É clara a ausência
dos docentes na esfera mediática, tendo-se reforçado a dificuldade de que a sua
voz seja escutada, de que o seu trabalho seja conhecido e de que a sua
reputação seja reconstruída.
Estão decorridas
algumas semanas após mais uma clara investida contra a classe docente,
essencialmente aplicada, em pleno horário nobre televisivo, por parte de alguns
opinion makers. Estamos, por isso, com o devido distanciamento para que
possamos agora refletir, não acerca do teor dos comentários proferidos, mas
essencialmente sobre algumas das questões que perpetuam esta tipologia de
intervenções públicas, em momentos cirúrgicos, centradas numa leitura
superficial de temas estruturantes relativos às carreiras e à ação funcional e
deontológica de uma das classes profissionais portuguesas com maior dimensão e
com um dos índices mais elevados de habilitações académicas. Veja-se que grande
parte dessas intervenções, ainda que tenham, inicialmente, sido despoletadas
pelo debate em torno de questões relativas à progressão na carreira dos
profissionais docentes (congeladas há praticamente 10 anos), rapidamente
resvalaram para considerações avulsas sobre questões de natureza pedagógica e
funcional, em tom de crítica, aplicada, de forma generalizada, a todos os
professores da Escola Pública.
Este tipo de
ocorrências são essencialmente preocupantes por duas dimensões, de natureza
distinta: 1) a capacidade de qualquer comentador sentir competência técnica
para opinar sobre assuntos do âmbito da Educação (tentando problematizar, em
breves instantes televisivos, assuntos de clara complexidade, como são casos
objetivos as questões de foro da administração educativa ou de índole
pedagógico) promovendo a construção de raciocínios muitas das vezes alicerçados
num total desconhecimento do sistema educativo e dos próprios normativos legais
vigentes. 2) a “incapacidade” dos próprios docentes (alvos destas ofensivas)
conseguirem ocupar esse espaço mediático, apresentando, em tempo real, o devido
contraditório (situação que, provavelmente, resolveria muitas das questões que
acabam por “ficar no ar”, uma vez que para muitas delas existiriam respostas
objetivas, alicerçadas na legislação produzida ao longo dos anos, em estudos
nacionais e internacionais, ou nas mais variadas correntes e modelos
educativos).
No que respeita à
primeira questão, a responsabilidade recai essencialmente nos meios de
comunicação social, que a bem de uma informação séria e credível deveriam ter a
obrigação de selecionar intervenientes no painel com um nível de conhecimento
adequado à natureza dos assuntos em debate. Relativamente à segunda
problemática, considero que a situação é mais complexa e exige não só uma
análise mais cuidada bem como a aplicação de medidas, a curto e a médio prazo,
que promovam um novo catapultar para o espaço público de uma das classes
profissionais que mais contribui para o desenvolvimento do país e que se
continua a apresentar como uma daquelas em que os portugueses mais confiam.
É, há anos a fio
(retirando algumas situações pontuais), clara uma grande ausência dos docentes
da esfera pública mediática, tendo-se reforçado a dificuldade de que a sua voz
seja escutada, de que o seu trabalho seja devidamente conhecido e de que a sua
reputação possa ser reconstruída. A falta de visibilidade pública da classe docente
tem sido, ao longo dos tempos, problematizada por vários autores e tem-se
apresentado como um forte elemento promotor da construção, na opinião pública,
de uma imagem social e profissional distorcida, também ela propicia à repetição
do teor dos debates televisivos acima referidos. A invisibilidade social e
profissional referida advém não só da ausência do espaço público mediático, mas
também por um marcado desenvolvimento profissional sustentado no isolamento e
no individualismo da ação. É, nessa medida, hoje inequívoca a existência de uma
profunda nébula em torno do trabalho realizado pelos docentes junto das suas
comunidades educativas, trabalho esse que passa por uma forte componente de
investigação e de preparação de aulas, criação de instrumentos de avaliação e
de recursos educativos, lecionação de conteúdos, desenvolvimento de atividades
de mediação e de reflexão, avaliação, desenvolvimento de projetos. Mais: a
invisibilidade da ação do professor manifesta-se não só junto da esfera
pública, como, muitas das vezes, dentro da própria comunidade educativa em que
exerce funções.
Torna-se, nessa
medida, essencial e urgente que o trabalho docente ganhe uma maior visibilidade
junto da sociedade, não só para que possam ser entendidas as suas dimensões e
os seus impactos, mas também para que muitas das práticas de excelência hoje
verificadas por todo território nacional (quer no sistema público de ensino,
quer no privado) possam ser partilhadas entre as mais diversas comunidades
educativas, avaliando os seus resultados em prol do sucesso educativo das
nossas crianças e jovens.
Tentando
problematizar algumas destas questões, será lançada, no início de 2018, a
Plataforma RELEVO – Comunidade Nacional de Boas Práticas Educativas, projeto
apoiado por várias entidades e atores educativos e que apresenta como objetivo
central a divulgação e disseminação das boas práticas levadas a cabo pelos mais
variados intervenientes no processo educativo – alunos, professores e outros
profissionais de educação, diretores, pais e encarregados de educação,
autarquias e organizações que desenvolvam um papel determinante no sistema
educativo português. Esta plataforma pretende, entre outros objetivos, fomentar
comunidades de partilha e de aprendizagem; reconhecer, dignificar, valorizar e
prestigiar o papel de cada ator educativo; promover a construção de uma cultura
de excelência e de um clima positivo no sistema educativo português; estimular
o intercâmbio de ideias e de experiências inovadoras; despertar o
estabelecimento de parcerias e a quebra de forças de bloqueio à inovação
educativa e promover uma aproximação das práticas educativas aos desígnios
presentes e futuros da Educação nacional.
Este pequeno passo
na divulgação do trabalho de excelência educativa (que vai sendo, dia após dia,
realizado por todo o país) pode apresentar-se como um sinal decisivo para o
despoletar de um debate público regular sobre o papel desenvolvido por cada um
dos seus atores, em torno de um projeto nacional para a Educação.
Catapultar para a
esfera pública a qualidade e singularidade do trabalho levado a cabo nas
comunidades educativas de todo o país (no qual também o dos professores se
inclui) diminuirá seguramente a capacidade de interferência de discursos
mediáticos descontextualizados e redutores, como aqueles que nas últimas
semanas vieram a público, e permitirá, cumulativamente, pelo conhecimento
aferido, adequar, com maior consciência, o sistema educativo às exigentes
premissas de uma educação para o século XXI.
Professor,
Dirigente da ANVPC – Associação Nacional dos Professores Contratados
‘Caderno de
Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação,
através de um autor convidado.
Comentário:
César Israel Paulo aborda neste
artigo questões interessantes e oportunas (sobretudo sobre o comentariado
português). Mas existem considerações profundas que ainda não foram estudadas e
devem sê-lo o mais rapidamente possível, como, por exemplo, a governação de Sócrates e
as directivas de Maria de
Lurdes Rodrigues. É aqui que está a origem de toda esta mediocridade.
Actualizado a 15 de Dezembro XVII
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