João Cerejeira |
Miguel Portela |
Jornal Público
Os dados
constantes nas Estatísticas
da Educação 2016/2017 mostram que 60% dos professores do
pré-escolar ao secundário têm 45 ou mais anos de idade. Ou seja, cerca de 96
mil, mais de metade dos docentes atuais, vão-se aposentar ao longo das próximas
duas décadas. Apesar da diminuição expectável do número de alunos, é de esperar
que o ritmo de recrutamento de novos professores aumente, com maior expressão
no ensino público, pois é neste que o envelhecimento da classe docente é mais
pronunciado – neste sistema apenas 3% têm idade inferior a 35 anos.
É reconhecido
que nenhum sistema educativo pode ser melhor do que os seus professores.
Um artigo
recente de Eric Hanushek, Marc Piopiunik e Simon
Wiederhold, investigadores na Universidade de Stanford e da Universidade de
Munique, publicado na prestigiada revista The Journal of
Human Resources, mostra que as competências cognitivas
médias dos professores em alguns dos países com melhores resultados nos testes
internacionais PISA, que medem o desempenho dos alunos, caso do Japão e da
Finlândia, são superiores à média das competências cognitivas dos adultos com
mestrado ou doutoramento no Canadá (país usado como referência). Em
contraste, as competências cognitivas dos professores de países como a Itália
ou a Rússia, cujos alunos obtêm pior performance nos testes PISA, estão, em
média, ao nível de um canadiano com um curso pós-secundário não superior.
Infelizmente, os dados usados neste estudo para medir as competências
cognitivas em literacia e numeracia dos adultos (o teste
PIACC) não incluem informação para Portugal, uma vez que
o nosso país não participou na última edição do estudo (2011-2012). As
conclusões apresentadas no estudo são claras e robustas: quanto maior for a
capacidade cognitiva do professor melhor será a capacidade cognitiva dos alunos,
nomeadamente para alunos oriundos de meios mais desfavorecidos para os quais o
contexto familiar não compensa eventuais falhas nas aprendizagens obtidas na
escola.
É, pois,
necessário planear o acesso à profissão docente, de forma a garantir a existência
de muito bons professores porque deles depende o futuro da educação, enquanto
base do desenvolvimento social e económico. Porém, os dados que temos quanto ao
futuro são preocupantes: de acordo com o estudo da OCDE Effective
Teacher Policies, divulgado em junho deste ano, apenas
1,3% dos jovens portugueses que desejam prosseguir estudos no ensino superior
têm como objetivo seguir a profissão de professores, tendo a maioria destes
desempenhos abaixo da média. Estes números estão de acordo com os resultados do
concurso nacional de acesso ao ensino superior. No ano passado, das 789 vagas
existentes no ensino superior público para licenciaturas em Educação Básica,
requisito para aceder aos mestrados profissionalizantes de acesso à docência do
pré-escolar ao 2.º ciclo do ensino básico, 82% estavam em pares
curso-estabelecimento com nota mínima de entrada inferior a 13 valores e 37%
com nota mínima inferior a 11 valores! Como refere o relatório do Conselho Nacional de Educação sobre
a condição docente, “...o declínio do reconhecimento e da imagem social dos
docentes enfraquece as aprendizagens, o ensino e a sociedade”.
É, pois, claro
que o reforço do prestígio e da cultura profissional docentes tem impacto na
melhoria das aprendizagens, não só dos alunos atuais, mas também nos alunos
futuros. Para ter bons professores, é preciso atrair os melhores alunos para a
profissão pelo que é urgente uma estratégia para restaurar a confiança dos
docentes e valorizar socialmente a sua função. Uma importante componente desta
estratégia será quanto ao método de seleção e recrutamento de professores.
Vários estudos indicam que os sistemas educativos com níveis elevados de
desempenho recorrem a provas de seleção dos candidatos a professor, em conjunto
com métodos de avaliação das competências profissionais dos docentes durante um
período de indução ou probatório. No caso português, o Estado prescindiu do
direito de selecionar os candidatos à docência. O recrutamento depende
essencialmente de uma classificação ordenada a nível nacional, determinada pela
média final do curso e pelos anos de experiência. Em momento algum estão
previstas entrevistas com os responsáveis das escolas para aferir a motivação e
a adequação dos candidatos à docência, corresponsabilizando no processo as
escolas e os professores, como no caso da Bélgica, Dinamarca, Estados Unidos,
Holanda, Hungria, Islândia, Israel, República Checa e Suécia, ou provas de
âmbito nacional nos domínios da literacia e numeracia, existentes num grupo
significativo de países europeus.
Conclui-se, assim,
que se há área de política pública com impacto no muito longo prazo é esta.
Portugal pagou caro, em termos do seu desenvolvimento, medidas que contribuíram
para diminuir a qualidade do corpo docente. Da expulsão dos jesuítas pelo
Marquês do Pombal, ao recurso aos regentes escolares pelo Estado Novo, a quem
se exigia apenas o exame da quarta classe, o nosso país caiu várias vezes no
mesmo erro. Pensar o país do futuro é pensar que os nossos netos serão
ensinados pelos jovens que hoje procuram a profissão docente.
Os autores
escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico
Economista, Universidade do Minho
Economista, Universidade do Minho
12 COMENTÁRIOS
1.
Alhos Vedros, Setubal,
Portugal - Barreiro, Portugal06.08.2018 19:04
Quando estive na
Faculdade de Ciências, no curso de Matemática Pura nos finais dos anos 80, pude
constatar o seguinte: muita gente entrou para Matemática porque tinha a nota de
entrada mais baixa na expectativa de pedir transferência para outro curso;
havendo encontrado na altura apenas duas opções no terceiro ano, a via Ensino
(tornar-se professor(a)) ou a via Científica - sendo esta última bastante
difícil, muita gente que não chegou a mudar de curso seguiu a primeira, o
Ensino. Resumindo, fiquei com a sensação que saíram dali muitos e muitas
docentes que foram parar a Matemática porque sim, e foram para professores
porque não. Muita gente também lá estava por gosto e vocação, claro. Mas...
2.
Terra 06.08.2018 17:46
O problema da qualidade
dos professores está a montante: na formação e na forma de recrutamento.
Relativamente aos do 1.º ciclo, fase crucial dos alunos, ao lado de boas
escolas de formação, foram instituídas escolas muito más. Há 20/30 anos, era
normal alunos com média de 10 no 12.º ano entrarem em institutos de formação de
docentes de nível duvidoso, de onde saíam com médias altíssimas. Quando
concorriam, ficavam à frente dos colegas formados em escolas mais exigentes e
que exigiam média de entrada mais elevada. Nos concursos nacionais, estes
últimos ficavam sistematicamente atrás dos 1.º. Muitos desses, são os que agora
anseiam pela reforma. A solução radical para promover a qualidade dos docentes
é pagar-lhes bem, fazer o recrutamento a nível de escola e testá-los seriamente.
1.
06.08.2018
20:01
Apenas discordo em
absoluto da ideia de recrutamento a nível de escola. Isso seria escancarar as
portas à corrupção e ao compadrio (quem recruta quem faz o recrutamento? ou por
outras palavras, Quem guarda o guarda). A avaliação dos professores tem de ser
objetiva, transparente e anónima, enquanto não perceberem isso, não vamos a
lado nenhum.
3.
Figueira da Foz 06.08.2018 15:39
O motivo pelo qual os
professores estão velhos não tem nada de misterioso. A carreira premeia a idade
em detrimento do mérito. Um novo professor fica sempre colocado atrás dos
antigos em qualquer concurso, mesmo que o novo seja o melhor professor do mundo
e o antigo seja uma nódoa. Se somarmos a isso uma diminuição demográfica do
corpo discente, que impede a expansão do corpo docente, antes o contrai, é
matematicamente óbvio que só lá ficam os mais velhos e que os mais novos não
têm lugar. Para que entrem professores novos, é necessário que a taxa de
encolhimento do sistema seja inferior à taxa de aposentação. Por isso, se
querem ver professores novos, sujeitem os antigos a concursos baseados no
mérito e na avaliação.
1.
Terra06.08.2018 17:30
Os seus argumentos não
são simplistas, são simplórios. Isso que escreve é fácil de teclar, mas difícil
de levar à prática. A começar pelo facto de que há (e aprenda isto de uma vez)
avaliação e que a progressão da carreira depende dela. Depois, que a avaliação
pode trazer muitas injustiças e sei do que falo porque estou envolvido no
processo de avaliação de docentes. Pode-se é discutir se o actual modelo de
avaliação está bem desenhado e visa a melhoria do desempenho. Não é o caso: foi
feito para evitar progressões na carreira e não pagar aos professores o que
estes contrataram com o Estado quando iniciaram a carreira.
2.
Figueira da Foz 06.08.2018 17:58
É triste que os
argumentos dos professores dos meus filhos comecem pelo insulto e não pela
argumentação. Pois, pode mandar a areia que quiser para os olhos aqui do
simplório quando ambos sabemos que só uma das progressões é que depende da
avaliação e quando se tentou por uma verdadeira avaliação a andar, vieram os
professores em peso para a rua. Agora, com números, diga-me quanto vale num
concurso um ano de serviço e quanto vale um valor de média final. Diga-me
quantos professores foram despedidos por incompetência e ignorância, pois só eu
conheço vários que o mereciam. E diga-me quantos jovens professores talentosos
trabalham hoje fora do sistema de ensino, pois não têm a mínima hipótese de um
lugar enquanto outros colegas bem mais incompetentes não se reformarem.
3.
06.08.2018
20:04
Sim e desse modo acaba
o mito de que os novos são melhores que os velhos e vice-versa. uma vez que o
mérito não está indexado à idade. A idade traz experiência e maturidade, mas
nem todos os mais velhos são prova disso.
4.
Covilhã 06.08.2018 14:14
Contributos para
ajudar a perceber a fuga dos cursos que habilitam professores: - após 26 anos
de ensino de matemática, estou no 4º escalão dos 10 da carreira; - quando
iniciei a carreira o ministério da educação prometeu que, nesta altura, eu
estaria no topo dessa carreira; - em 2000 perguntei em turmas do 10º ano,
quantos alunos pretendiam seguir a profissão/missão de professor, um terço
(repito um terço) levantou o braço; - em 2018 fiz o mesmo, nenhum braço se
levantou; - após 26 anos de carreira, muitos dos quais a trabalhar mais de 50
horas semanais para a escola (não em acumulações que aumentam o ordenado),
ganho 1250 euros líquidos mais o subsídio de alimentação; - juntem políticos
medíocres, incompetentes e corruptos a denegrir os professores; Querem que
professores para os netos?
1.
06.08.2018
20:09
Vão ter os professores
que merecem. O problema está no pedagogismo que contagiou o mundo ocidental e
criou a representação social da atividade docente como sendo uma atividade
venal, como o nível cultural dos políticos não é famoso (veja-se como adquirem
títulos académicos pelo mundo fora) não valorizam o conhecimento e os seus
agentes. Na Inglaterra chegaram ao descalabro de ir contratar professores à
Índia porque eram falantes de inglês
5.
06.08.2018
10:54
Os senhores
professores de hoje não são só velhos, desconsiderado, mal pagos, destratados
pelos poderes públicos, agredidos até fisicamente em ambiente escolar, abusados
por acrescento de tarefas não docentes só para castigar, ofendidos publicamente
para serem ostracizados. Para além de tudo isso que não é pouco, são um grupo
profissional dos que mais contribuiu para as esbónia de salvar bancos falidos
pelos excelentes gestores do PS, PSD, CDS. Por último são eles os responsáveis
pela formação da população escolar melhor preparada de sempre segundo os
critérios PISA. Tudo isto atrapalha, não por muito tempo, o objetivo
estratégico de PS, PSD, CDS acabarem com o ensino inclusivo e com o ensino
público universal e obrigatório. Os nossos netos se tiverem com que pagar terão
professores!
1.
06.08.2018
20:16
De facto, há um
movimento intestino dentro dos partidos do arco da governação para destruir a
escola pública, mas ignorantes que são não percebem que as empresas privadas de
educação não são alternativa. De qualquer modo esse assunto não lhes interessa,
o que interessa é facturar e reduzir o peso dos funcionários públicos. Ninguém
vê o perigo de colocar a modelação dos cidadãos nas mãos de grupos
ideologicamente colados, com interesses inconfessáveis e fora do controlo
público do Estado..
6.
06.08.2018
08:32
Parabéns aos autores pelo
afinco, objetividade e atualidade do problema analisado e das conclusões
apontadas. Precisamos de mais debates sinceros, aprofundados e sem preconceito
na nossa sociedade neste tema ainda delicado por dissecar e tao problemático
por tentar resolver.
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