É
verdade, o contexto faz toda a diferença: quando o líder da direita aponta o
estrangeiro aos professores como alternativa de trabalho, isso é emigração; já
quando o líder da esquerda faz o mesmo, isso é… globalização?
Então
não é que o primeiro-ministro também está a descobrir, entre outras surpresas,
que tem muito mais em comum com o seu antecessor, do que alguma vez terá
imaginado?
Uma
dessas descobertas aconteceu há uma semana, em Paris, depois de o Presidente
François Hollande ter anunciado que vai tomar medidas para alargar o ensino do
Português em França. António Costa aplaudiu: “É muito importante para a difusão
da nossa língua. É, também, uma oportunidade de trabalho para muitos
professores de Português que, por via das alterações demográficas, não têm
trabalho em Portugal e podem encontrar trabalho aqui em França”.
O
primeiro-ministro não disse nada de diferente em relação ao que defendeu Passos
Coelho, há quatro anos: “Estamos com uma demografia decrescente e, portanto,
nos próximos anos haverá muita gente em Portugal que, das duas uma: ou consegue
nessa área fazer formação e estar disponível para outras áreas; ou, querendo
manter-se sobretudo como professores, podem olhar para todo o mercado da língua
portuguesa e encontrar aí uma alternativa”.
Tal
como o antecessor, Costa conhece bem os números: desde 2000, o número de
escolas caiu para menos de metade e há menos 230 mil alunos. Por isso, aliás, é
que o Ministério da Educação, nos concursos de contratação de professores deste
ano, manteve o reduzido número de vagas: 100. O que implica que nove mil
professores com mais de dez anos de serviço continuem sem lugar.
Nada
de anormal, portanto, quando se apontam alternativas em países de língua
oficial portuguesa ou da União Europeia em que há grandes comunidades
portuguesas, como França, como uma possibilidade para os professores que não
têm trabalho em Portugal. Anormais, sim, foram as reações de agora, por
contraponto à indignação que as declarações de Passos suscitaram em 2011 e que
foram classificadas como um “apelo descarado à emigração”, numa altura em que o
país atravessava um dos seus piores momentos (do qual ainda não saiu, como se
vê).
"O
que Passos disse foi para os professores irem dar aulas noutro sítio. Outra
coisa é o Governo promover, através de protocolos e acordos bilaterais, essa
possibilidade”, interpretou o líder da Fenprof, Mário Nogueira. Também a
socialista Edite Estrela, alguém que sabe mesmo de Português, tentou
elucidar-nos: “Quem estuda Literatura sabe que o texto e o contexto são
indissociáveis. E até a forma como se diz. António Costa falou naquilo como uma
boa notícia e não como uma imposição”.
É
verdade, o contexto faz toda a diferença: quando o líder da direita aponta o
estrangeiro aos professores como alternativa de trabalho, isso é emigração; já
quando o líder da esquerda faz o mesmo, isso é… globalização?
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