BARROSO da FONTE |
O país deveria parar para reflectir se vale a
pena manter a sociedade que temos, o estado a que chegámos e a que planeta
teremos de bater para entregar os corruptos e os corruptores, recebendo em
troca, astronautas restaurados, mesmo que sejam feios e reconstruídos.
Deveria ser este o tom da minha mensagem
semanal. Mas, ocorre-me a quadra de Natal e do Ano Novo. Devo ter respeito pela
tradição e pelos valores tradicionais. Com esses devemos preocupar-nos,
dando-os a conhecer aos filhos, netos e bisnetos. Mas a tradição deve ter
pausas, etapas, calendário, para sabermos, a partir de que data, a corrupção
derrotou a tradição.
Adiando este tema para mais adiante, vou
substituir uma crónica vadia por uma estória linda e verdadeira. Talvez possa
ser contada como se fosse o Menino Jesus a entrar pela chaminé de todos os
lares abençoados, deixando o livro da nossa primeira classe.
Em
4 de Outubro de 1952 entrei no Seminário de Vila Real, com a ideia de ser
padre. Eu não gostava muito de estudar e pensei que se podia ser padre sem
estudar latim, grego, inglês, francês, matemática, filosofia... Nunca saíra do
meu horizonte visual. Mas guardar a vezeira, vacas, ir dormir ao moinho para
não «abarbar», tirar esterco das cortes dos porcos, roçar matos, não era coisa
que me agradasse. E lá fui para longe desse meu horizonte visual.
Em
8-X-1958 tive de comprar o manual de História de Portugal. O saudoso Padre
Bernardino, recomendou-nos o livro da autoria de Fortunato de Almeida, que já
ia na décima edição e que fora aprovado pelo Ministério da Educação em
1945.Tinha capa dura e continha 380 páginas. Custou 35$00. Como me habituei a
escrever neles o meu nome, número de aluno e a data, entendia pôr na 1ª página
esta quadra: Barroso da Fonte é seu dono /Enquanto este existir/ Por isso se
for perdido/Às suas mãos deve vir.
Em 30 de Junho de 1962 entendi deixar o
seminário. Nesse dia à noite coincidiu ser no Teatro Avenida, a sessão da
entrega dos Prémios dos primeiros Jogos Florais do Clube de Vila Real, aos
quais eu concorrera com uma reportagem sobre uma «chega» de bois em Barroso. Já
não me lembro hoje como tive a ideia de convidar quatro meus amigos para
jantarem comigo e me acompanharem a essa sessão, na qual fui contemplado com o
1º prémio que consistiu em mil escudos em dinheiro real, além do diploma que
conservo, bem como o opúsculo com os nomes do júri, dos premiados e o
regulamento. Recordo esses meus colegas: o Padre Albano da Silva, de Murça
(ainda vivo) e o saudoso padre Max (Maximino Barbosa de Sousa), o João Granja
da Fonseca e o Vaz Gouveia. Cada um de nós seguiu o seu destino. Só o Padre Max
já partiu.
NUNO CANAVEZ |
Nos 54 anos houve no país e no mundo muitas e
profundas alterações. Não sei o que fiz aos livros, nem à batina que usei
quatro anos. Gostava de a ter para me amortalhar quando chegar a minha hora.
Mas sabem os meus leitores o que me aconteceu neste último mês de Novembro?
Recebi uma embalagem do meu ilustre Amigo,
Nuno Canavez, natural de Mirandela, mas desde há muitos anos radicado no Porto,
como livreiro e alfarrabista da Livraria Académica. Poucos serão os
Transmontanos e Portuenses que não conheçam este vulto da cultura Portuguesa
que, estou certo, a toponímia da Invicta, mais cedo ou mais tarde, há-de
registar.
Exatamente
o compêndio de História, editado em 1945 e já em 10ª edição, do Prof. Fortunato
de Almeida, que eu comprara por 35$00, em 8 de Outubro de 1958 e no qual
manuscrevera a quadra acima referida.
Acompanhava esse surpreendente «achado» uma
carinhosa carta de Nuno Canavez, a cumprir o pedido: «se for perdido/ às suas
mãos deve voltar».
Como foi parar ao sítio certo, às mãos do
HOMEM que é mestre na arte de apreciar os livros e afins, é mistério que eu
próprio não sei explicar, nem Nuno Canavez me soube dizer. De imediato lhe
telefonei a agradecer a oferta. E disse-me mais: desde há mais de vinte anos
que não mexia na zona de livraria onde o volume se encontrava. Como veio aqui
parar não sei. Sei que de um versejador que escreve e acautela os livros com
este tipo de referências só poderia ser do meu Amigo. E por isso lho devolvi.
Outra curiosidade, quase mítica: desde
Setembro preparo um livro, em coautoria com mais três investigadores sobre «A
Saga da Santidade de D. Afonso Henriques». Este reencontro com o livro que me
ensinou a História de Portugal, fez-me recordar aquilo que nele vem na página
41: «a batalha de Ourique (25/7/1139) dia em Afonso Henriques fazia 28 anos, refez
o prestígio do nosso I Rei e dos seus cavaleiros». Na véspera dessa batalha, em
que o nosso Primeiro Rei venceu os 5 reis mouros, apareceu-lhe Jesus Cristo, a
garantir-lhe que sairia vencedor. Esse é um dos dez argumentos que o Teólogo
José Pinto Pereira, desenvolveu no seu «Aparato Histórico» publicado em Roma,
em 1728 e onde concluiu que Afonso Henriques «foi Pio, Beato e Santo».
Barroso da Fonte
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