sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Uma história «linda de morrer...»


BARROSO da FONTE
 O país deveria parar para reflectir se vale a pena manter a sociedade que temos, o estado a que chegámos e a que planeta teremos de bater para entregar os corruptos e os corruptores, recebendo em troca, astronautas restaurados, mesmo que sejam feios e reconstruídos.
 Deveria ser este o tom da minha mensagem semanal. Mas, ocorre-me a quadra de Natal e do Ano Novo. Devo ter respeito pela tradição e pelos valores tradicionais. Com esses devemos preocupar-nos, dando-os a conhecer aos filhos, netos e bisnetos. Mas a tradição deve ter pausas, etapas, calendário, para sabermos, a partir de que data, a corrupção derrotou a tradição.
 Adiando este tema para mais adiante, vou substituir uma crónica vadia por uma estória linda e verdadeira. Talvez possa ser contada como se fosse o Menino Jesus a entrar pela chaminé de todos os lares abençoados, deixando o livro da nossa primeira classe.
Em 4 de Outubro de 1952 entrei no Seminário de Vila Real, com a ideia de ser padre. Eu não gostava muito de estudar e pensei que se podia ser padre sem estudar latim, grego, inglês, francês, matemática, filosofia... Nunca saíra do meu horizonte visual. Mas guardar a vezeira, vacas, ir dormir ao moinho para não «abarbar», tirar esterco das cortes dos porcos, roçar matos, não era coisa que me agradasse. E lá fui para longe desse meu horizonte visual.
Em 8-X-1958 tive de comprar o manual de História de Portugal. O saudoso Padre Bernardino, recomendou-nos o livro da autoria de Fortunato de Almeida, que já ia na décima edição e que fora aprovado pelo Ministério da Educação em 1945.Tinha capa dura e continha 380 páginas. Custou 35$00. Como me habituei a escrever neles o meu nome, número de aluno e a data, entendia pôr na 1ª página esta quadra: Barroso da Fonte é seu dono /Enquanto este existir/ Por isso se for perdido/Às suas mãos deve vir.
 Em 30 de Junho de 1962 entendi deixar o seminário. Nesse dia à noite coincidiu ser no Teatro Avenida, a sessão da entrega dos Prémios dos primeiros Jogos Florais do Clube de Vila Real, aos quais eu concorrera com uma reportagem sobre uma «chega» de bois em Barroso. Já não me lembro hoje como tive a ideia de convidar quatro meus amigos para jantarem comigo e me acompanharem a essa sessão, na qual fui contemplado com o 1º prémio que consistiu em mil escudos em dinheiro real, além do diploma que conservo, bem como o opúsculo com os nomes do júri, dos premiados e o regulamento. Recordo esses meus colegas: o Padre Albano da Silva, de Murça (ainda vivo) e o saudoso padre Max (Maximino Barbosa de Sousa), o João Granja da Fonseca e o Vaz Gouveia. Cada um de nós seguiu o seu destino. Só o Padre Max já partiu.
NUNO         CANAVEZ
  Nos 54 anos houve no país e no mundo muitas e profundas alterações. Não sei o que fiz aos livros, nem à batina que usei quatro anos. Gostava de a ter para me amortalhar quando chegar a minha hora. Mas sabem os meus leitores o que me aconteceu neste último mês de Novembro?
  Recebi uma embalagem do meu ilustre Amigo, Nuno Canavez, natural de Mirandela, mas desde há muitos anos radicado no Porto, como livreiro e alfarrabista da Livraria Académica. Poucos serão os Transmontanos e Portuenses que não conheçam este vulto da cultura Portuguesa que, estou certo, a toponímia da Invicta, mais cedo ou mais tarde, há-de registar.
  E que surpresa me chegou nessa embalagem do proprietário da livraria Académica do Porto?
Exatamente o compêndio de História, editado em 1945 e já em 10ª edição, do Prof. Fortunato de Almeida, que eu comprara por 35$00, em 8 de Outubro de 1958 e no qual manuscrevera a quadra acima referida.
 Acompanhava esse surpreendente «achado» uma carinhosa carta de Nuno Canavez, a cumprir o pedido: «se for perdido/ às suas mãos deve voltar».
 Como foi parar ao sítio certo, às mãos do HOMEM que é mestre na arte de apreciar os livros e afins, é mistério que eu próprio não sei explicar, nem Nuno Canavez me soube dizer. De imediato lhe telefonei a agradecer a oferta. E disse-me mais: desde há mais de vinte anos que não mexia na zona de livraria onde o volume se encontrava. Como veio aqui parar não sei. Sei que de um versejador que escreve e acautela os livros com este tipo de referências só poderia ser do meu Amigo. E por isso lho devolvi.
 Outra curiosidade, quase mítica: desde Setembro preparo um livro, em coautoria com mais três investigadores sobre «A Saga da Santidade de D. Afonso Henriques». Este reencontro com o livro que me ensinou a História de Portugal, fez-me recordar aquilo que nele vem na página 41: «a batalha de Ourique (25/7/1139) dia em Afonso Henriques fazia 28 anos, refez o prestígio do nosso I Rei e dos seus cavaleiros». Na véspera dessa batalha, em que o nosso Primeiro Rei venceu os 5 reis mouros, apareceu-lhe Jesus Cristo, a garantir-lhe que sairia vencedor. Esse é um dos dez argumentos que o Teólogo José Pinto Pereira, desenvolveu no seu «Aparato Histórico» publicado em Roma, em 1728 e onde concluiu que Afonso Henriques «foi Pio, Beato e Santo».

                                                     Barroso da Fonte

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