David
Dinis
– jornal de Noticias
1. Sim, vamos falar sobre o caso Maria
Luís Albuquerque, mas a história que lhe quero contar passou-se em julho de
2013, na reunião da comissão parlamentar de acompanhamento da troika. Foi lá
que vi uma das maiores provas de decência política de que me lembro - quem
sabe, porque apenas tinha dois jornalistas a assistir.
Imaginem isto: o presidente da comissão, o
socialista Vieira da Silva, puxa de um texto que tinha escrito para defender um
outro deputado, o social-democrata Miguel Frasquilho, que dizia estar a ser
alvo de uma série de acusações. "Sucessivas, repetidas e
prolongadas", acrescentou o socialista, para depois pôr esse texto à
votação, de todos os partidos. Objetivo: que toda a comissão assumisse a defesa
pública do deputado do PSD.
As acusações tinham sido feitas por Paulo
Morais, um ex-político que agora conhecemos melhor por ter sido candidato à
Presidência da República - e que passou os últimos anos a dizer que em cada
político há um corrupto. Um dos alvos tinha sido, claro, Miguel Frasquilho.
Porque Frasquilho trabalhava no BES, que por sua vez assessorou o grupo chinês
que comprou a EDP. E - linha final - também pertencia à comissão que
fiscalizava essa mesma privatização. Está-se mesmo a ver, não está? - lançou
Paulo Morais numa entrevista ao jornal i. A verdade é que não, não se está a
ver, está a insinuar-se.
O problema da argumentação de Paulo Morais
está aqui: aquela comissão não tinha tratado das privatizações nem competências
para investigar as privatizações; a questão da EDP nunca tinha sido tratada em
nenhuma daquelas reuniões - nem sequer pelo PCP e pelo BE; e Miguel Frasquilho
sempre se recusou a tratar, na Assembleia, matérias que se cruzem com o banco
para o qual trabalhava.
Aquele episódio terminou da maneira mais
surpreendente: Fernando Medina elogiou o "comportamento exemplar" de
Frasquilho, Luís Fazenda deu logo a sua aprovação ao texto - e o comunicado foi
aprovado e subscrito por unanimidade. E não, não foi corporativismo: era justo.
2. É aqui que entra Maria Luís Albuquerque
- e a minha crítica a uma parte da polémica que gerou a sua contratação, uma
instituição financeira londrina. Ouvi muitos a dizer que a Arrow Global terá
beneficiado das suas decisões enquanto governante. E que qualquer
ex-governante, quando sai do governo, terá de ficar uma legislatura no
Parlamento, numa espécie de purgatório, a expiar os seus pecados.
Vamos às perguntas?
O que fez Maria Luís Albuquerque para
"beneficiar" a Arrow Global? Foi ministra no tempo em que o Estado
emprestou dinheiro ao Banif - e que ficou com a maioria do capital do banco
para o salvar, mas sem ninguém a mandar no conselho de administração. O banco
acabou por cair, mas a queda entregou créditos difíceis de cobrar à Arrow
Global (que ficou com eles na mão, tentando fazer dinheiro com eles). Foi isto
- e isto leva-me à pergunta seguinte: o que fazem mais de metade dos deputados
no Parlamento? São professores, advogados, economistas. E muitos fazem tudo
isto enquanto exercem o cargo de deputados. É um risco? É claro que sim. E
vamos partir do pressuposto de que todos os deputados são corruptos? Perguntem
a Vieira da Silva, a Fernando Medina e a Luís Fazenda, talvez eles possam
responder.
Daí que a questão decisiva seja esta: que
tipo de políticos queremos? Os que fazem da vida política toda a sua carreira
profissional? Os que não têm outra experiência que não seja no Estado? Os que
estão totalmente dependentes dos partidos e dos cargos públicos de eleição e
nomeação? E que tipo de interesses e teias se tecem dentro do Estado - e dos
seus cargos? Serão esses deputados menos corruptíveis do que os outros?
É nestas perguntas que convém que pensemos
antes de fazer novas leis sobre as incompatibilidades dos deputados e membros
do governo. Num país onde se ganha pouco, onde há claro défice de qualificações
e onde precisamos dos melhores para que isto vá para algum lado, será melhor
pensar em aumentar a transparência, em aprofundar o escrutínio sobre os que
mandam em nós, do que fazermos da política um mundo ainda mais fechado sobre si
próprio.
Chegados aqui, convém separar as águas:
sim, Maria Luís Albuquerque tem todo o direito em seguir a sua vida, agora que
já não está no governo; não, Maria Luís Albuquerque não deve ficar agora como
deputada
Porque Maria Luís Albuquerque saiu há três
meses, apenas há três meses, do governo. Porque ela está no centro do debate
político em Portugal e a sua nova função vai interferir diretamente no trabalho
que ela devia fazer no Parlamento. Por tudo isto, a questão é política. A nós,
cidadãos, não interessa ficar com deputados que tenham de ficar calados durante
uma legislatura. Só isso.
Quanto às insinuações que se ouviram sobre
a contratação, lembro-vos só o resultado que Paulo Morais teve nas
presidenciais: 2,16%.
A actual governação |
P.S. 2 Com este artigo regresso, como
diretor da TSF, aqui ao DN - uma casa magnífica por onde passei e que me deixou
saudades. Obrigado ao André Macedo pelo convite. É uma honra estar convosco.
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