quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Os professores nos discursos mediáticos


César Israel Paulo - OBSERVADOR

É clara a ausência dos docentes na esfera mediática, tendo-se reforçado a dificuldade de que a sua voz seja escutada, de que o seu trabalho seja conhecido e de que a sua reputação seja reconstruída.

Estão decorridas algumas semanas após mais uma clara investida contra a classe docente, essencialmente aplicada, em pleno horário nobre televisivo, por parte de alguns opinion makers. Estamos, por isso, com o devido distanciamento para que possamos agora refletir, não acerca do teor dos comentários proferidos, mas essencialmente sobre algumas das questões que perpetuam esta tipologia de intervenções públicas, em momentos cirúrgicos, centradas numa leitura superficial de temas estruturantes relativos às carreiras e à ação funcional e deontológica de uma das classes profissionais portuguesas com maior dimensão e com um dos índices mais elevados de habilitações académicas. Veja-se que grande parte dessas intervenções, ainda que tenham, inicialmente, sido despoletadas pelo debate em torno de questões relativas à progressão na carreira dos profissionais docentes (congeladas há praticamente 10 anos), rapidamente resvalaram para considerações avulsas sobre questões de natureza pedagógica e funcional, em tom de crítica, aplicada, de forma generalizada, a todos os professores da Escola Pública.
Este tipo de ocorrências são essencialmente preocupantes por duas dimensões, de natureza distinta: 1) a capacidade de qualquer comentador sentir competência técnica para opinar sobre assuntos do âmbito da Educação (tentando problematizar, em breves instantes televisivos, assuntos de clara complexidade, como são casos objetivos as questões de foro da administração educativa ou de índole pedagógico) promovendo a construção de raciocínios muitas das vezes alicerçados num total desconhecimento do sistema educativo e dos próprios normativos legais vigentes. 2) a “incapacidade” dos próprios docentes (alvos destas ofensivas) conseguirem ocupar esse espaço mediático, apresentando, em tempo real, o devido contraditório (situação que, provavelmente, resolveria muitas das questões que acabam por “ficar no ar”, uma vez que para muitas delas existiriam respostas objetivas, alicerçadas na legislação produzida ao longo dos anos, em estudos nacionais e internacionais, ou nas mais variadas correntes e modelos educativos).
No que respeita à primeira questão, a responsabilidade recai essencialmente nos meios de comunicação social, que a bem de uma informação séria e credível deveriam ter a obrigação de selecionar intervenientes no painel com um nível de conhecimento adequado à natureza dos assuntos em debate. Relativamente à segunda problemática, considero que a situação é mais complexa e exige não só uma análise mais cuidada bem como a aplicação de medidas, a curto e a médio prazo, que promovam um novo catapultar para o espaço público de uma das classes profissionais que mais contribui para o desenvolvimento do país e que se continua a apresentar como uma daquelas em que os portugueses mais confiam.
É, há anos a fio (retirando algumas situações pontuais), clara uma grande ausência dos docentes da esfera pública mediática, tendo-se reforçado a dificuldade de que a sua voz seja escutada, de que o seu trabalho seja devidamente conhecido e de que a sua reputação possa ser reconstruída. A falta de visibilidade pública da classe docente tem sido, ao longo dos tempos, problematizada por vários autores e tem-se apresentado como um forte elemento promotor da construção, na opinião pública, de uma imagem social e profissional distorcida, também ela propicia à repetição do teor dos debates televisivos acima referidos. A invisibilidade social e profissional referida advém não só da ausência do espaço público mediático, mas também por um marcado desenvolvimento profissional sustentado no isolamento e no individualismo da ação. É, nessa medida, hoje inequívoca a existência de uma profunda nébula em torno do trabalho realizado pelos docentes junto das suas comunidades educativas, trabalho esse que passa por uma forte componente de investigação e de preparação de aulas, criação de instrumentos de avaliação e de recursos educativos, lecionação de conteúdos, desenvolvimento de atividades de mediação e de reflexão, avaliação, desenvolvimento de projetos. Mais: a invisibilidade da ação do professor manifesta-se não só junto da esfera pública, como, muitas das vezes, dentro da própria comunidade educativa em que exerce funções.
Torna-se, nessa medida, essencial e urgente que o trabalho docente ganhe uma maior visibilidade junto da sociedade, não só para que possam ser entendidas as suas dimensões e os seus impactos, mas também para que muitas das práticas de excelência hoje verificadas por todo território nacional (quer no sistema público de ensino, quer no privado) possam ser partilhadas entre as mais diversas comunidades educativas, avaliando os seus resultados em prol do sucesso educativo das nossas crianças e jovens.
Tentando problematizar algumas destas questões, será lançada, no início de 2018, a Plataforma RELEVO – Comunidade Nacional de Boas Práticas Educativas, projeto apoiado por várias entidades e atores educativos e que apresenta como objetivo central a divulgação e disseminação das boas práticas levadas a cabo pelos mais variados intervenientes no processo educativo – alunos, professores e outros profissionais de educação, diretores, pais e encarregados de educação, autarquias e organizações que desenvolvam um papel determinante no sistema educativo português. Esta plataforma pretende, entre outros objetivos, fomentar comunidades de partilha e de aprendizagem; reconhecer, dignificar, valorizar e prestigiar o papel de cada ator educativo; promover a construção de uma cultura de excelência e de um clima positivo no sistema educativo português; estimular o intercâmbio de ideias e de experiências inovadoras; despertar o estabelecimento de parcerias e a quebra de forças de bloqueio à inovação educativa e promover uma aproximação das práticas educativas aos desígnios presentes e futuros da Educação nacional.
Este pequeno passo na divulgação do trabalho de excelência educativa (que vai sendo, dia após dia, realizado por todo o país) pode apresentar-se como um sinal decisivo para o despoletar de um debate público regular sobre o papel desenvolvido por cada um dos seus atores, em torno de um projeto nacional para a Educação.
Catapultar para a esfera pública a qualidade e singularidade do trabalho levado a cabo nas comunidades educativas de todo o país (no qual também o dos professores se inclui) diminuirá seguramente a capacidade de interferência de discursos mediáticos descontextualizados e redutores, como aqueles que nas últimas semanas vieram a público, e permitirá, cumulativamente, pelo conhecimento aferido, adequar, com maior consciência, o sistema educativo às exigentes premissas de uma educação para o século XXI.

Professor, Dirigente da ANVPC – Associação Nacional dos Professores Contratados
‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.


Comentário:

César Israel Paulo aborda neste artigo questões interessantes e oportunas (sobretudo sobre o comentariado português). Mas existem considerações profundas que ainda não foram estudadas e devem sê-lo o mais rapidamente possível, como, por exemplo, a governação de Sócrates e as directivas de Maria de Lurdes Rodrigues. É aqui que está a origem de toda esta mediocridade.

Actualizado a 15 de Dezembro XVII

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