Pedro Sousa Carvalho – jornal Público
No debate político em Portugal ganhámos o
mau hábito de achar que quem defende contas públicas equilibradas é de direita.
Que quem defende que o Estado deve ter um défice controlado é um liberal e que
quem acha que a despesa do Estado deve ser igual à receita é um perigoso
neoliberal. E se alguém se atrever a sugerir que o país até deveria era ter um
superavit orçamental para poder abater a dívida pública é imediatamente
conotado como sendo quase fascista. Fazer contas passou a ser uma quase
actividade subversiva. Dizer que devemos viver dentro das nossas possibilidades
passou a ser uma afirmação que não lesa, mas que incomoda de sobremaneira a
pátria.
Ainda alguns se lembram de João Galamba,
no debate do Orçamento do Estado para 2013, acusar Vítor Gaspar de ter uma
linguagem salazarenta e de Honório Novo do PCP defender que as ideias de Vítor
Gaspar se aproximavam “das teorias económicas anteriores ao 25 de Abril”.
Também esta semana, no discurso do 25 de Abril, Paula Teixeira da Cruz apareceu
no Parlamento, com um cravo na lapela, para retomar esta discussão: “Quando as
discordâncias em matéria financeira levam a acusações de que os partidos da
oposição se bandearam com as instituições europeias e que são os novos
traidores à pátria, o odor a salazarismo mais bafiento e o ridículo mais agudo
abatem-se sobre quem faz tais afirmações, que são uma negação de uma democracia
convivial, tolerante e inclusiva”.
É o ponto a que chegou a discussão
política. Defender disciplina na gestão dos dinheiros públicos não deveria ser
património da direita ou da esquerda, e muito menos se deveria colocar a
discussão num plano ideológico. É nesta clima que a insuspeita Teodora Cardoso
apareceu na Comissão Parlamentar de Finanças e Orçamento, onde fez algumas
críticas ao Programa de Estabilidade. Claro está que a presidente do Conselho
das Finanças Públicas foi imediatamente acusada por alguns deputados que apoiam
o actual governo de fazer análises com base em preconceitos ideológicos porque
alertava para os perigos do caminho que está a ser seguido. Foi então que a
economista confessou a sua filiação ideológica: “A nossa posição é que só as
políticas de procura não resolvem o problema português […] Se isto é ser
ideológico, então assumo que sou ideológica”
Que outros preconceitos ideológicos tem
Teodora Cardoso? Perguntemos à própria. As respostas foram dadas esta semana
por Teodora Cardoso na Comissão de Finanças e Orçamento, e as perguntas e o
diálogo são inventados, para tentar resumir a mensagem que a economista deixou
no Parlamento.
O modelo baseado no consumo não ajuda a
economia a crescer? “Não é possível aceitar como boa uma política que se
dedique exclusivamente a estimular a procura”, responde a economista. Então o
que devemos fazer? “Tem de haver mais ênfase no investimento e nas
exportações”, esclarece. Mas Catarina Martins não disse que o modelo baseado
nas exportações ‘é uma treta’? Teodora Cardoso franze o sobrolho como quem diz
que não responde a idiotices. Então passemos à frente.
O que fazer então para aumentar o
investimento e as exportações? “É preciso proceder a reformas estruturais”.
Reformas de direita ou de esquerda? "Não têm de ser ideológicas, nem ter
um conteúdo de direita ou de esquerda", têm é de “contribuir para um
crescimento mais duradouro e saudável da economia”. E sobre as reformas que
estão a ser revertidas pelo actual Governo? “Não pode haver um Governo que faz
para um lado e outro Governo que faz logo para um outro, sem que haja uma
justificação”. Já agora, o que acha das previsões do governo? “Optimistas”. E
qual é o mal? “A consequência é um adiamento de medidas e a acumulação de
dívida”. Então mas isso alguém um dia há-de pagar? Teodora Cardoso volta a
franzir o sobrolho e percebi que voltei a fazer uma pergunta idiota.
No final desta conversa meio imaginária
com Teodora Cardoso, poderemos ficar apreensivos em relação ao Programa de
Estabilidade que hoje vai a votos no Parlamento. Nesta discussão de modelos
económicos e de ideologias, a posição mais conciliadora talvez tenha vindo de
Marcelo de Rebelo de Sousa que quando promulgou o Orçamento para 2016
perguntou: “Este modelo que aposta no consumo das famílias e no consumo público
fará crescer a economia? Criará emprego? Será suficiente para manter a
competitividade das empresas?”. E o próprio Marcelo respondeu: “Só em 2017 é
que vamos ter a resposta. O modelo provou ou não provou?”. É caso para dizer
que há quem goste de ver para crer. Até diria mais, há quem goste de ver duas
vezes para crer. Pode ser que desta vez tenha sucesso o modelo que não resultou
em 2011.
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