sábado, 5 de março de 2016

Que classe política queremos?

 

David Dinisjornal de Noticias

1. Sim, vamos falar sobre o caso Maria Luís Albuquerque, mas a história que lhe quero contar passou-se em julho de 2013, na reunião da comissão parlamentar de acompanhamento da troika. Foi lá que vi uma das maiores provas de decência política de que me lembro - quem sabe, porque apenas tinha dois jornalistas a assistir.
Imaginem isto: o presidente da comissão, o socialista Vieira da Silva, puxa de um texto que tinha escrito para defender um outro deputado, o social-democrata Miguel Frasquilho, que dizia estar a ser alvo de uma série de acusações. "Sucessivas, repetidas e prolongadas", acrescentou o socialista, para depois pôr esse texto à votação, de todos os partidos. Objetivo: que toda a comissão assumisse a defesa pública do deputado do PSD.
As acusações tinham sido feitas por Paulo Morais, um ex-político que agora conhecemos melhor por ter sido candidato à Presidência da República - e que passou os últimos anos a dizer que em cada político há um corrupto. Um dos alvos tinha sido, claro, Miguel Frasquilho. Porque Frasquilho trabalhava no BES, que por sua vez assessorou o grupo chinês que comprou a EDP. E - linha final - também pertencia à comissão que fiscalizava essa mesma privatização. Está-se mesmo a ver, não está? - lançou Paulo Morais numa entrevista ao jornal i. A verdade é que não, não se está a ver, está a insinuar-se.
O problema da argumentação de Paulo Morais está aqui: aquela comissão não tinha tratado das privatizações nem competências para investigar as privatizações; a questão da EDP nunca tinha sido tratada em nenhuma daquelas reuniões - nem sequer pelo PCP e pelo BE; e Miguel Frasquilho sempre se recusou a tratar, na Assembleia, matérias que se cruzem com o banco para o qual trabalhava.
Aquele episódio terminou da maneira mais surpreendente: Fernando Medina elogiou o "comportamento exemplar" de Frasquilho, Luís Fazenda deu logo a sua aprovação ao texto - e o comunicado foi aprovado e subscrito por unanimidade. E não, não foi corporativismo: era justo.
2. É aqui que entra Maria Luís Albuquerque - e a minha crítica a uma parte da polémica que gerou a sua contratação, uma instituição financeira londrina. Ouvi muitos a dizer que a Arrow Global terá beneficiado das suas decisões enquanto governante. E que qualquer ex-governante, quando sai do governo, terá de ficar uma legislatura no Parlamento, numa espécie de purgatório, a expiar os seus pecados.
Vamos às perguntas?
O que fez Maria Luís Albuquerque para "beneficiar" a Arrow Global? Foi ministra no tempo em que o Estado emprestou dinheiro ao Banif - e que ficou com a maioria do capital do banco para o salvar, mas sem ninguém a mandar no conselho de administração. O banco acabou por cair, mas a queda entregou créditos difíceis de cobrar à Arrow Global (que ficou com eles na mão, tentando fazer dinheiro com eles). Foi isto - e isto leva-me à pergunta seguinte: o que fazem mais de metade dos deputados no Parlamento? São professores, advogados, economistas. E muitos fazem tudo isto enquanto exercem o cargo de deputados. É um risco? É claro que sim. E vamos partir do pressuposto de que todos os deputados são corruptos? Perguntem a Vieira da Silva, a Fernando Medina e a Luís Fazenda, talvez eles possam responder.
Daí que a questão decisiva seja esta: que tipo de políticos queremos? Os que fazem da vida política toda a sua carreira profissional? Os que não têm outra experiência que não seja no Estado? Os que estão totalmente dependentes dos partidos e dos cargos públicos de eleição e nomeação? E que tipo de interesses e teias se tecem dentro do Estado - e dos seus cargos? Serão esses deputados menos corruptíveis do que os outros?
É nestas perguntas que convém que pensemos antes de fazer novas leis sobre as incompatibilidades dos deputados e membros do governo. Num país onde se ganha pouco, onde há claro défice de qualificações e onde precisamos dos melhores para que isto vá para algum lado, será melhor pensar em aumentar a transparência, em aprofundar o escrutínio sobre os que mandam em nós, do que fazermos da política um mundo ainda mais fechado sobre si próprio.
Chegados aqui, convém separar as águas: sim, Maria Luís Albuquerque tem todo o direito em seguir a sua vida, agora que já não está no governo; não, Maria Luís Albuquerque não deve ficar agora como deputada
Porque Maria Luís Albuquerque saiu há três meses, apenas há três meses, do governo. Porque ela está no centro do debate político em Portugal e a sua nova função vai interferir diretamente no trabalho que ela devia fazer no Parlamento. Por tudo isto, a questão é política. A nós, cidadãos, não interessa ficar com deputados que tenham de ficar calados durante uma legislatura. Só isso.
Quanto às insinuações que se ouviram sobre a contratação, lembro-vos só o resultado que Paulo Morais teve nas presidenciais: 2,16%.
A actual governação
P.S. 1 Já que falamos em Maria Luís, a decisão do tribunal de Londres sobre os swaps do Santander mostram que foi errada a decisão de rasgar um contrato em vez de o negociar - mesmo que ganhando pouco dinheiro com isso. Talvez isso possa dizer mais ao atual governo do que ao anterior.
P.S. 2 Com este artigo regresso, como diretor da TSF, aqui ao DN - uma casa magnífica por onde passei e que me deixou saudades. Obrigado ao André Macedo pelo convite. É uma honra estar convosco.

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