Se a sra. Le Pen ganhasse, seria uma catástrofe para Portugal, que vive do
Euro e do BCE. Mas por isso mesmo talvez seja bom compreender os franceses que
votaram nela e muitos que não votaram. Não basta chamar à criatura racista,
xenófoba e autoritária por muito que seja bom desabafar. O problema essencial
da França vai para além disso: é, como diz Le Pen, um problema de identidade.
Explicando por partes e não indo muito atrás para não complicar as cabeças; a
França sempre se considerou “a Grande Nação”, o centro da Europa e do mundo.
Mas, militar e politicamente, há muito tempo que se tornou numa potência de 2ª.
classe, que não intimidava ninguém. A Alemanha invadiu a França três vezes de
1870 a 1940 e só não tomou conta de tudo da segunda vez, em 1914-1918, por obra
e graça da Inglaterra e da América. A invasão nazi foi a pior, com o efectivo
fim do exército francês e quatro anos de colaboracionismo e ocupação. A
insistência de de Gaulle conseguiu que a França figurasse – e figurar é a
palavra – nas negociações e na vitória, mas toda a gente percebeu que se
tratava de uma fraude para salvar o orgulho da França. E, em nome desse mesmo
orgulho, de Gaulle também criou o mito de que a nação inteira unanimemente
resistira (quando ela quase unanimemente colaborara) e que a resistência fora
geral quando ela fora episódica e rara e só agira com algum efeito depois do
desembarque aliado na Normandia em 1944.
O Francês tinha sido durante séculos a língua da diplomacia, da boa
sociedade e do bom gosto. A seguir à II Guerra, o Inglês substituiu o Francês e
acabou por se tornar a língua franca do mundo inteiro. Paris era o centro
cultural do Ocidente: lá nasciam ou de lá chegavam a grande literatura, a
grande pintura, a grande filosofia e o pensamento político da moda. Mesmo nós,
nesta aldeia, tivemos de sofrer o existencialismo, o neo-marxismo, o
freudo-marxismo e as várias tendências do estruturalismo. Na minha geração, era
obrigatória uma visita a Paris por volta dos vinte anos. Hoje essa peregrinação
é a Nova York.
O que ficou à França da sua antiga “grandeza”? Como se reconhece o patriota
médio, nesse país endividado, fraco, na prática submetido à autoridade
financeira da Alemanha e há dezoito meses em Estado de alerta por causa de uma
série de atentados terroristas? Não se reconhece; e o “chauvinismo” francês,
que continua tão vivo e violento como de costume, abafa de cólera.
A sra. Le Pen não irá provavelmente ganhar. Mas ganhe ou não, a desforra da
presente humilhação da França, essa, é mais do que certa.
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