quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Uma proposta modesta


Alberto Gonçalves – revista Sábado

Os franceses que querem abolir o burkini invocam a separação entre a Igreja e o Estado. Mas os franceses habitualmente mais orgulhosos da separação entre a Igreja e o Estado não querem abolir o burkini. Em que ficamos? Trapos à parte, toda a gente acha positivo que o Estado se mantenha distante da Igreja. E é esquisito que poucos, na França e aqui, desejem alargar a distância ao resto.
Não ignoro que, de Lutero a Jefferson, a separação em causa inclui subtilezas que escapam à concepção comum. Para não complicar as coisas, uso a concepção comum e pergunto: porque é que não se separa tudo, ou quase tudo, do Estado? Se pelo menos desde a época das Luzes se vê com óptimos olhos que o poder não intervenha nas crenças religiosas (e vice-versa), continuamos nas trevas quando se trata de afastar o poder das outras instâncias da sociedade.
Da educação, por exemplo. A que título é que criaturas sem préstimo, nomeadas ou instaladas num ministério, devem influenciar o tipo de escola em que se inscrevem as criancinhas, os currículos a enfiar na cabeça das criancinhas e o nível de exigência a que as criancinhas estão sujeitas? E quem diz a educação, diz o trabalho (o que são "políticas de emprego" e como se distinguem das políticas que invariavelmente criam desemprego?). E diz a iniciativa (o que é "investimento público" e o que legitima que os seus proponentes nunca se responsabilizem pelo respectivo prejuízo?). E diz a propriedade (o que, além do financiamento partidário, da retribuição de favores e da compra de votos, justifica o saque regular dos cidadãos por via do fisco?). E diz o que calha.
Dizer, conforme acontece, que o Estado não é "pessoa de bem" é que não basta: enquanto "pessoa", o Estado é indivíduo de péssimo carácter, que ninguém com os parafusos todos permitiria em sua casa. Infelizmente, não falta gente com falta de parafusos a convidá-lo para se sentar no sofá da sala, aliás em risco de apreensão por atraso no IMI. Os entusiastas do Estado argumentam que sem este não haveria estradas (pois não: seria preciso inventar construtoras privadas e pagas mediante, sei lá, portagens), electricidade (óbvio: imaginem se a EDP fosse privada) e até desporto (sem a fundamental "tutela" arriscaríamos o fracasso olímpico de uns EUA). Os entusiastas do Estado chegam a entusiasmar-se com a demagógica ideia de "proximidade", sendo que "próximo" é o lugar onde o Estado melhor arrasa as nossas vidas.
Separar o Estado da Igreja foi um passo no caminho da liberdade. Passaram-se séculos e não demos o passo seguinte. Em matéria de liberdade, ainda estamos a gatinhar. E a fingir não perceber que, no que toca ao Estado, o Estado estraga aquilo em que toca. Significa isto que o Estado é desnecessário? Sim, excepto, com parcimónia, na justiça e na saúde: o Estado é talvez útil se formos vítimas de assaltos ou doenças. No geral, porém, são os assaltos do Estado que nos deixam de cama. 

O BOM

Um anticomunista primário

Quando o PS se converte à extrema-esquerda, valha-nos Jerónimo de Sousa para demolir o comunismo numa única frase: "Património do PCP não se deve a favores do Estado." Ou seja, o PCP preza a propriedade privada e despreza a "redistribuição" estatal, ideias sadias e motivadas pela notícia de que os imóveis partidários estão isentos de IMI. Enquanto grande proprietário, o PCP não quer pagar um imposto grotesco e faz muito bem. No dia em que o PCP conceder aos cidadãos os princípios pelos quais se rege, o mundo será um lugar melhor.

O MAU

Transformações

Durante décadas, cada concurso de Miss Mundo, Miss Portugal ou Miss Chelas era ridicularizado como um desfile (com trocadilho) de frivolidade, ignorância e patetice. Agora que Barcelona se prepara para receber o primeiro concurso de Miss Transexual, e que um/a português/a participa nele, a conversa passou para o "combate ao preconceito", a "coragem" e não sei o que mais. Trata-se, claro, de conversa fiada. A coisa continua pateta, e valorizá-la apenas pela "diferença" é a melhor maneira de garantir que as diferenças se mantêm.

O VILÃO

Caça às bruxas

Um exercício útil: sempre que as declarações de Pedro Passos Coelho sobre o estado do País suscitam dúvidas, espera-se para ver qual o rústico que o PS encarrega da reacção. Quanto mais rústico, maior a razão de PPC. E quando se trata daquele Galamba, que parece ter sido expulso de uma claque desportiva por excesso de fúria, a razão é dobrada. Há dias, a pretexto do défice, o moço acusou PPC de "alucinações com o diabo". O tom e o espírito evocam a Inquisição, e a suspeita de que batemos no fundo. Mas não se iludam: ainda falta um bocadinho.

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