As teorias da conspiração são o último
refúgio dos nossos ignorantes
Quinze anos depois, não tenciono informar
ninguém sobre onde estava eu no 11 de Setembro, nem analisar o significado do
11 de Setembro, ou classificar a resposta militar ao 11 de Setembro, ou debater
as origens do 11 de Setembro, ou ponderar a influência do 11 de Setembro na
vida em 2016. Limito-me a lembrar que o DN de hoje inclui, por módico preço
adicional, o DVD de Voo 93, filme que recria, na medida do possível, os últimos
momentos do avião da United Airlines que, após sequestro e reacção dos
passageiros, acabou despenhado num campo da Pensilvânia.
Há dias, o DN antecipou online o
lançamento. Um leitor criticou de imediato a "publicidade" do
"imperialismo" e do "heroísmo parolo" (se fossem
sofisticados, os burgessos dos americanos permitiram que os matassem sem
levantar problemas). Outros leitores desenvolveram a tese e esclareceram as
massas acerca do avião "sem asas" que embateu no Pentágono, da
"circunstância" de a maioria dos judeus que trabalhavam no World
Trade Center terem faltado nesse dia, dos telemóveis que "não
funcionam" nos aviões e, em suma, da "grande mentira que foi o 11 de
Setembro".
É escusado notar que este tipo de delírios
não é exclusivo de alguns leitores do DN, ou sequer do público português. Pelo
mundo fora, uma extraordinária quantidade de gente acreditou, acredita e
continuará a acreditar que o 11 de Setembro constituiu um horrendo embuste da
administração Bush para justificar a invasão do Afeganistão e do Iraque.
"Fundamentadas" em milhares de sites mantidos por malucos ou
vigaristas, há por aí milhões de pessoas aparentemente normais que rejeitam
toda a evidência e qualquer réstia de bom senso para acolher
"argumentos" estapafúrdios e indignos da cabecinha de uma criança. Na
essência, essas criaturas não diferem das que, no século 12, suponham a Terra
plana, ou das que, no século XVII, a achavam imóvel. Mas as diferenças no
acesso à informação, e a incapacidade em seleccioná-la, assemelham-nas mais aos
pândegos, muitos deles jovens urbanos, que negam o evolucionismo das espécies -
e não cabe aqui discutir se tão primitiva resistência aos factos é, em si
mesma, um desmentido de Darwin.
Salvo pelos seus partidários, é sabido que
as teorias da conspiração são o último refúgio dos nossos ignorantes. O pior é
serem também a primeira arma dos nossos inimigos. Existe relativa graça no
indivíduo sinceramente convencido de que a equipa da Apollo 11 não chegou à
Lua, e imensa graça em imaginar que o indivíduo vive realmente na Terra. A
brincadeira adquire maior gravidade sempre que, na sua estupidez, as teorias da
conspiração servem projectos criminosos. O comunismo e o nazismo, para citar
duas calamidades maiores, não teriam sido o que foram sem a
"legitimação" manipuladora providenciada por gigantescas patranhas. E
o terrorismo não seria o que é.
As lendas alusivas ao 11 de Setembro
constituem o logro voluntário em que caem os ocidentais que não aceitam, ou
fingem não aceitar, a culpa do islão. Atentados posteriores atraíram lendas
semelhantes, excepto na dimensão. Certas chacinas em França, por exemplo,
espevitaram os "conspiracionistas" assumidos: não é estranho que os assassinos
do Bataclan tivessem deixado para trás as identificações? Já os
"conspiracionistas" dissimulados adoptam a via das dificuldades de
"integração" e os "distúrbios psiquiátricos". A este
respeito, duas verdades são inegáveis: o mundo está cheio de doidos, e, à conta
de masoquismo e crendices, o futuro do Ocidente promete ainda menos em 2016 do
que prometia há 15 anos.
Sexta-feira, 9 de setembro
As cinzas do Magalhães
É bom constatar que, aos poucos, começa a
reabilitar-se o legado do eng. Sócrates. Um destes dias, a revista Visão
informou que, durante a vigência desse grande líder e por obra do ministro
Mário Lino, foram desviados 380 milhões de euros da prevenção e combate aos
incêndios para a produção e distribuição do lendário computador Magalhães. Uma
só decisão, uma série de enormes avanços.
Por um lado, deu-se a todas as criancinhas
do país a possibilidade de perceber o que, por comparação com o Magalhães, eram
computadores a sério (desenvolvimento de competências informáticas) e, de
seguida, vender o Magalhães nas feiras da ladra (desenvolvimento de
competências comerciais) ou deixá-lo a apanhar pó na arrecadação
(desenvolvimento de competências domésticas).
Por outro lado, resolveu-se num ápice a
ocupação de tempos livres nos meses de Verão. Sem os fogos florestais e
urbanos, o que fariam os bombeiros? Com que se distrairiam os espectadores dos
intermináveis noticiários? Que oportunidade teriam os repórteres de introduzir
obsessiva e repetidamente no discurso os "meios aéreos", as
"frentes activas" e os "cenários dantescos"? Quem
substituiria os milhares de especialistas chamados a explicar-nos o porquê de
as coisas arderem quando se lhes deita fogo?
Isto é apenas um exemplo. Ao contrário do
que indivíduos sem princípios chegaram a insinuar, o governo do eng. Sócrates
foi óptimo. Por sorte (temos muita), o actual é ainda melhor: não é à toa que
tantos comentadores isentos adiantam serviço e reabilitam-no em directo -
sempre que o "directo" não se ocupa de um qualquer cenário dantesco.
Por decisão pessoal, o autor do texto não
escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
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