JORGE LAGE |
Hoje
não é fácil ser Professor do ensino não superior. Ao longo dos anos a figura do
Professor degradou-se e atingiu o ponto máximo no ministério da instrução de
Lurdes Rodrigues, na governação socretista. Os professores vivem atulhados de
papéis que mal os deixam sonhar com um bom ensino ou fazer crescer os jovens
intelectualrmente. Pessoalmente, quando o resto do edifício da Educação ruía,
consegui que cerca de 2000 (dois mil) alunos, do pré-escolar ao secundário,
participassem num Encontro Distrital, no Bom Jesus/Sameiro, durante um dia
(Maio/2009), sem se verem telemóveis ou auscultadores, sem um rasgão num
joelho. Os mais pequeninos eram ajudados pelos maiores como se fossem irmãos
mais velhos. Como foi possível esta disciplina voluntária durante quinze
Encontros? Dando aos Alunos dos Clubes da Floresta responsabilidade e liberdade
(as regras de convivência, na sua maioria eram definidas por eles e outras
decorriam das grandes acções). Isto para vos dizer que é possível nas escolas
uma educação com valores morais e sociais sem ser de bagunça nem autoritária.
Há uns tempos o sábio bibliófilo, Celestino Reis, fez-me chegar um texto do seu
neto João Reis (tem dois netos como duas estampas). Perguntava-me, pressinto
com uma ponta de merecida vaidade, se a composição do João estava bem. O texto
foi criado quando o João tinha nove anos e deu-lhe uns retoques passados dois
anos. Até parece que imitou Miguel Torga, que via e revia a sua escrita. O
«Poeta da Montanha» (como se definia) era capaz de passar uma noite mal dormida
a pôr e a tirar uma vírgula ou a substituir uma palavra ou expressão por outra
que mais lhe caísse no goto talentoso. Mas, o texto do João tem imensa
imaginação, as ideias ordenadas e uma história que poderia servir de suporte a
uma pequena metragem animada ou a um filme sentimental em que se coloca nos
objectos o que os humanos deviam fazer e a acção. Este texto podia servir,
ainda, para introdução a uma economia mais amiga do Ambiente e do planeta Terra
ou de que os objectos que utilizamos acabem por receber um pouco de nós e não
devem ser descartados. Podia invocar-se o mundo de intriga e inveja que muitos
portugueses não desdenham. Podia servir para mostrar se os objectos em fim de
vida devem ser acarinhados, porque é que maltratamos os nossos velhos (pais,
familiares ou vizinhos) colocando-os bem abaixo dos cães? Este texto do João
Reis publico-o quando a maioria das crianças se interessa mais pelos telemóveis
e internet e poucos se viram para a leitura, para as histórias e saberes dos
pais e dos avós e até, como este caso, para escrita. O título do texto é por si
figurativo:
«Se eu fosse um lápis de carvão…
Eu gostaria de ser um lápis de carvão, porque ele é utilizado para poesia,
textos descritivos, textos dialogais, desenhos… É utilizado para trabalhar e
para sonhar.
Se eu fosse um lápis de carvão, o meu dono seria Miguel Torga (Adolfo
Correia da Rocha), pois ele é famoso e um grande escritor português.
A minha história seria assim: Encontrava-me eu, em 1917, em S. Martinho de
Anta, numa livraria pequena mas muito popular, já que muitas pessoas iam lá
comprar livros e outros materiais, quando, certo dia, apareceu Miguel Torga.
Este, ao ver os lápis de carvão, pegou em mim, pagou-me e levou-me para o seu
escritório, onde me apresentou aos meus novos amigos e amigas. Fiquei muito
feliz, enquanto os outros lápis ficaram com muita inveja por ter sido eu o
escolhido por uma pessoa importante.
Como o meu dono escrevia muito, eu podia ficar gasto, sem bico, rombudo,…
mas existia sempre uma afiadeira em cima da mesa, ou nas gavetas da sua
secretária.
A minha rotina como lápis era simples. Depois de ser utilizado a escrever
as ideias no bloco de papel, acabava em casa de um grande homem, que ganhou
muitos prémios, como o Prémio de Camões, no seu escritório, ao lado de muitos
livros que já escreveu colocados na estante entre borrachas, afiadeiras, folhas
de papel e lapiseiras. Alguns destes objetos já gastos, pelo tempo ou uso, e
outros a serem utilizados. Todos os dias, ficava no parapeito da janela à
espera de novos amigos que o meu dono trazia da livraria onde eu tinha sido
comprado.
Com o seu passamento, ficámos todos muito tristes, mas eu fico muito feliz
porque o meu dono nunca deitava fora os “amigos” e “amigas” que o acompanharam
ao longo da sua vida e talvez, por um passe de magia, eu pudesse continuar a
escrever tudo aquilo que ele me ensinou.»
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