Depois
de conquistados o aborto no SNS, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a
adopção de crianças pelos casais atrás referidos, o pavilhão do Sporting e os
patrocínios à mudança de género, julguei que a lista das causas
"fracturantes" tinha chegado ao fim e podíamos descansar.
Imperdoavelmente, esquecera-me da eutanásia. O esquecimento é mais grave na
medida em que, nos idos de 1995, concluí a licenciatura com uma tese a
propósito. Durante um ano inteirinho, não fiz outra coisa (salvo seja), a não
ser estudar a "boa morte". Li o Philippe Ariès e o que me apareceu,
realizei inquéritos, entrevistei médicos e cangalheiros, alinhavei dezenas de
gráficos, escrevi duzentas páginas, dormi pouquíssimo. Resultado? Apurei que o
assunto é demasiado complicado para caber em trabalhos imberbes. Comecei com
poucas certezas, terminei sem nenhuma. Um autor outrora célebre dizia, repleto
de razão, que a única questão filosófica é o suicídio. Mesmo se
"assistido", arrisco acrescentar. Após 22 anos, as hesitações sobre a
eutanásia não desapareceram. Entretanto, porém, adquiri um hábito saudável. E
não é andar de bicicleta: sempre que dou por mim cheio de dúvidas, procuro a
opinião de gente iluminada. Por regra, em matérias profundas corro em busca do
conforto intelectual providenciado por um de três sábios, daqueles que, acima
da espuma e do ruído dos dias, me garantem orientação espiritual: o rapaz do
Querido, Mudei a Casa, o palhaço Companhia e a filha de Adriano Moreira. No
caso em apreço, o decorador -guru recusou pronunciar-se. O Companhia mostrou-se
incontactável. Restou, para me conduzir à Verdade, a menina Isabel.
A
menina Isabel é uma espécie de farol das Grandes Batalhas da Modernidade, isto
se os faróis tatuassem no braço o nome de cada navio ao largo. Quando o leigo
ainda nem sequer adivinhou a possibilidade de uma "fractura" social,
a menina Isabel já está na primeira fila dos convidados do Prós e Contras, a
gritar pela urgência de se legalizar o que lhe vier à cabeça e a insultar os
intolerantes que discordam dela. Ou então está nas páginas do Expresso, a
assinar um artigo intitulado "Eutanásia – reconheçam-me". Além de, no
dito artigo, repetir oito vezes a palavra "autonomia", a menina
Isabel esclarece: "escolho os valores (...), vivo de acordo com os meus
planos pessoais, independentemente das concepções morais maioritárias vigentes
na sociedade. Isso decorre, precisamente, da inibição a que o Estado está
sujeito no que respeita a interferências na minha autonomia" (eu avisei).
E também: "O Estado de direito em que vivo não é um Estado que põe em
causa a autonomia (pois é) de cada um."
Murmurei
essas frases resplandecentes até os amigos se afligirem com o meu equilíbrio
psíquico. De súbito, compreendi tudo. Acerca da melhor maneira de morrer? Nada
disso: acerca da melhor maneira de viver. O Estado de direito e a moral vigente
não podem interferir na minha – vamos lá – autonomia. O que importa são os meus
"planos pessoais", que não incluem, por exemplo, pagar impostos.
Sobretudo impostos que sustentem a espécie de carreira da menina Isabel. E se,
graças à afirmação dos valores que escolhi, ela cair numa "situação de
enorme sofrimento", o remédio é óbvio. E, não tarda, despenalizado.
A
agenda deles
O
PS pede uma "agenda para a década", ou seja, estender a aliança com a
extrema-esquerda por 10 anos a fim de facilitar as reformas de que o País
carece. Por um lado, acho bem: esquerdismo e reformismo são praticamente
sinónimos. Por outro, acho mal: o sucesso da "geringonça" é tal que
devia projectar-se por um século inteiro. Entretanto, o Avante! informa em
editorial que "não existe um governo de esquerda nem tão pouco uma
coligação, maioria de esquerda ou acordo de incidência parlamentar de apoio ao
governo". Felizmente, o PS não leu.
O
dom provinciano
Após
o fervor corporativo respirado no congresso dos jornalistas e as críticas às
discriminações cometidas pelo sr. Trump, a classe ficou impávida quando o eng.
Sócrates recusou falar ao Correio da Manhã. Porém, o pior não foi o facto de os
repórteres não terem saído daquela conferência de imprensa: foi lá terem
entrado. Uma coisa é um rústico processar as demoras do Estado, talvez por ter
pressa de voltar à cadeia. Outra coisa é isso possuir o interesse público que
as televisões imaginam. Um caso de polícia não é necessariamente um caso.
O
VILÃO
Tenham
medo
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