes, fintas, encenações e aldrabices. São vinte seis volumes de manhas, todos dedicados a métodos para enganar o próximo.
Este saber é muito valorizado - mais do que os outros saberes. É por isso que tu sais-te melhor do "sabes muito..." do que eu. Se o "sabes muito..." fosse colocado na primeira pessoa seria "eu sei tudo o que há a saber sobre trapaças e fingimentos mas reconheço que tu também não és nada mau nestas coisas".
O "sabes muito..." está relacionado com o "perguntas bem" que em tempos já discuti. No "perguntas bem" elogia-se a pertinência do perguntador, implicando que merecia uma resposta à altura mas lamentando que o respondedor, infelizmente, não é capaz de dá-la.
"A que horas abre o banco?" E responde-se "perguntas bem. Não faço ideia".
Por baixo das vigarices do "sabes muito" está sempre um desejo (precisamente) baixo. Enganas-me para me dar a volta, para me seduzir, para disfarçar a tua preguiça ou ganância ou amor ao alheio.
E a inocência é saber pouco.

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