sábado, 6 de janeiro de 2018

Trás-os-Montes e Tarrafal: terra e gentes com afinidades


BARROSO da FONTE
Os blogues têm uma vantagem: são como os rebuçados mentol que podem não abrir o apetite, mas humedecem os lábios e iludem a fome.
Quando deixei de cingir-me ao horizonte visual do cimo dos montes da minha aldeia, num perímetro de 30 ou 40 kms, do epicentro de onde alongava a vista, comecei a guiar-me pelo cursos dos rios, pelos mapas impressos em papel e pendurados na parede, ao lado do quadro a gis, e globo que a regente escolar comprara, por sua conta, e que tinha em cima da secretária, para nos explicar que o mundo não era apenas aquilo que todos víamos à nossa volta. Que havia muita terra e muita água, mais água do que chão que produzia aquilo que fazia falta para comer, comercializar trocar por fruta, vinho e azeite que Codeçoso não  dava por ser terra muito fria. Tal como J. Rentes de Carvalho confessou numa entrevista a João Céu e Silva, ao DN, em 11/8/2015, também eu «perdi muito cedo a ingenuidade porque comecei a ler». Do ler passei ao escrever. E escrevi muito, talvez em excesso. Se pudesse reescrever quanto escrevi nos 65 anos de produção, teria sido mais rigoroso comigo próprio, para evitar algumas ingenuidades que tratei como sendo doutrina firme e  absoluta.
Numa das minhas primeiras crónicas de 2018, antes que me perca em comentários, pretendo informar os meus pacientes leitores de que numa das ilhas de Cabo Verde, S. Vicente, se situa o concelho do Tarrafal, para alguns portugueses, de triste memória. Para aí foram desterrados, alguns cidadãos que, por isto ou por aquilo, ali iam de castigo.
Durante o Estado Novo e na sequência da I e II Repúblicas, Portugal enfrentou situações nacionais e internacionais, de grande dificuldade. Se na I houve liberdade e libertinagem a mais, na II, para reprimir tantos e tão alarmantes  excessos, só a ordem publica e a disciplina rígida poderiam repor a Sociedade nos seus trilhos. A chegada de Salazar ao poder deixou marcas ao longo dos 48 anos de regímen que descontentou a generalidade dos cidadãos. Foram as classes baixa e média que tudo suportaram, por ignorância e por falta de meios. Quem conhecia o ambiente exterior e tinha meios esgueirava-se para cidades europeias que lhes garantiam segurança, trabalho e acesso à formação. Esse estado de coisas fermentou a consciência nacional. O 25 de Abril teria que dar-se e deu-se, através de quem tinha as armas e com elas, as competências. Valeram a essa rebelião, sempre mal explicada, os argumentos usados, sempre, a  partir da «vontade do povo» que, se estava mal, uma boa parte, pior ficou. Se a nível interno a situação política era má e todos desconfiavam de todos e de tudo, também a nível externo Portugal ficava isolado, por causa da situação económica e da política externa. Os povos africanos ganharam consciência de que África deveria ser gerida por africanos. As Províncias Ultramarinas exigiam a sua independência e o regresso dos brancos ao continenete de origem. Esses incentivos à independência partiam da Casa do Império, em Coimbra e em Lisboa que acolhia os estudantes luso-africanos, fermentavam esses grupos com ideias revolucionárias que encontrararam terreno fértil nas organizações internacionais que eram apoiadas pelas grandes potenciais, com intuitos nem sempre consentâneos com a verdade que diziam defender.
Uma boa parte dos presos políticos que desde 1944  estavam organizados e tinham por base a Casa do Império, passou pelo Terrafal. Enuncio três deles, ao acaso e também por ficarem ligados à História da descolonização Luso-Angolana:
 Bento Gonçalves (nascido em Fiães do Rio), em Montalegre. Foi o 1º Secretário Geral do Partido Comunista Português. Esteve preso no Terrafal, em Cabo Verde, onde morreu.
 Amílcar Cabral, nasceu em Cabo Verde. Estudou na Escola Superior Agrícola, em Lisboa. Casou com uma sua colega de curso, Maria Helena Ataíde Vilhena Pereira, natural de Casas Novas, concelho de Chaves. Foi, verdadeiramente o patrono do PAIGC. E dos mais ativos lutadores pela independência.
Agostinho Neto, nasceu e lutou até ao fim da vida pela libertação de Angola. Casou com a escritora Eugénia Neto que nasceu em Montalegre, em 1934. Formou-se em medicina e foi médico, enquanto pôde, porque foi preso e esteve no Tarrafal. Foi, inegavelmente, o Pai da República Popular de Angola. Estas três figuras do processo autonómico luso-africano experimentaram o degredo do Tarrafal, concelho que se situa na Iha de Santiago.
https://www.facebook.com/malundo.kudiqueba/
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Há um certo simbolismo ideológico entre Trás-os-Montes e o Tarrafal. Esta ilhota fica rodeada por todos os lados de água do Atlântico. A escravatura tinha aí a sua imagem real. Castigo maior não poderia imaginar-se. Do mesmo modo, na então Província de Trás-os-Montes e Alto Douto. A mais pobre região do país fora, com o Minho, o berço do Condado Portucalense. O Império que fomos, nasceu aí e daí. Mas os futuros gestores desse império que fomos, deserdaram os extremos, para serem sanguessugas do coração da galinha dos ovos de ouro. A Casa do Império nasceu dos descontentes dos territórios conquistados, a oriente e a ocidente. Apartheid é outra coisa.
«Rosas» também houve muitos, desde 1128 até hoje com outros pretextos e com diferentes ambições.

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