“Nasceu
em 1881 em Krapivno, uma aldeia da Ucrânia …”, diz-nos o autor a terminar o 1º
capitulo. Krapivno significa “lugar onde crescem urtigas”. E pertence à
imensidão geográfica russa. Um espaço profundo, vasto e vertiginoso, onde tudo
parece imóvel, cujo silêncio é apenas quebrado pelos sons da Natureza: o
chilreio dos pássaros, e o uivo do vento agreste da estepe. A estepe das
novelas de Tchékhov, a paisagem da poesia de Essenine, ou dos quadros de
Shishkin ou de Levitan. A mesma Rússia de Nikolai Gogol: “aquela terra que não
fez as coisas pela metade e se estendeu como uma mancha de óleo sobre metade do
mundo”. Um continente imenso. 22 milhões e meio de quilómetros quadrados e com
nove fusos horários. Da Polónia ao Alasca, vizinhas do Japão, da China, da
Mongólia, do Irão ou da Turquia, estas terras estão cobertas de bagas
(framboesas e por aí adiante), as delicias dos Russos e que, segundo reza a lenda,
Puskhin pediu no leito de morte.
Essa
Rússia, essas terras da Ucrânia, são as mesmas onde milhões de camponeses
apelidados de ricos (bastava por vezes possuir uma vaca para ser apelidado
“KulaK” e deportado e fuzilado) foram deportados e fuzilados a mando de
Estaline; onde a colectivização em marcha forçada e as requisições de cereais,
provocadas pela politica demente de Estaline, arrastou a Ucrânia para uma fome
atroz. Provavelmente morreram cerca de 3 milhões durante os anos de 1932-1933.
Comeram-se gatos e cães, roeram-se ossos de animais mortos, chuparam-se as
ervas, as raízes e as peles para, finalmente, se comerem os mortos. Vassili
Grossman em “Tudo Passa” deixou o retrato desses tempos tremendos. Todas as
manhãs carroças provenientes dessas aldeias miseráveis, famintas, carregavam corpos
de crianças para a lixeira, que tinham vindo pedir esmola nas ruas de Kiev.
Do
terror estalinista foram vários os testemunhos literários. Varlam shalamov nos
seus “Contos de Kolima” (vergonhosamente ainda não reeditados em Portugal);
Anne Applebaum, Robert Conquest, os clássicos de Soljenitsin ou o admirável
relato de Tomasz Kizny, “O Grande Terror na URSS – 1937/1938”.
Alexei
Feodossievitch Vangengheim, é o herói desta comovente narrativa de Olivier
Rolin. Socialista crente na Revolução e em Estaline, sem suspeitar da grande
fome ucraniana, por denúncia caluniosa provocada pela inveja, foi preso a 8 de
Janeiro de 1934 nas ilhas Solovki, para ser executado (como milhões de
inocentes) no dia 3 de Novembro de 1937. Durante o tempo que esteve na prisão,
escrevia regularmente à filha de 4 anos, Eleanora, que mais tarde já
paleontóloga, as havia de ordenar em volume, composto por herbanário aritmético
e geométrico, bagas, animais, adivinhas, fenómenos naturais … foi este belo volume
a origem deste livro de Rolin (que o reproduziu no livro), que por pouco não
conheceu a filha do meteorologista com apelido holandês. Eleonora havia-se
suicidado a 12 de Janeiro de 2012. Armando Palavras
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