Temos gastronomia,
hospitalidade, rotundas e paisagem. E temos, sobretudo, a garantia de que em
Portugal nunca caberá um populista do calibre do sr. Trump: os populistas
caseiros já ocuparam tudo.
A acreditar na quantidade de americanos que
prometeu deixar o país se o extraordinário sr. Trump chegasse à Casa Branca,
seria de esperar que os EUA fossem hoje um imenso deserto. Não é o caso. Claro
que demasiadas pessoas correram para os aeroportos nas últimas semanas. Mas foi
apenas para protestar as restrições à imigração, prova da maldade intrínseca do
novo presidente e, em boa parte, herança do anterior. Num ápice, a rapaziada
regressou à vidinha habitual: berrar na rua, destruir propriedade alheia,
berrar na rua, impedir homossexuais inoportunos de falar em Berkeley, berrar na
rua. Mesmo a actriz Meryl Streep, que segundo a própria integra uma das classes
mais discriminadas do país (os presunçosos?), continua, ao que tudo indica, a habitar
a sua mansão de Los Angeles, curiosamente rodeada por muros de betão.
De facto, o número de cidadãos de partida para o
exílio é tão baixo que o Washington Post se viu e desejou para descobrir um
único exemplo. Após buscas aturadas, e confessamente difíceis, lá encontraram o
casal Yeager, ela reformada e ele um escritor que ganha dinheiro a criticar o
“consumismo”. Os Yeagers colocaram a casa à venda para fugir à “devastação
eleitoral” (cito) e passar os próximos 4 ou 8 anos no estrangeiro. Onde? As hipóteses
são múltiplas: Panamá, Costa Rica, Nova Zelândia, Malásia, Vietname, Tailândia,
Croácia, Polónia, Espanha ou, talvez, Portugal. Repararam na honra?
Entretanto, o Huffington Post meteu-se no assunto.
Entre parêntesis, noto que o Huffington Post é um site “informativo”, do género
de informação que, quando o dono da Starbucks anuncia a contratação de 10 mil
refugiados e as acções da empresa se despenham a pique, faz uma notícia
intitulada: “Apoiantes de Trump: tentativa de boicote à Starbucks falha com estrondo”.
Fora de parêntesis, este baluarte do grande jornalismo aproveitou a história
dos Yeagers, retirou-lhe tipicamente a graça e apresentou-a como modelo a
seguir. A fim de ajudar ao êxodo dos EUA, sugeriu (os desorientados agradecem
sugestões) onze destinos ideais. Nesses paradisíacos destinos, há ditaduras ou
democracias questionáveis, regimes alérgicos aos famosos direitos humanos,
albergues exóticos, cenários de homicídios, entrepostos do terrorismo islâmico,
a “neoliberal” Irlanda, outra vez a remota Nova Zelândia. E outra vez Portugal.
Convém esclarecer os candidatos que, ao primeiro
impacto, não distinguirão Portugal da América. Também os nossos “media” estão
repletos de criaturas empenhadíssimas em convencer os simples, a bem ou a mal,
de que o sr. Trump é a reincarnação de Hitler ou o Belzebu alaranjado (a teoria
divide-se). As semelhanças, porém, terminam aqui. Ou na virtual “megafábrica”
da Tesla que se converteu num “stand” de automóveis a sério. Sob essa
superfície, somos uma sucessão de encantos.
Temos futebol, ou melhor, conversas acerca de
árbitros, dirigentes e autocarros. Temos televisões a avisar que não nos
devemos aproximar do mar revolto excepto para filmar o mar revolto e
enviar-lhes o vídeo. Temos um ex-primeiro-ministro, vários ex-banqueiros e
muitas futuras ex-personalidades envolvidas num folclórico rol de trapaças, nas
quais metade da imprensa nem toca. Temos deputados que acreditam em Marx e em
elfos que querem “debater” e legalizar a eutanásia – de terceiros. Temos uma
dívida pública que cresce com galhardia e não incomoda vivalma. Temos um
governo legitimado pelo apoio de partidos leninistas que juram não apoiar o
governo. Temos um presidente optimista e afectuoso até para com o “rating” de
“lixo”. Temos hora marcada com uma bancarrota que a ninguém aflige. Temos calor
(?), gastronomia, hospitalidade, rotundas e paisagem. E temos, sobretudo, a
garantia de que em Portugal nunca caberá um populista do calibre do sr. Trump
(que o parlamento formalmente condena): os populistas caseiros já ocuparam
tudo. Os refugiados dos EUA podem vir à vontade. Ambos.
Notas de rodapé:
Em duas ocasiões recentes, o eng. Guterres
referiu-se às origens judaicas do Monte do Templo, em Jerusalém. Indignada, a
Autoridade Palestiniana invocou uma resolução da UNESCO e exigiu um pedido de
desculpas. Quem tem razão? Ambos. O actual Muro das Lamentações é evidentemente
o que sobra do Segundo Templo, ou ao que consta uma parede contígua. Por outro
lado, há meses que o braço da ONU para a Educação, a Ciência e a Cultura (a
designação é irónica) passou a referir-se ao Monte do Templo exclusivamente
pelos seus nomes árabes, de modo a enterrar a desagradável conexão hebraica e a
legitimar as pretensões da Fatah e similares.
Perante isto, resta ao eng. Guterres uma de duas
saídas. Ou manda os palestinianos à fava, por respeito à História e – eis um
termo em desuso – à verdade. Ou ata uma corda ao pescoço e parte de joelhos ao
encontro do sr. Abbas, por respeito à utilíssima instituição a que preside e a
que o pérfido sr. Trump, para consternação universal, ameaça cortar subsídios.
Até ver, o eng. Guterres apenas lamentou (longe do Muro) as políticas do
último, e não abriu a boca sobre o primeiro. É assim que se vai longe.
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