João
Miguel Tavares – jornal público
Este
é só mais um exemplo de que neste
país vale tudo, porque ninguém leva realmente a sério coisa nenhuma.
Não
sei se é Francisco Louçã que está mais capitalista, se é o Banco de Portugal
que está mais revolucionário, mas esta sua nomeação para o Conselho Consultivo
do banco central português parece uma partida de Carnaval. Após o comunicado do
Conselho de Ministros declarar que a nomeação de Louçã se justifica pela sua
“reconhecida competência em matérias económico-financeiras e empresariais”
estava à espera, a todo o momento, que a ministra da Presidência saltasse de
trás de uma cortina vestida de índio, com uma pistola de estalidos, a ulular:
“Era no gozo! Esqueçam lá isso do Louçã!” Mas não. Parece que é mesmo a sério.
Desculpem.
Se o trotskista Francisco Louçã foi nomeado para o Conselho Consultivo do Banco
de Portugal eu exijo ser duplamente nomeado para a Comissão Política do Bloco
de Esquerda e para o Comité Central do PCP. Catarina Martins e Jerónimo de
Sousa encontram o meu mail no final deste texto. É só indicarem os dias e as
horas das reuniões, que eu apareço lá com uns livros de Milton Friedman e John
Stuart Mill. Tal como Louçã, dispenso remuneração. É mesmo só pelo divertimento
e pelo prazer em apresentar “opiniões fora da ortodoxia”, que foi a
justificação que Francisco Louçã deu ao Diário de Notícias para a sua nomeação.
Às
tantas o Banco de Portugal agora é a Assembleia da República, e tem de ter
representação das várias sensibilidades parlamentares. Seria uma boa notícia
para o senhor do Partido dos Animais, mas uma péssima notícia para o país. O
Banco de Portugal faz parte do Eurosistema, e o Eurosistema tem como objectivo
primordial definir e executar a política monetária do euro. Para quem tem falta
de memória, recordo que a opinião de Francisco Louçã sobre o euro é esta: “O
euro é destruidor de Portugal.” E esta: “É preciso pensar na saída do euro.” E
esta: “O euro não tem salvação.” Ora, receio bem que isto não seja propriamente
fugir à “ortodoxia”. Isto é simplesmente não acreditar na missão fundamental do
banco que tem o dever de aconselhar. Faz tanto sentido quanto um vegetariano
comer todos os dias um bitoque ao almoço para fugir à “ortodoxia”. Um
homossexual dormir exclusivamente com mulheres para fugir à “ortodoxia”. Ou o
papa Francisco passar a aconselhar o ayatollah Khamenei para fugir à
“ortodoxia”.
Já
vi gente criticar a nomeação de Louçã pelo facto de ele não ter, ao contrário
do que se diz no comunicado do governo, qualquer “competência em matérias
empresariais”. É verdade que não tem, mas esse está longo de ser o principal
problema. O problema, minhas senhoras e meus senhores, é que Francisco Louçã
não acredita no capitalismo. Está no seu inteiro direito, como é óbvio, mas não
acredita. E acreditar no capitalismo deveria ser o mínimo dos mínimos para
aconselhar o Banco de Portugal. Eu sei que muitos olham para o Bloco e para o
PCP como uns partidos cheios de boas intenções e nenhumas consequências
práticas. Mas eles têm princípios e objectivos políticos. Leiam os estatutos do
Bloco, se faz favor. Está logo no artigo 1º: “O Bloco de Esquerda é um
movimento político de cidadãs e cidadãos que (…) se comprometem (…) com a busca
de alternativas ao capitalismo.” Francisco Louçã entregou o cartão de sócio da
agremiação e não avisou ninguém? Converteu-se ao capitalismo e não sabemos? Ou
este é só mais um exemplo de que neste país vale tudo, porque ninguém leva
realmente a sério coisa nenhuma? Eu voto nesta última hipótese.
Sem comentários:
Enviar um comentário