quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Os professores dos nossos netos

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João  Cerejeira
Miguel  Portela
Portugal pagou caro, em termos do seu desenvolvimento, medidas que contribuíram para diminuir a qualidade do corpo docente.

             Jornal Público

Os dados constantes nas Estatísticas da Educação 2016/2017 mostram que 60% dos professores do pré-escolar ao secundário têm 45 ou mais anos de idade. Ou seja, cerca de 96 mil, mais de metade dos docentes atuais, vão-se aposentar ao longo das próximas duas décadas. Apesar da diminuição expectável do número de alunos, é de esperar que o ritmo de recrutamento de novos professores aumente, com maior expressão no ensino público, pois é neste que o envelhecimento da classe docente é mais pronunciado – neste sistema apenas 3% têm idade inferior a 35 anos.
É reconhecido que nenhum sistema educativo pode ser melhor do que os seus professores. Um artigo recente de Eric Hanushek, Marc Piopiunik e Simon Wiederhold, investigadores na Universidade de Stanford e da Universidade de Munique, publicado na prestigiada revista The Journal of Human Resources, mostra que as competências cognitivas médias dos professores em alguns dos países com melhores resultados nos testes internacionais PISA, que medem o desempenho dos alunos, caso do Japão e da Finlândia, são superiores à média das competências cognitivas dos adultos com mestrado ou doutoramento no Canadá (país usado como referência). Em contraste, as competências cognitivas dos professores de países como a Itália ou a Rússia, cujos alunos obtêm pior performance nos testes PISA, estão, em média, ao nível de um canadiano com um curso pós-secundário não superior. Infelizmente, os dados usados neste estudo para medir as competências cognitivas em literacia e numeracia dos adultos (o teste PIACC) não incluem informação para Portugal, uma vez que o nosso país não participou na última edição do estudo (2011-2012). As conclusões apresentadas no estudo são claras e robustas: quanto maior for a capacidade cognitiva do professor melhor será a capacidade cognitiva dos alunos, nomeadamente para alunos oriundos de meios mais desfavorecidos para os quais o contexto familiar não compensa eventuais falhas nas aprendizagens obtidas na escola.
É, pois, necessário planear o acesso à profissão docente, de forma a garantir a existência de muito bons professores porque deles depende o futuro da educação, enquanto base do desenvolvimento social e económico. Porém, os dados que temos quanto ao futuro são preocupantes: de acordo com o estudo da OCDE Effective Teacher Policies, divulgado em junho deste ano, apenas 1,3% dos jovens portugueses que desejam prosseguir estudos no ensino superior têm como objetivo seguir a profissão de professores, tendo a maioria destes desempenhos abaixo da média. Estes números estão de acordo com os resultados do concurso nacional de acesso ao ensino superior. No ano passado, das 789 vagas existentes no ensino superior público para licenciaturas em Educação Básica, requisito para aceder aos mestrados profissionalizantes de acesso à docência do pré-escolar ao 2.º ciclo do ensino básico, 82% estavam em pares curso-estabelecimento com nota mínima de entrada inferior a 13 valores e 37% com nota mínima inferior a 11 valores! Como refere o relatório do Conselho Nacional de Educação sobre a condição docente, “...o declínio do reconhecimento e da imagem social dos docentes enfraquece as aprendizagens, o ensino e a sociedade”.
É, pois, claro que o reforço do prestígio e da cultura profissional docentes tem impacto na melhoria das aprendizagens, não só dos alunos atuais, mas também nos alunos futuros. Para ter bons professores, é preciso atrair os melhores alunos para a profissão pelo que é urgente uma estratégia para restaurar a confiança dos docentes e valorizar socialmente a sua função. Uma importante componente desta estratégia será quanto ao método de seleção e recrutamento de professores. Vários estudos indicam que os sistemas educativos com níveis elevados de desempenho recorrem a provas de seleção dos candidatos a professor, em conjunto com métodos de avaliação das competências profissionais dos docentes durante um período de indução ou probatório. No caso português, o Estado prescindiu do direito de selecionar os candidatos à docência. O recrutamento depende essencialmente de uma classificação ordenada a nível nacional, determinada pela média final do curso e pelos anos de experiência. Em momento algum estão previstas entrevistas com os responsáveis das escolas para aferir a motivação e a adequação dos candidatos à docência, corresponsabilizando no processo as escolas e os professores, como no caso da Bélgica, Dinamarca, Estados Unidos, Holanda, Hungria, Islândia, Israel, República Checa e Suécia, ou provas de âmbito nacional nos domínios da literacia e numeracia, existentes num grupo significativo de países europeus.
Conclui-se, assim, que se há área de política pública com impacto no muito longo prazo é esta. Portugal pagou caro, em termos do seu desenvolvimento, medidas que contribuíram para diminuir a qualidade do corpo docente. Da expulsão dos jesuítas pelo Marquês do Pombal, ao recurso aos regentes escolares pelo Estado Novo, a quem se exigia apenas o exame da quarta classe, o nosso país caiu várias vezes no mesmo erro. Pensar o país do futuro é pensar que os nossos netos serão ensinados pelos jovens que hoje procuram a profissão docente.
Os autores escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico
Economista, Universidade do Minho
Economista, Universidade do Minho
 12 COMENTÁRIOS
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1.     
  Alhos Vedros, Setubal, Portugal - Barreiro, Portugal06.08.2018 19:04
Quando estive na Faculdade de Ciências, no curso de Matemática Pura nos finais dos anos 80, pude constatar o seguinte: muita gente entrou para Matemática porque tinha a nota de entrada mais baixa na expectativa de pedir transferência para outro curso; havendo encontrado na altura apenas duas opções no terceiro ano, a via Ensino (tornar-se professor(a)) ou a via Científica - sendo esta última bastante difícil, muita gente que não chegou a mudar de curso seguiu a primeira, o Ensino. Resumindo, fiquei com a sensação que saíram dali muitos e muitas docentes que foram parar a Matemática porque sim, e foram para professores porque não. Muita gente também lá estava por gosto e vocação, claro. Mas...
2.     
  Terra 06.08.2018 17:46
O problema da qualidade dos professores está a montante: na formação e na forma de recrutamento. Relativamente aos do 1.º ciclo, fase crucial dos alunos, ao lado de boas escolas de formação, foram instituídas escolas muito más. Há 20/30 anos, era normal alunos com média de 10 no 12.º ano entrarem em institutos de formação de docentes de nível duvidoso, de onde saíam com médias altíssimas. Quando concorriam, ficavam à frente dos colegas formados em escolas mais exigentes e que exigiam média de entrada mais elevada. Nos concursos nacionais, estes últimos ficavam sistematicamente atrás dos 1.º. Muitos desses, são os que agora anseiam pela reforma. A solução radical para promover a qualidade dos docentes é pagar-lhes bem, fazer o recrutamento a nível de escola e testá-los seriamente.
1.     
  06.08.2018 20:01
Apenas discordo em absoluto da ideia de recrutamento a nível de escola. Isso seria escancarar as portas à corrupção e ao compadrio (quem recruta quem faz o recrutamento? ou por outras palavras, Quem guarda o guarda). A avaliação dos professores tem de ser objetiva, transparente e anónima, enquanto não perceberem isso, não vamos a lado nenhum.
3.     
  Figueira da Foz 06.08.2018 15:39
O motivo pelo qual os professores estão velhos não tem nada de misterioso. A carreira premeia a idade em detrimento do mérito. Um novo professor fica sempre colocado atrás dos antigos em qualquer concurso, mesmo que o novo seja o melhor professor do mundo e o antigo seja uma nódoa. Se somarmos a isso uma diminuição demográfica do corpo discente, que impede a expansão do corpo docente, antes o contrai, é matematicamente óbvio que só lá ficam os mais velhos e que os mais novos não têm lugar. Para que entrem professores novos, é necessário que a taxa de encolhimento do sistema seja inferior à taxa de aposentação. Por isso, se querem ver professores novos, sujeitem os antigos a concursos baseados no mérito e na avaliação.
1.     
  Terra06.08.2018 17:30
Os seus argumentos não são simplistas, são simplórios. Isso que escreve é fácil de teclar, mas difícil de levar à prática. A começar pelo facto de que há (e aprenda isto de uma vez) avaliação e que a progressão da carreira depende dela. Depois, que a avaliação pode trazer muitas injustiças e sei do que falo porque estou envolvido no processo de avaliação de docentes. Pode-se é discutir se o actual modelo de avaliação está bem desenhado e visa a melhoria do desempenho. Não é o caso: foi feito para evitar progressões na carreira e não pagar aos professores o que estes contrataram com o Estado quando iniciaram a carreira.
2.     
 Figueira da Foz 06.08.2018 17:58
É triste que os argumentos dos professores dos meus filhos comecem pelo insulto e não pela argumentação. Pois, pode mandar a areia que quiser para os olhos aqui do simplório quando ambos sabemos que só uma das progressões é que depende da avaliação e quando se tentou por uma verdadeira avaliação a andar, vieram os professores em peso para a rua. Agora, com números, diga-me quanto vale num concurso um ano de serviço e quanto vale um valor de média final. Diga-me quantos professores foram despedidos por incompetência e ignorância, pois só eu conheço vários que o mereciam. E diga-me quantos jovens professores talentosos trabalham hoje fora do sistema de ensino, pois não têm a mínima hipótese de um lugar enquanto outros colegas bem mais incompetentes não se reformarem.
3.     
  06.08.2018 20:04
Sim e desse modo acaba o mito de que os novos são melhores que os velhos e vice-versa. uma vez que o mérito não está indexado à idade. A idade traz experiência e maturidade, mas nem todos os mais velhos são prova disso.
4.     
  Covilhã 06.08.2018 14:14
Contributos para ajudar a perceber a fuga dos cursos que habilitam professores: - após 26 anos de ensino de matemática, estou no 4º escalão dos 10 da carreira; - quando iniciei a carreira o ministério da educação prometeu que, nesta altura, eu estaria no topo dessa carreira; - em 2000 perguntei em turmas do 10º ano, quantos alunos pretendiam seguir a profissão/missão de professor, um terço (repito um terço) levantou o braço; - em 2018 fiz o mesmo, nenhum braço se levantou; - após 26 anos de carreira, muitos dos quais a trabalhar mais de 50 horas semanais para a escola (não em acumulações que aumentam o ordenado), ganho 1250 euros líquidos mais o subsídio de alimentação; - juntem políticos medíocres, incompetentes e corruptos a denegrir os professores; Querem que professores para os netos?
1.     
  06.08.2018 20:09
Vão ter os professores que merecem. O problema está no pedagogismo que contagiou o mundo ocidental e criou a representação social da atividade docente como sendo uma atividade venal, como o nível cultural dos políticos não é famoso (veja-se como adquirem títulos académicos pelo mundo fora) não valorizam o conhecimento e os seus agentes. Na Inglaterra chegaram ao descalabro de ir contratar professores à Índia porque eram falantes de inglês
5.     
  06.08.2018 10:54
Os senhores professores de hoje não são só velhos, desconsiderado, mal pagos, destratados pelos poderes públicos, agredidos até fisicamente em ambiente escolar, abusados por acrescento de tarefas não docentes só para castigar, ofendidos publicamente para serem ostracizados. Para além de tudo isso que não é pouco, são um grupo profissional dos que mais contribuiu para as esbónia de salvar bancos falidos pelos excelentes gestores do PS, PSD, CDS. Por último são eles os responsáveis pela formação da população escolar melhor preparada de sempre segundo os critérios PISA. Tudo isto atrapalha, não por muito tempo, o objetivo estratégico de PS, PSD, CDS acabarem com o ensino inclusivo e com o ensino público universal e obrigatório. Os nossos netos se tiverem com que pagar terão professores!
1.   
  06.08.2018 20:16
De facto, há um movimento intestino dentro dos partidos do arco da governação para destruir a escola pública, mas ignorantes que são não percebem que as empresas privadas de educação não são alternativa. De qualquer modo esse assunto não lhes interessa, o que interessa é facturar e reduzir o peso dos funcionários públicos. Ninguém vê o perigo de colocar a modelação dos cidadãos nas mãos de grupos ideologicamente colados, com interesses inconfessáveis e fora do controlo público do Estado..
6.     
  06.08.2018 08:32
Parabéns aos autores pelo afinco, objetividade e atualidade do problema analisado e das conclusões apontadas. Precisamos de mais debates sinceros, aprofundados e sem preconceito na nossa sociedade neste tema ainda delicado por dissecar e tao problemático por tentar resolver.

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